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A Garra da sobrevivente

Leydi Dayane

O hospital era uma daquelas clínicas particulares caras, daquelas que te fazem sentir que, se o rim não for o primeiro a ir embora, a carteira cai antes. Eu já estava contando mentalmente quantos pedacinhos do meu futuro eu teria que vender para pagar aquela conta, porque não tinha nem dinheiro para o ônibus, quem diria para um exame.

Sentada na maca, olhando o teto branco e esperando o médico confirmar que meu estado era só um susto, eu não podia evitar pensar em como a vida gosta de jogar essas peças. Uma hora você está na rua, tropeçando no salto, e na outra está num hospital que mais parece um castelo. Pelo menos, o exame mostrou que eu estava bem, nada sério. Ufa.

Andando pelo corredor, meio distraída com o bilhete do exame na mão, meu salto colado – aquele que já ameaçava me deixar na mão há tempos – finalmente soltou-se do sapato. Quase caí de cara no chão, mas me segurei na parede fria e áspera. Juro, pensei: “Esse é o dia, vai tudo desmoronar agora.”

Logo em seguida, Arthur Lancaster apareceu, com aquele olhar sério e que ainda me incomodava um pouco. Ele comentou sobre a conta do hospital, e, para minha surpresa, disse que já havia pagado tudo.

— Não precisa se preocupar com isso — ele falou, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Eu queria agradecer, mas não tinha muito o que dizer, só senti o peso da dívida invisível que ele acabara de apagar.

— Posso te levar para casa? — perguntou ele, com aquele tom que misturava curiosidade e certa obrigação.

Fiquei triste, porque sabia que minha chance de entrevista tinha ido embora. Respondi com a voz meio trêmula:

— Acho que já perdi a entrevista mesmo... — dei de ombros.

Ele franziu a testa, surpreso:

— Que entrevista?

Foi aí que contei sobre a vaga de secretária na empresa dele.

Ele ficou sério, quase culpado, e disse que me levaria até a Lancaster. E que eu teria a chance da entrevista.

No carro, caminho para o prédio que eu só conhecia por alto, ele me fez perguntas. Perguntas de quem realmente queria entender quem eu era.

Falei dos cursos que tinha feito: administração, inglês fluente, informática avançada, atendimento ao cliente, e umas aulas de organização empresarial que eu tinha tirado lá numa ONG que me ajudou quando eu mais precisei. Falei das dificuldades, mas também do meu esforço para aprender e crescer.

Ele ficou impressionado, disse que eu parecia qualificada e que iria providenciar minha contratação sem precisar da entrevista.

— Não precisa disso — insisti, meio desconfiada, achando que aquela gentileza era demais.

Mas ele foi firme: — Você vai até a sala do seu chefe agora, e vai mostrar que merece a vaga.

Chegando na Lancaster, o prédio parecia gigante e frio. Arthur me acompanhou até a porta da sala do tal Theodoro, meu futuro chefe.

Quando entramos, meus olhos reconheceram logo quem ele era. O homem que me destratou mais cedo, que disse com aquela boca suja e grosseria que eu nunca esqueço:

— Grosso? Grosso é a cabeça do meu pau.

Meu estômago revirou, mas segurei o queixo erguido. A vida não era fácil, e pelo jeito, esse cara seria mais um desafio.

Agora eu só precisava mostrar que, apesar da aparência, eu era muito mais do que ele imaginava.

Arthur Lancaster me deixou sozinha com ele.

O homem que quase me atropelou com a grosseria, que me olhava como se eu fosse uma poeira indesejada no chão polido de seu império. O mesmo que, mais cedo, disse a frase mais repugnante que já ouvi de um ser humano.

A porta fechou atrás do velho Arthur, e o silêncio que se seguiu pareceu sufocar o ar da sala. O desejo de sair correndo me atravessou de corpo inteiro. Mas ali estava eu. Em pé. Descalça. Roupas amassadas. Cabelo bagunçado. E ainda assim… de cabeça erguida.

Theodoro me encarava com os olhos semicerrados, como se tentasse decifrar um enigma grotesco. Julgava cada detalhe meu com desprezo explícito.

— Senhor Lancaster, eu… — tentei começar.

Quieta. — interrompeu ele, seco, autoritário.

Levantou-se de trás da mesa, circulando ao meu redor como um leão entediado observando uma presa que não valia o esforço da caçada.

— O que ele viu em você?

— Talvez minha perseverança. E meu currículo — respondi, tentando manter o tom neutro.

Ele bufou, desdenhoso.

— E você tem um currículo?

Aquilo foi demais.

Engoli o constrangimento seco e deixei que a indignação tomasse seu lugar. Ele queria me diminuir, achava que só pela minha aparência eu era inútil. Mas eu não era. E não ia abaixar a cabeça.

— Sim, eu tenho um currículo. E não. Eu realmente acho que não é uma boa ideia trabalhar com um homem asqueroso e panaca como você.

Ele riu. Um riso curto, debochado, que pareceu ecoar pelos cantos da sala.

— Ótimo. Uma secretária com gênio. Vai ser divertido — disse ele, ainda com aquele sorriso cínico.

Estava prestes a devolver outra resposta atravessada quando o telefone da mesa dele tocou, interrompendo a tensão crescente. Ele olhou para o aparelho como se fosse uma bomba prestes a explodir.

— Atenda. — disse, olhando para mim.

— O quê?

— É o seu teste. Se você se sair bem, talvez eu considere te contratar.

Estava claro: ele odiava atender telefone. E estava desesperado por alguém que fizesse isso por ele. Aparentemente, a escassez de paciência dele era proporcional à sua arrogância.

— Tudo bem. — respondi, erguendo o queixo e caminhando até a mesa dele, ainda descalça.

Respirei fundo antes de atender.

— Boa tarde, escritório do senhor Theodoro Lancaster, com quem eu falo?

A voz do outro lado era rápida, aflita. Uma mulher pedia uma devolutiva sobre um contrato, queria saber se o documento tinha sido assinado, se poderia seguir com a próxima etapa do projeto. Dei dois passos para o lado, puxei um bloco de notas e uma caneta da gaveta à esquerda — quem sabe, sabe onde procurar — e anotei o nome da cliente, a empresa, o código do contrato, o assunto e o número para retorno.

— Perfeitamente, senhora Ana. Eu informarei ao senhor Lancaster assim que ele estiver disponível, e você receberá o retorno em breve. Posso te ajudar com mais alguma coisa?

A mulher respondeu que não. Eu me despedi com gentileza, desliguei com calma e deslizei o papel até a ponta da mesa, onde ele me observava em silêncio.

— Esteja aqui às oito horas. Sem atrasos — disse ele, após uma pausa. Seus olhos fizeram um último varrimento do meu visual. — E venha vestida decentemente. Precisa que eu providencie sapatos?

O sangue me subiu.

— Agradeço a preocupação, mas eu tenho sapatos, senhor Lancaster.

Minha voz estava carregada de sarcasmo e indignação em igual medida.

Virei de costas, a saia amassada esvoaçando contra as coxas enquanto eu saía da sala sem olhar para trás, o coração disparado, um milhão de pensamentos borbulhando.

Sim, ele era um nojo.

Sim, eu estava furiosa. Mas eu tinha a vaga.

E tinha muito mais a provar do que ele imaginava.

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