Os dias que se seguiram à desastrosa noite no Hotel Magnifico foram, para Sabrina, uma lenta asfixia. Lorenzo Rossi, seu pai, cumprira suas ameaças. A mansão, antes um lar, transformara-se numa fortaleza de silêncio e desaprovação. Seguranças extras, ostensivamente para protegê-la, na verdade serviam como carcereiros discretos, limitando suas saídas, monitorando suas ligações, seus contatos. As verbas para o Centro Comunitário Novo Amanhã foram "temporariamente suspensas para reavaliação", um eufemismo para a punição por sua teimosia.
Eleonora, sua mãe, tentava em vão apaziguar os ânimos, o coração dividido. "Seu pai está apavorado, Sabrina," ela dizia, a voz embargada. "Ele só quer o seu bem. Aquela gente da Progresso Empreendimentos… eles são perigosos. E você o desafiou publicamente." "E o que o senhor Rossi sugere que eu faça, mamãe?" Sabrina retorquiu, a amargura em sua voz. "Que eu me cale enquanto eles destroem vidas? Que eu ignore a injustiça porque tenho medo?" Ela olhava para o pingente que Beatriz lhe dera – o dispositivo de captura de dados que se revelara inútil naquela noite, pois não conseguira se aproximar o suficiente de Arnaldo Bastos antes da intervenção de seu pai. Agora, era apenas uma lembrança de seu fracasso e de sua impotência.
Mas a chama da rebelião não se apagara em Sabrina. Pelo contrário. A repressão de seu pai, a ameaça velada dos homens que roubaram as provas de Helena Ribeiro, tudo isso apenas alimentava sua fúria e sua determinação. Em segredo, nas madrugadas, quando a casa silenciava, ela usava o laptop "limpo" fornecido por Beatriz para continuar sua investigação. "Não conseguimos nada no coquetel, S.," Beatriz confessara, numa das raras chamadas de vídeo criptografadas que conseguiam fazer. "Mas não desanime. Vasculhei os registros públicos da Progresso e da Horizonte Capital. Há um padrão de aquisições hostis, de projetos aprovados em tempo recorde apesar de irregularidades ambientais. E o nome de um vereador específico, ligado à comissão de urbanismo, aparece em várias 'consultorias' para empresas ligadas a Bastos. Pode ser uma pista."
Enquanto isso, Leonardo mergulhava cada vez mais fundo no labirinto do Banco Rossi. O relatório de Don Costello fora claro: as informações digitais iniciais eram um bom começo, mas ele precisava das plantas físicas completas, dos detalhes da construção do cofre principal, dos protocolos de segurança humana. Aquilo exigiria uma abordagem diferente, mais arriscada. Significava identificar e explorar o elo humano, a peça mais imprevisível e, muitas vezes, a mais vulnerável de qualquer sistema de segurança.
Seus dias eram dedicados a uma vigilância discreta e implacável dos principais funcionários do banco que poderiam ter acesso a tais informações. Arthur Guedes, o paranoico chefe de segurança, era um alvo óbvio, mas quase impenetrável em sua rotina militarmente regrada. Havia também o engenheiro-chefe do banco, responsável pela manutenção e pelas plantas estruturais, um homem mais velho, metódico, aparentemente incorruptível. E os diretores, claro, mas aproximar-se deles sem levantar suspeitas seria quase impossível.
Leonardo passava horas em cafés próximos ao banco, em saguões de hotéis onde executivos se encontravam, observando, ouvindo, traçando perfis. Ele era uma sombra, um caçador paciente, esperando o momento certo, a oportunidade certa. A imagem da jovem que vira no jardim da mansão Rossi naquela noite chuvosa, seus olhos assustados, mas desafiadores, às vezes surgia em sua mente, uma distração momentânea, um eco de um mundo que ele deixara para trás. Ele não sabia quem ela era, apenas que algo em sua presença o intrigara.
Sabrina, por sua vez, sentia o peso do olhar do "homem do jardim" em suas lembranças. A intensidade daqueles olhos azuis, a forma como ele a encarara por um instante antes de desaparecer na escuridão… era mais um dos mistérios que se avolumavam em sua vida. Ela mencionara o incidente a Beatriz, que, apesar de preocupada, não encontrara nenhuma explicação lógica. "Talvez fosse apenas um segurança particular fazendo a ronda, S.," Beatriz tentara tranquilizá-la, mas nenhuma das duas realmente acreditou nisso.
A pista do vereador corrupto levou Sabrina e Beatriz a um novo caminho. Descobriram que ele frequentava um clube de pôquer discreto, mas conhecido por atrair uma clientela endinheirada e com segredos a esconder. Um lugar onde conversas poderiam ser ouvidas, onde informações poderiam ser trocadas. "Se conseguíssemos plantar uma escuta lá, Bia…" Sabrina começou, mas a amiga a interrompeu. "Nem pensar, S! É perigoso demais. Já basta o que aconteceu com a caixa de Helena." Mas Sabrina era teimosa. "Não uma escuta física. Mas e se… e se eu pudesse ir até lá, apenas para observar? Ver quem se encontra com quem? Talvez reconhecer alguém ligado à Progresso?" Ela sabia que seu pai jamais permitiria, mas a ideia não lhe saía da cabeça.
Leonardo, em sua própria investigação, descobrira que o engenheiro-chefe do Banco Rossi, um senhor viúvo chamado Armando Ferreira, tinha um hábito: todas as sextas-feiras à tarde, após o expediente, ele ia a uma pequena e tradicional cafeteria no centro histórico, a "Confeitaria Imperial", para ler seu jornal e tomar um café expresso. Era um momento de vulnerabilidade em sua rotina otherwise previsível. Leonardo decidiu que aquela seria sua primeira tentativa de aproximação, talvez um "encontro acidental" onde pudesse sondar o terreno, avaliar a personalidade do homem.
Na sexta-feira seguinte, Leonardo estava na Confeitaria Imperial, sentado numa mesa discreta, observando Armando Ferreira em sua rotina. O engenheiro parecia um homem simples, alheio aos jogos de poder que o cercavam. Leonardo planejava seu "esbarrão", a conversa casual que poderia, talvez, abrir uma porta.
Ao mesmo tempo, Sabrina, usando uma desculpa elaborada sobre um trabalho de pesquisa para a faculdade que exigia que ela visitasse arquivos no centro histórico, conseguira permissão de sua mãe para uma saída curta, acompanhada por apenas um de seus seguranças menos atentos. Seu objetivo real, no entanto, era outro. Beatriz descobrira que o tal vereador corrupto também frequentava a Confeitaria Imperial às sextas-feiras, para "reuniões informais". Sabrina queria ver com os próprios olhos, talvez tirar uma foto discreta com seu celular, qualquer coisa que pudesse usar.
Ela entrou na confeitaria, o coração aos pulos, o segurança a uma distância respeitosa, mas visível. Varreu o local com o olhar, procurando pelo vereador. E então, seus olhos pousaram num homem sentado sozinho numa mesa perto da janela, de costas para ela, mas com um perfil que lhe pareceu vagamente familiar. Ele ergueu a cabeça por um instante, olhando para o movimento da rua, e ela viu seus olhos. Azuis. Intensos. Era ele. O homem do jardim.
Leonardo, sentindo um olhar sobre si, virou-se instintivamente. E deu de cara com a jovem do jardim da mansão Rossi, parada a poucos metros de sua mesa, os olhos arregalados de surpresa e reconhecimento. Por um instante, o tempo pareceu parar. Ele a reconheceu imediatamente – a mesma expressão assustada, mas desafiadora, a mesma aura de uma fragilidade que escondia uma força inesperada. E ela, ele percebeu com um choque, também o reconhecera.
O destino, com sua ironia cruel, os colocara frente a frente novamente. Sabrina, pega de surpresa, deu um passo em falso para trás, esbarrando num garçom que passava com uma bandeja cheia de xícaras de café. A bandeja voou, as xícaras se espatifando no chão com um estrondo, o café quente espirrando para todos os lados, inclusive nela e em Leonardo, que se levantara instintivamente para tentar ajudar.
"Oh, meu Deus! Me desculpe! Eu sou um desastre!" Sabrina exclamou, o rosto corando violentamente, enquanto tentava limpar o café de sua blusa com um guardanapo, ignorando a pequena queimadura em sua mão. "Não se preocupe, acontece," Leonardo disse, a voz surpreendentemente calma, enquanto pegava outro guardanapo para ajudá-la, seus dedos roçando os dela por um instante. Um choque elétrico, mais intenso do que o da noite no jardim, percorreu ambos. Seus olhares se encontraram novamente, e desta vez, a conexão foi inegável, uma mistura de curiosidade, perigo e uma atração inexplicável.
O segurança de Sabrina se aproximou apressado, assim como o gerente da confeitaria, preocupado com a confusão. Armando Ferreira, o engenheiro, observava a cena com uma curiosidade benigna. E o vereador corrupto, que acabara de entrar e que Sabrina nem notara, passou por eles com um olhar de desprezo pela "confusão daquela gente".
Leonardo, percebendo os olhares curiosos e a aproximação do segurança, soube que precisava se afastar. Mas antes, ele olhou nos olhos de Sabrina uma última vez. "Tome mais cuidado da próxima vez, signorina," ele disse, a voz baixa, quase um sussurro, um leve traço de sotaque italiano que ela não notara antes. E então, com um último olhar que parecia carregar mil segredos, ele se virou e saiu da confeitaria, desaparecendo na multidão da rua, deixando para trás uma Sabrina confusa, com o coração disparado, a mão queimando onde o café a atingira, e a sensação perturbadora de que aquele encontro, por mais breve e acidental que parecesse, mudaria tudo.
O nome dele, ela ainda não sabia. Nem ele o dela. Mas a semente estava plantada. E ambos sabiam que o destino ainda não terminara de brincar com seus fios.