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Capítulo 4 — Culpa, Cinzas e Mentiras

Daniel Moretti saiu do hospital com passos lentos, como se cada movimento exigisse um esforço que ele não tinha mais. O ar da manhã estava fresco, mas ele sentia como se carregasse uma febre interna, um fogo preso no peito desde o momento em que tirou Júlia daquele carro.

A imagem dela, ensanguentada, desacordada, frágil como nunca deveria ter sido… voltava em flashes martelados.

E junto vinha outra imagem: o sobrinho dele, Caio, virado para Helena no momento do acidente, com o desespero de quem precisa salvar alguém — e escolhe quem salvar.

Daniel passou a mão no rosto, exausto. Ele sempre soube que Caio protegia Helena além do razoável. Era algo que ele via desde que os dois eram adolescentes. Helena tinha aprendido cedo a jogar com aquele instinto protetor dele — com lágrimas rápidas, com voz trêmula, com pequenas manipulações que Caio nunca enxergava.

E porque amava o sobrinho, Daniel nunca interferiu.

Mas agora… agora a consequência estava pesando demais.

No erro de Caio, Júlia quase morrera.

E para Daniel, isso não era algo que dava pra simplesmente engolir.

Quando voltou a entrar no hospital algumas horas depois, encontrou a equipe médica conversando próximo à enfermaria. Um dos enfermeiros o reconheceu e se aproximou.

— Senhor Moretti, acabaram de enviar resultados dos exames da paciente Júlia. A recuperação dela está indo bem, mas por enquanto a memória continua instável.

Daniel assentiu, tentando parecer firme.

— Eu fico com ela — respondeu, quase automático.

— Não é de praxe um familiar ficar o tempo todo — o enfermeiro disse, com delicadeza.

Daniel respirou fundo.

O peso da mentira — mesmo silenciosa — apertou seu estômago.

— Ela precisa de alguém aqui — disse simplesmente.

O enfermeiro não insistiu.

Mas antes que Daniel pudesse voltar ao quarto, seu telefone vibrou. Ele olhou a tela e viu o nome que menos queria ver naquele momento.

Caio.

Atendeu apenas porque sabia que a voz do sobrinho estava perto de quebrar desde a noite anterior.

— Tio… — Caio disse, ofegante, a voz falhando. — Tio, eu preciso de você.

Daniel fechou os olhos. O pedido o atingiu com uma mistura amarga de pena e raiva.

— Onde você está?

— No IML… — Caio respondeu, e o som sozinho já trazia desespero. — Eles… eles disseram que não encontraram o corpo dela. Tio, eles disseram que… que talvez ela tenha sido arremessada da explosão, ou… ou que esteja irreconhecível… não sei… eu…

A voz dele se dissolveu em choro bruto.

Daniel ficou em silêncio por longos segundos.

Não era a hora de contar nada. Não ainda.

— Eu vou até você — disse por fim.

Mas antes que desligasse, uma segunda voz apareceu ao fundo — doce, tremida, ensaiada: Helena.

— Caio… respira… eu tô aqui — ela murmurou, e Daniel quase conseguia visualizar a mão dela deslizando pelo braço do sobrinho, o toque calculadamente suave.

O pior era que Caio não percebia nada.

Sempre fora cego quando se tratava de Helena.

— Ela… ela não merecia isso — Caio chorava. — Eu devia ter tirado ela primeiro. Eu devia…

— Não fala assim — Helena sussurrou, a voz melosa, quase maternal. — Você fez de tudo. Você salvou a mim. Se não fosse você, eu estaria morta. Você salvou minha vida, Caio. Você… você fez o que qualquer pessoa com coração faria.

Daniel apertou o maxilar, sentindo o sangue ferver.

Helena já estava moldando a narrativa.

Transformando a própria sobrevivência em laço emocional.

E Caio — quebrado, vulnerável, culpado — seria o alvo mais fácil do mundo.

Helena continuou:

— E agora… eu vou te ajudar a superar. A gente vai passar por isso juntos. Júlia… não ia querer te ver assim…

Daniel desligou o telefone antes de ouvir mais.

Se continuasse ouvindo aquela voz, ia acabar dizendo coisas que não podia.

Seguiu pelos corredores do hospital com passos rápidos, tentando respirar fundo, tentando se ancorar no que realmente importava naquele momento.

Júlia estava viva.

E Caio acreditava que ela estava morta.

Helena estava se aproveitando disso.

E ele, Daniel, estava no centro de um nó que podia destruir todas as vidas envolvidas.

Quando entrou no quarto de Júlia, ela dormia, o rosto tranquilo, o peito subindo e descendo devagar. Tão frágil. Tão longe da dor que havia do lado de fora.

Daniel se sentou ao lado dela, passando a mão pelo rosto cansado.

Falou baixo, mais pra si mesmo do que pra ela:

— Eu devia ter impedido tudo isso… devia ter te protegido antes.

Júlia se mexeu levemente, como se reconhecesse o som da voz dele mesmo adormecida.

Daniel fechou os olhos por um instante.

E naquele silêncio, uma verdade pesada se instalou:

Ele não culpava só Caio.

Se culpava também.

E por mais que tentasse se convencer de que estava fazendo o certo ao ficar ali… sabia que estava cruzando uma linha fina.

Uma linha da qual não conseguiria voltar.

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