capítulo 4

Capítulo 4 –narrado por Arthur

O relógio marcava oito e quarenta e dois quando Helena Duarte entrou na minha sala.

Pontual. Sempre um bom sinal.

Mas não foi isso que me chamou atenção.

Foi o olhar dela — firme, embora visivelmente inseguro.

Mulheres assim sempre me intrigaram: as que não tentam parecer fortes, apenas são.

— Senhorita Duarte — disse, controlando o tom da voz. — Sente-se.

Ela obedeceu, ajeitando a bolsa no colo. O cheiro do perfume dela era discreto, quase imperceptível, mas de algum modo ficou preso no ar.

Enquanto falava sobre tarefas, relatórios e prazos, percebi que ela anotava tudo com atenção, sem interromper, sem bajular, sem parecer impressionada com o ambiente.

Isso era raro.

Quando finalizei, acrescentei:

— Aqui, a confiança é mais importante que a eficiência.

Ela levantou o olhar.

— Eu sei, senhor. Já perdi a confiança das pessoas uma vez. Não pretendo repetir isso.

Aquilo me pegou desprevenido.

Não pelo que disse, mas pelo modo como disse — sem drama, sem justificativa. Apenas uma verdade silenciosa.

E então Camila entrou.

Sem bater, como sempre.

Com café, com perfume demais, com aquele sorriso ensaiado que eu já não suportava.

— Camila, pedi que não me interrompesse — falei, mais frio do que pretendia.

Ela fingiu inocência.

— Pensei que fosse uma conversa informal. Só quis ajudar.

Ajuda.

Desde que terminamos, Camila parecia confundir “ajuda” com “invasão”.

E, embora eu evitasse cenas desnecessárias, minha paciência com ela estava perto do limite.

Quando finalmente saiu, Helena tentou disfarçar o desconforto.

Mas eu percebi.

Tudo nela era transparente — os gestos, o olhar, até o silêncio.

“Perigoso”, pensei.

Pessoas transparentes sempre me deixam vulnerável.

---

Depois que ela saiu, fiquei alguns segundos olhando para a porta fechada.

Havia algo em sua presença que me deixava inquieto.

E não era só atração — embora fosse impossível negar que ela era bonita.

Era algo mais profundo, quase irritante.

Peguei o celular e digitei uma mensagem para Camila:

> “Precisamos conversar sobre limites.”

Apaguei.

Seria inútil. Ela interpretaria como atenção.

Suspirei e voltei para os papéis sobre a mesa.

Contratos, números, negociações.

Coisas que sempre consegui controlar.

Mas a imagem de Helena continuava me distraindo.

A forma como ela segurava a caneta, o jeito que apertava os lábios antes de responder.

Uma calma que parecia disfarçar um turbilhão.

Não era o tipo de mulher que se impressionava com luxo.

E isso… me desarmava.

---

No almoço, desci até o refeitório da empresa.

Normalmente eu evitava aquele lugar, mas queria observar sem ser notado.

De longe, vi Helena sentada sozinha, mexendo no celular.

Alguns funcionários cochichavam — é claro. A chegada de uma nova assistente sempre gerava comentários.

Camila entrou logo depois, acompanhada de duas colegas.

O ambiente mudou.

Ela riu alto, propositalmente, e fez questão de passar perto da mesa de Helena.

— Espero que esteja se adaptando, querida — disse, com falsa doçura. — Aqui, as coisas acontecem rápido. É preciso saber… acompanhar o ritmo.

Helena ergueu o olhar.

— Obrigada pela dica. Tenho certeza de que vou aprender.

Camila sorriu, mas os olhos dela lançaram um aviso.

E foi aí que percebi algo que me irritou mais do que deveria:

ciúme.

Camila nunca suportou perder espaço. E, de alguma forma, Helena já estava ocupando um — sem nem perceber.

---

De volta ao escritório, encontrei um e-mail de Helena com o resumo da manhã.

Organizado, direto, impecável.

Sem erros.

Sem rodeios.

Peguei o telefone interno.

— Duarte? Pode vir à minha sala um instante.

Ela apareceu minutos depois, com o mesmo ar atento.

— Fiz algo errado, senhor?

— Pelo contrário. Está tudo certo.

— Ah. — Um leve sorriso. — Então, qual seria o motivo da chamada?

Não esperava aquela pergunta.

Normalmente, as pessoas se limitavam a “sim, senhor”.

Mas ela tinha coragem de olhar nos meus olhos e questionar — sem arrogância.

— Queria apenas parabenizá-la pela organização — respondi. — E avisar que amanhã teremos uma reunião externa. Preciso que me acompanhe.

— Claro. — Ela anotou no bloco. — Onde será?

— No centro, às nove. Prepare os documentos até o fim do dia.

— Pode deixar.

Por um instante, o silêncio nos envolveu.

E eu percebi o quão perto estávamos.

O som da respiração dela era leve, mas presente.

Desviei o olhar primeiro.

— Está dispensada.

Ela assentiu, virou-se e saiu.

Mas a sala pareceu… diferente depois que ela foi embora.

Mais vazia.

---

À noite, enquanto revisava contratos em casa, minha mente insistia em voltar àquele olhar.

Não era desejo o que me incomodava.

Era o efeito que ela tinha sobre meu autocontrole.

Camila me ligou. Ignorei.

Ligou de novo.

Atendi.

— Arthur, precisamos conversar — disse ela, impaciente.

— Não agora.

— Então quando? Você acha que pode simplesmente me substituir?

— Camila, não torne as coisas mais difíceis do que já são.

— Difíceis pra quem? Pra mim ou pra ela?

Silêncio.

Eu sabia exatamente de quem ela falava.

— Não misture as coisas — falei, tentando manter a calma. — Helena é minha funcionária.

— Funcionária? — Ela riu, amarga. — Quantas “funcionárias” você já olhou desse jeito?

A ligação caiu. Ou melhor — desliguei.

---

Fiquei algum tempo em pé, olhando a cidade pela janela.

Luzes, carros, vozes. Tudo seguia em ritmo perfeito — exceto o meu.

Desde que Helena entrou naquele escritório, algo em mim saiu do eixo.

E eu não sabia se queria consertar.

Porque, no fundo, uma parte de mim — a que eu sempre escondi — queria ver até onde isso podia ir.

Mas eu também sabia:

misturar desejo e poder sempre termina em ruína.

E, ainda assim, quando fechei os olhos, o que vi foi o rosto dela —

e a voz dela dizendo, com calma:

> “Pode confiar em mim.”

O problema era que eu já começava a confiar.

E isso era o começo do erro.

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