Mundo de ficçãoIniciar sessãoO cheiro de eucalipto foi a primeira coisa que Júlia sentiu antes mesmo de abrir os olhos. Depois veio a sensação suave de lençóis limpos, o toque frio de um ar-condicionado regulado baixo, e algo firme segurando sua mão — quente, presente.
Ela tentou se mover, mas uma dor surda pulsou na lateral do corpo, obrigando-a a permanecer imóvel. Então respirou fundo e, com cuidado, abriu os olhos.
A claridade do quarto branco a cegou por um segundo.
Era um quarto de hospital.Mas não foi isso que prendeu sua atenção.
Foi o homem sentado na poltrona ao lado da cama, segurando sua mão como se fosse um fio de vida. Ele tinha o rosto sério, cansado, e ainda assim… havia algo gentil ali. Como se estivesse de vigília há horas, talvez dias.
O nome dele escapou dos lábios dela antes mesmo que ela percebesse.
— A… amor…?
A palavra saiu fraca, arranhada.
O homem levantou na hora, como se tivesse levado um choque.Seus olhos, castanhos e intensos, se arregalaram.
Era Daniel.
Mas ela não sabia disso.Para Júlia, era apenas… o homem que ela reconheceu no reflexo de um sentimento que não conseguia nomear.
— Ei — ele disse, num tom que tentava ser firme, mas tinha uma rachadura emocional evidente. — Não faz esforço. Você acabou de acordar. Como está se sentindo?
Júlia piscou algumas vezes.
Tentou puxar memórias, mas era como tentar agarrar fumaça com as mãos.— Eu… — ela começou, mas a cabeça latejou. — O que aconteceu?
Daniel hesitou.
E aquele pequeno segundo de silêncio foi suficiente para que ela sentisse a verdade: havia algo errado. Muito errado.— Você sofreu um acidente — ele respondeu enfim, com calma. — Mas está segura agora. Está sendo cuidada.
Ela engoliu seco.
— E você… — a voz dela falhou. — Você estava lá?
Daniel respirou fundo. Olhou dela para a mão que segurava. A culpa parecia pesar sobre seus ombros como uma corrente.
— Sim — ele disse. — Eu estava.
Júlia sentiu um alívio estranho, inesperado, percorrer seu peito.
Como se a presença dele fosse uma âncora em meio a uma tempestade.— Eu… — ela tocou a cabeça com a mão livre, sentindo o curativo. — Não lembro de quase nada…
Os olhos de Daniel a observaram com um cuidado silencioso.
— É normal — ele disse. — Os médicos já esperavam isso. Sua memória pode voltar aos poucos.
Ela respirou devagar, tentando processar.
Era um estranho.
Mas sua intuição insistia que não. Seu corpo não recuou. Sua mente não protestou.A presença dele era familiar de um jeito inexplicável.
Confortável. Quase íntima.— Você… — ela sussurrou, hesitante — você ficou comigo esse tempo todo?
— Fiquei — Daniel respondeu, sem pensar.
Só depois pareceu perceber o peso da própria resposta.
Os olhos dela brilharam de leve.
Um brilho de confiança, não de dúvida.— Obrigada — ela disse, com uma sinceridade que pareceu arrancar o ar de Daniel.
Ele desviou o olhar, passando a mão pela barba por fazer.
— Não precisava agradecer.
Silêncio.
Silêncio daqueles que não incomodam — que apenas existem.
Júlia observou o rosto dele, as linhas marcadas pelo cansaço, o jeito que os ombros pareciam carregar o peso de algo enorme. Ele era… forte, mas fragilizado. Seguro, mas quebrado por dentro.E ela não sabia por quê.
Mas queria saber.— Você é meu… — a voz dela falhou antes de terminar.
Mas Daniel entendeu.O ar do quarto pareceu congelar.
As emoções passaram pelos olhos dele rápido demais para serem identificadas — choque, dor, indecisão.Júlia esperou.
Doce. Desorientada. Vulnerável.Daniel respirou fundo, como alguém prestes a atravessar uma linha que nunca deveria ser cruzada.
— Agora… — a voz dele saiu baixa, quase um sussurro — o mais importante é você se recuperar.
Não respondeu.
Não confirmou. Também não negou.Esse pequeno espaço em branco foi tudo o que a mente confusa dela precisou para preencher sozinha.
Ela apertou levemente a mão dele.
E Daniel sentiu.
Sentiu com força demais.
O monitor cardíaco marcou um aumento suave nos batimentos de Júlia, e o médico, que entrou silenciosamente naquele momento, percebeu mais do que disse.
— Vejo que acordou — o médico sorriu, profissional e tranquilo. — Ótimo sinal.
Daniel soltou a mão dela devagar, como se estivesse devolvendo algo que não deveria ter tocado. Deu um passo para trás, recolhendo-se.
Júlia o acompanhou com o olhar, como alguém que teme perder o único ponto fixo que tem.
— Você vai ficar bem — ele disse, com a voz baixa, mas firme, já próximo da porta.
— Você volta? — ela perguntou.
Daniel parou.
A pergunta atravessou o espaço entre eles como um sussurro carregado de algo que nenhum dos dois entendia direito.— Volto — ele disse, sem hesitar.
E quando ele saiu do quarto, Júlia fechou os olhos, tentando puxar qualquer memória que explicasse aquela sensação estranha de pertencimento.
Mas nada veio.
Só o conforto daquela voz prometendo que voltaria.
Só o sentimento inexplicável de que, de algum jeito…
ele era parte dela.






