Perfume e lã escura

Enrico estava debruçado sobre relatórios quando sua secretária entrou na sala informando:

— Senhor Moretti, tem uma moça esperando na recepção. Disse que é pessoal... e se recusou a dar detalhes. Se identificou como Cecília.

Ele não disfarçou o sorriso. Era cedo demais para vê-la de novo — ou talvez não fosse, talvez o tempo entre um encontro e outro perdesse o sentido quando se tratava dela. Ele apenas assentiu com a cabeça.

— Pode mandar subir.

Assim que a porta se abriu, Cecília entrou. Cabelo solto com algumas ondas, mechas ruivas emoldurando o rosto, um vestido leve de alcinhas um pouco acima do joelho. Mas não era a roupa — era a presença. Ela parecia deslocada naquele ambiente de aço e vidro governado por homens, mas ao mesmo tempo... dominante. Andava como quem não pedia licença, como quem não devia nada a ninguém.

E aquilo mexia com ele de um jeito perigoso.

— Não achei que fosse aparecer de novo tão cedo — disse ele, recostando-se na cadeira, observando-a como se analisasse uma peça de arte rara.

— Achei que fosse aparecer nunca, mas... aqui estou. — Ela ergueu uma sacola preta e colocou sobre a mesa. — Vim devolver isso.

Ele puxou o blazer de dentro da sacola e o segurou por um instante. O tecido trazia consigo algo além do perfume dele — havia um vestígio dela ali. Um cheiro quente, indefinido, que o fazia lembrar da noite em que a salvara. Da sensação de tê-la próxima, da vontade quase insuportável de tocar, de provar.

— Pensei que fosse guardar como lembrança — provocou.

— Não sou dessas. E eu não sou de ficar devendo favores, então achei mais justo te devolver o que é seu... sem deixar pendências.

— Sempre tão correta.

— Nem sempre, mas hoje estou me esforçando.

Ele se levantou, caminhando até ela com uma lentidão que dizia mais do que qualquer frase. Parou perto demais. Perto o suficiente para que ela sentisse o calor dele, a presença física. Mas Cecília não recuou, ergueu o queixo, como quem desafia.

Enrico a olhava como se estivesse tentando decifrar um idioma raro. Ela não era só bonita — era provocação pura. O jeito como se mantinha firme mesmo cercada por luxo e autoridade. O corpo dela estava ali, tão próximo, e ele sentia o desejo crescer em espiral, algo quase primitivo.

— E se eu dissesse que prefiro deixar algumas pendências?

— Eu diria que você está acostumado a confundir as coisas, e que eu não sou uma delas.

O sorriso que ele abriu era perigoso. Não pelo charme — mas porque vinha acompanhado de uma intensidade silenciosa, contida, mas pronta para explodir. Era o tipo de sorriso que já tinha feito outras mulheres tremerem. Mas com ela, não havia garantias. E talvez fosse isso que o excitasse tanto.

— Você devia usar mais o cabelo solto — comentou, como quem fala sobre o clima. Mas o olhar não era casual. Pairava nos fios ruivos, depois descia devagar pelo pescoço, pela clavícula, como se imaginasse o toque da pele sob aqueles pontos.

— Você devia parar de achar que pode dizer o que quiser.

— Mas posso. Afinal, você ainda está aqui.

— Só até entregar essa sacola — ela disse, tentando passar. Mas ele moveu o braço, interceptando seu caminho sem tocar, só uma barreira invisível feita de intenção.

— E se eu quisesse te oferecer um café?

— Vai querer me sequestrar de novo?

— Hoje, só um café.

Ela hesitou. Por um segundo, o olhar dela oscilou. Ele viu. A dúvida, o conflito. E ali, soube que já tinha se infiltrado em algum canto da mente dela.

— Só se for rápido.

Ele a conduziu até a antessala e indicou o sofá de couro. Serviu duas xícaras com gestos lentos, quase cerimoniais. Quando se sentou ao lado dela, havia menos de meio metro entre os dois. O couro rangeu sutilmente, e o calor de seus corpos parecia preencher o ar.

Cecília tomou um gole e apoiou a xícara com firmeza sobre a mesa de centro. Ele não tirava os olhos dela. Havia algo no modo como ela segurava a porcelana, firme, mas com dedos longos e delicados. Imaginou como seria tê-los em sua nuca. Em seu peito, mais abaixo.

— Parou de me encarar? — ela perguntou, como quem j**a uma isca.

— Só estou tentando entender... se você está tão no controle quanto parece.

Ela virou o rosto, encarando-o com olhos semicerrados. Dentro dela, o coração batia mais rápido, mas não era medo, era antecipação. O modo como ele a olhava a despia sem pressa. Fazia com que ela se perguntasse há quantos dias, na verdade, vinha esperando esse momento.

— E você, Enrico? É sempre assim com as mulheres?

— Não.

— Então por que comigo?

Ele demorou a responder. O silêncio entre os dois era carregado, como um fio prestes a romper.

— Porque você não sorri por educação, não abaixa os olhos e não parece estar à procura de nada. Isso me desarma.

Ela não respondeu. Mas seus olhos perderam por um instante a dureza, só por um segundo. Depois se recostou no sofá, cruzando uma perna sobre a outra com deliberada lentidão. O vestido subiu um pouco, revelando mais de suas coxas. Enrico desviou o olhar, mas tarde demais. Ela viu, e sorriu de canto.

E dentro dela, algo aqueceu. Não era só vaidade. Era saber que ele a desejava. Que o fazia perder o controle que ele tanto parecia valorizar.

— Está se esforçando pra não parecer afetado.

— Você se diverte me provocando?

— Um pouco.

— Então estamos quites.

O tempo congelou ali. O calor no ar era espesso, como se umidade e desejo estivessem misturados. Enrico se inclinou levemente para frente. O braço repousava sobre o encosto atrás dela, e os olhos buscavam os dela.

— Se eu me aproximar... — a voz dele estava rouca, quase um sussurro — você vai se afastar?

Ela o olhou por alguns segundos. E, pela primeira vez, não havia certeza em sua resposta. Porque seu corpo queria dizer sim. Seu corpo queria esquecer os limites e deixar que ele a puxasse para perto, que a beijasse até que ela não lembrasse nem o próprio nome. Mas...

— Talvez não hoje.

Ele não esperou. Aproximou-se mais, devagar, como se desse tempo para ela mudar de ideia. Mas ela não mudou. Ficou ali, sentindo a respiração dele se misturar à sua. O coração dela acelerou, e pela primeira vez em muito tempo, Cecília deixou-se levar.

Seus lábios se tocaram num beijo tenso, contido no começo, mas que logo evoluiu para algo mais profundo. Os dedos dele chegaram a tocar seu queixo, depois escorregaram até a nuca. A pele dela arrepiou-se. Ela gemeu baixinho contra a boca dele, sem perceber.

Ela sentia o gosto do café e o perfume dele, tudo misturado em uma vertigem silenciosa. As mãos dele não a tocavam com pressa — mas com firmeza. Ele não a puxava, ele a esperava. E ela foi.

Quando se afastaram, os olhos de ambos estavam mais escuros, a respiração descompassada.

— Isso é uma má ideia — ela sussurrou, ainda com os lábios próximos dos dele.

— Provavelmente — ele respondeu. — Mas por algum motivo, as más ideias andam me parecendo as únicas que fazem sentido.

Ela se afastou, mas não com pressa, só o suficiente para voltar a respirar. Pegou a xícara e tomou o último gole como se precisasse ancorar-se na realidade. Depois se levantou, sem dizer nada.

Ele a acompanhou até a porta, o corpo ainda em alerta. Queria mais, mas não pediu, ainda não.

— Vai pegar o ônibus de novo?

— Claro. Se quisesse conforto, teria nascido rica.

— Eu posso te levar.

— Não precisa.

— Eu sei, mas adoraria.

Ela o encarou por um instante, como se ponderasse algo que não disse. Depois assentiu com ironia:

— Um dia, Enrico. Um dia talvez eu aceite. Hoje, prefiro o banco de plástico e o cheiro de gasolina.

— Hoje.

Ela sorriu de canto e virou as costas, saindo do escritório sem olhar para trás.

Quando a porta fechou, Enrico ficou em pé por mais alguns segundos. Depois voltou à mesa e sentou-se, mas não abriu mais nenhum relatório. Encostou os dedos nos lábios, ainda com o gosto dela. A imagem de Cecília se sobrepunha a tudo que o cercava.

Era como um incêndio lento. Um perigo que ele não queria evitar.

E talvez, no fundo, ele soubesse que ela seria exatamente isso: a mulher capaz de virar seu mundo de ponta-cabeça — e fazê-lo gostar da queda.

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