A madrugada encontrou Leonardo diante de Don Vincenzo Costello, o cheiro de charutos velhos e poder impregnando o ar do escritório suntuoso. Tulio permanecia como uma sombra silenciosa ao lado do Don, enquanto Rocco, encostado numa estante de livros raros, exibia um sorriso de escárnio que mal disfarçava sua inveja e desconfiança.
"Então, 'arquiteto'," Don Costello começou, a voz grave quebrando o silêncio tenso, "Tulio me informa que você teve algum… progresso… com nosso pequeno problema de 'engenharia reversa' no Banco Rossi." Leonardo assentiu, o rosto impassível. "Consegui acesso inicial à rede da Seguritech, a fornecedora de software. Obtive diagramas da arquitetura de rede do banco e dos protocolos de segurança primários. Mas as plantas físicas detalhadas do edifício, especialmente da área do cofre principal, e os códigos de acesso mais sensíveis, ainda estão protegidos por camadas adicionais, provavelmente em servidores internos do próprio banco, desconectados da rede externa." "Parcial," Rocco zombou. "O Don não quer migalhas, Leonardo. Quer o banquete completo." "O que Leonardo conseguiu é mais do que qualquer outro teria feito em tão pouco tempo, Rocco," Tulio interveio, a voz fria e precisa, surpreendendo a todos, inclusive Leonardo. "Ele abriu uma porta. Agora precisamos atravessá-la." Don Costello ignorou a troca de farpas, os olhos fixos em Leonardo. "Migalhas não enchem o estômago, de fato. Mas um bom aperitivo abre o apetite. Quero as plantas completas, Leonardo. Quero os segredos do cofre. Quero saber cada passo de cada guarda, cada sensor, cada falha. O relógio está correndo. E minha paciência também." A ameaça era clara, a pressão, esmagadora. "Consiga o que preciso. E não me decepcione novamente."
Enquanto Leonardo recebia suas novas e perigosas diretrizes, Sabrina Rossi estava no epicentro de sua própria batalha, no luxuoso salão de festas do Hotel Magnifico, onde a Progresso Empreendimentos S.A. lançava mais um de seus projetos "visionários". Com o coração aos pulos, disfarçada entre os convidados da alta sociedade – um feito que exigira toda a sua astúcia para driblar a vigilância imposta por seu pai –, ela localizou seu alvo: Dr. Arnaldo Bastos, que circulava entre os presentes com a arrogância de um pavão. O pingente que Beatriz lhe dera, o pequeno dispositivo de captura de dados, parecia queimar em seu pescoço.
"Lembre-se, S.," a voz de Beatriz ecoara em sua mente, "você precisa de alguns segundos muito próximos. O celular dele, o tablet… se o Bluetooth ou o Wi-Fi estiverem abertos, posso tentar uma conexão rápida. Mas seja natural. Qualquer suspeita, aborte."
Sabrina respirou fundo. Viu Bastos se aproximar do bar para pegar uma bebida. Era sua chance. Com um sorriso ensaiado e uma taça de champanhe na mão, ela caminhou em sua direção, calculando o "esbarrão acidental". No momento exato em que ia executar a manobra, uma voz gélida e furiosa soou atrás dela: "Sabrina? O que diabos você está fazendo aqui?" Era seu pai. Lorenzo Rossi, o rosto uma máscara de fúria e incredulidade, acompanhado por uma Eleonora pálida e aflita. A coincidência de ele também estar naquele evento era um golpe cruel do destino.
A confrontação foi imediata, ali mesmo, num canto mais afastado do salão, mas ainda sob os olhares curiosos de alguns convidados. "Eu… eu vim encontrar uma amiga, papai," Sabrina gaguejou, sentindo o rosto queimar. "Uma amiga?" Lorenzo sibilou, a voz baixa, mas carregada de raiva. "Ou veio continuar com essa sua obsessão ridícula e perigosa? Desafiando minhas ordens expressas? Expondo o nome da nossa família a mais um escândalo?" Ele agarrou o braço dela com força. "Você vem comigo. Agora. E esta noite terá consequências muito sérias, Sabrina." Eleonora tentou intervir. "Lorenzo, por favor, aqui não…" "Aqui sim, Eleonora!" ele cortou. "Para que ela entenda, de uma vez por todas, que suas ações têm consequências!"
Arrastada pelo pai, humilhada, Sabrina sentiu as lágrimas de raiva e frustração brotarem. Seu plano de pegar Bastos fora por água abaixo. E a fúria de seu pai prometia um novo nível de restrições em sua já limitada liberdade.
Leonardo, de volta ao seu quarto alugado, analisava os dados que obtivera da Seguritech. Eram insuficientes. Ele precisava de acesso físico, ou de um contato interno no Banco Rossi. Ambas as opções eram extremamente arriscadas. Lembrou-se das histórias de sua avó sobre a genialidade de Lorenzo Bellini, sobre como ele criara sistemas de segurança considerados inexpugnáveis. O desafio era imenso. Ele precisava de um plano, um que fosse ao mesmo tempo audacioso e invisível. A ideia de se aproximar de algum funcionário de alto escalão, de usar engenharia social, começou a tomar forma em sua mente. Mas quem? E como?
Naquela mesma noite, Sabrina, após uma discussão tempestuosa com Lorenzo, que a proibira de sair de casa desacompanhada até segunda ordem e ameaçara cortar todo o financiamento da Fundação Rossi para o Centro Novo Amanhã, sentia-se mais prisioneira do que nunca. Desolada, ela conseguiu, por um breve momento de distração de seus pais, que discutiam na biblioteca, escapar para o jardim dos fundos da mansão, buscando um pouco de ar, um momento de paz.
A noite estava fria, a lua escondida atrás de nuvens densas. Ela caminhava pela alameda mal iluminada que levava a um portão lateral raramente usado, as lágrimas escorrendo silenciosamente por seu rosto. Sentia-se incompreendida, derrotada. A luta pelo Novo Amanhã parecia perdida. A ameaça de Bastos e da Progresso, mais real do que nunca. E ela, presa, impotente.
Foi então que, ao se aproximar do portão lateral, que dava para uma rua tranquila e arborizada, ela viu uma sombra se mover perto de um carro estacionado do outro lado. Seu coração gelou. Seriam os homens que a haviam seguido e atacado? Instintivamente, ela recuou para a escuridão do jardim, observando.
A sombra se materializou num homem alto, encapuzado, que parecia estar inspecionando o cadeado do portão lateral da mansão Rossi. Um ladrão? Um sequestrador? Sabrina prendeu a respiração. Ele parecia estudar a segurança, as câmeras, os pontos cegos. Movia-se com uma agilidade silenciosa, quase felina.
De repente, ele ergueu a cabeça, como se sentisse sua presença, e seus olhares se cruzaram por uma fração de segundo através da escuridão e da distância. Sabrina não conseguiu ver seu rosto claramente, mas sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Havia algo naqueles olhos, uma intensidade, uma tristeza profunda que a atingiu de forma inesperada. O homem não fez nenhum movimento agressivo. Apenas a encarou por um instante, e então, como um fantasma, desapareceu na escuridão da rua, entrando no carro que partiu sem acender os faróis.
Sabrina ficou ali, paralisada, o coração batendo descontroladamente. Quem era aquele homem? O que ele queria? Certamente não era um ladrão comum. Havia uma inteligência, um propósito em seus movimentos. E aquele olhar… por que sentira aquela estranha e perturbadora sensação de… familiaridade? Ou seria apenas o medo pregando-lhe peças?
Leonardo, de volta ao seu carro, também estava perturbado. Aquele encontro não estava em seus planos. Ele estivera ali para um reconhecimento noturno do perímetro da mansão Rossi, avaliando a segurança externa, os possíveis pontos de acesso para sua futura missão de obter as plantas – talvez se aproximando de Lorenzo Rossi diretamente, sob algum pretexto. Não esperava encontrar ninguém no jardim aquela hora. E muito menos uma jovem mulher, claramente abalada, cujos olhos, mesmo na escuridão, pareciam carregar uma tristeza que ecoava a sua própria.
Ele não sabia quem ela era. Talvez uma empregada da mansão, uma parente distante dos Rossi. Mas havia algo em sua postura, em seu olhar assustado, mas também desafiador, que o intrigara. Por um instante, sentira um impulso de se aproximar, de perguntar se ela estava bem. Mas o instinto de autopreservação, a necessidade de manter sua invisibilidade, falou mais alto. Ele desaparecera, mas a imagem daqueles olhos assombrados ficaria gravada em sua memória.
Nenhum dos dois sabia, naquela noite fria e tempestuosa, que seus destinos acabavam de se cruzar de forma breve, anônima, mas indelével. Um encontro fortuito, um olhar trocado na escuridão, o primeiro e frágil fio de uma teia complexa que o destino começava a tecer ao redor deles. A semente da atração, do mistério, do perigo, fora plantada. E ambos sabiam, instintivamente, que aquela não seria a última vez que seus caminhos se cruzariam. A cidade, com seus segredos e suas sombras, ainda guardava muitas surpresas para Leonardo Bellini e Sabrina Rossi.