Mundo ficciónIniciar sesiónCapítulo 5 – narrado por Helena
Eu sabia que aquele emprego não seria fácil. Trabalhar para um homem como Arthur Vasconcellos exigia muito mais do que competência — exigia frieza, atenção e, acima de tudo, resistência. Desde o primeiro dia, senti os olhares. Alguns de curiosidade, outros de julgamento. Mas o pior era o de Camila. Ela tinha um sorriso bonito, mas vazio. E quando me olhava, era como se dissesse, em silêncio: “Você não pertence a este lugar.” No início, tentei ignorar. Fazia meu trabalho, mantinha a postura e voltava para casa pensando apenas no meu filho. Mas, naquela manhã, percebi que algo estava errado. Quando cheguei à empresa, os sussurros começaram antes mesmo de eu sair do elevador. Olhares, cochichos, celulares escondidos. Meu corpo reagiu antes que eu entendesse o motivo. Sentei à mesa, abri o computador… e congelei. Havia um e-mail enviado do meu endereço para um dos maiores clientes da empresa. Um e-mail que eu não escrevi. > “Talvez o senhor prefira negociar com pessoas mais competentes do que o seu atual contato. O senhor Vasconcellos não costuma cumprir prazos.” Meu coração parou por um segundo. Era uma ofensa direta ao meu chefe. Uma sabotagem. Um golpe sujo. E o pior: o e-mail estava assinado com o meu nome. --- Antes que eu pudesse reagir, a porta da sala dele se abriu. Arthur estava de pé, tenso, com o olhar que eu temia ver. — Na minha sala. Agora. Os corredores pareceram mais longos do que nunca. Cada passo era um peso. Quando entrei, Camila já estava lá. Claro que estava. Ela fingia surpresa, mas o brilho nos olhos a entregava. Arthur jogou uma cópia impressa do e-mail sobre a mesa. — Quer me explicar isso? Olhei o papel, o texto. Senti a garganta seca. — Eu não escrevi isso. — Então alguém invadiu sua conta, é isso? — perguntou, cético. — Não sei como aconteceu, mas garanto que não fui eu. Camila cruzou os braços, teatral. — Arthur, sei que é delicado… mas talvez ela tenha tentado se destacar. Às vezes, pessoas novas fazem coisas impensadas pra chamar atenção. Virei para ela. — Você está me chamando de mentirosa? Ela deu um sorriso que me fez tremer. — Só estou dizendo que erros acontecem. Arthur ficou em silêncio, mas o olhar dele me cortava. Não havia mais a calma de antes. Havia desconfiança. — Senhor Vasconcellos — falei, tentando manter a voz firme —, o senhor me contratou porque acreditou em mim. Eu não sou esse tipo de pessoa. Ele passou a mão pelos cabelos, irritado. — Eu não tolero falta de ética, Helena. Isso pode custar contratos, imagem, dinheiro. — E eu não tolero injustiça — respondi, antes que conseguisse me conter. — Se o senhor quiser, pode investigar meu computador, meu histórico, qualquer coisa. Mas eu não vou aceitar ser acusada de algo que não fiz. O silêncio que se seguiu foi sufocante. Camila fingiu tossir. Arthur me encarou por longos segundos. Então, com a voz fria, disse: — Pode sair. — O senhor está me suspendendo? — Estou pedindo que vá pra casa até resolvermos isso. Aquelas palavras me atravessaram como uma faca. Assenti, engoli o choro e saí. Mas antes de fechar a porta, ouvi Camila dizer, baixo, mas o suficiente para ferir: — Eu avisei que ela não era confiável. --- No elevador, o desespero veio com força. As lágrimas que segurei na frente deles agora desciam sem controle. O medo de perder o emprego me esmagava. Pensei no meu filho, em como dependíamos desse salário. Pensei em como eu havia acreditado, mesmo por um segundo, que poderia recomeçar. Mas logo, no meio do choro, a raiva tomou o lugar da dor. Não. Eu não ia me calar. Não dessa vez. Passei o resto do dia ligando para o setor de TI, pedindo ajuda. O técnico responsável, um rapaz tímido chamado Davi, hesitou no início, mas depois concordou em verificar os logs do sistema. Horas depois, recebi uma mensagem dele: > “Encontrei algo estranho. O e-mail foi enviado de outro IP, não do seu computador. Parece que usaram o acesso remoto.” Meu coração acelerou. Havia esperança. Pedi a ele que imprimisse o relatório e me entregasse pessoalmente. Peguei um táxi e voltei para o prédio. --- Arthur ainda estava no escritório, sozinho, debruçado sobre a mesa. Bati à porta. — Eu pedi que voltasse pra casa — disse, sem olhar pra mim. — Eu voltei porque tenho algo pra mostrar. Coloquei os relatórios sobre a mesa. Ele pegou, folheou, leu em silêncio. Quando chegou na última página, levantou os olhos. — O que é isso? — Prova. — Minha voz tremia, mas era firme. — O e-mail foi enviado do IP da sala de administração. E só três pessoas têm acesso a esse computador: a senhora Regina, o senhor Cláudio… e Camila Monteiro. Vi o impacto nos olhos dele. A desconfiança começou a rachar. — Está me dizendo que ela… — Estou dizendo que alguém quer me destruir. E acho que o senhor sabe quem tem motivo pra isso. Arthur ficou em silêncio. Os olhos dele me fitaram por longos segundos. E, pela primeira vez desde que entrei naquela empresa, vi algo diferente naquele olhar: culpa. — Helena… — Ele respirou fundo. — Eu… errei com você. Senti a garganta travar. — Eu só quero o meu trabalho, senhor Vasconcellos. Não quero piedade. Ele assentiu. — Você vai continuar aqui. E, a partir de agora, qualquer denúncia passa por mim. Pessoalmente. Havia algo na forma como ele disse “pessoalmente” que me fez arrepiar. Uma promessa silenciosa. Uma proteção que eu não pedi, mas que, no fundo, me deu força. Quando saí da sala, Camila estava no corredor. Ela me olhou com desprezo. Eu apenas sorri. — Boa noite, senhora Monteiro. — Passei por ela com a cabeça erguida. — Acho que seu plano não funcionou. --- Naquela noite, quando cheguei em casa e abracei meu filho, percebi que algo dentro de mim havia mudado. Eu não era mais a mesma mulher que entrou naquela empresa com medo. Agora, eu tinha uma voz. E, por mais que o mundo tentasse me silenciar, eu aprenderia a usá-la.






