O som dos tambores ecoava pela aldeia, como batidas de um coração sombrio, marcando o compasso de um destino que Lysandra jamais desejou. As tochas iluminavam as tendas e o grande círculo cerimonial, onde todos aguardavam a união da herdeira da Lua Vermelha com Viktor, o Alfa da matilha rival.
Lysandra sentia as mãos trêmulas enquanto as criadas terminavam de ajeitar seu vestido vermelho-escuro, bordado com símbolos antigos que representavam a submissão da loba à aliança dos clãs. Cada ponto do tecido parecia pesar toneladas sobre sua pele.
Olhava-se no espelho e não reconhecia a jovem ali refletida.
Por dentro, seu peito ardia como se o próprio fogo da floresta quisesse romper suas costelas. Uma dor sem nome tomava conta dela, e a imagem de Viktor, com seu sorriso cruel e olhos de predador, voltava a cada instante, sufocando-a.
— Está na hora, minha filha — disse Helena, séria, entrando na tenda.
Lysandra ergueu os olhos, os dela marejados.
— Mãe… eu não posso — sua voz falhou, mas Helena não recuou.
— Você vai. Como sua mãe e alfa desta matilha, eu ordeno.
As palavras foram como uma lâmina atravessando seu peito.
Lysandra sentiu um calor subir pela espinha, a respiração falhar, e algo primitivo acordar dentro dela.
Quando os tambores cessaram e Viktor surgiu ao lado do altar cerimonial, todos se viraram para ver Lysandra ser conduzida até ele.
Mas antes que pudesse dar o primeiro passo, o mundo girou.
A dor atravessou seu corpo como uma tempestade, seus ossos estalando, a pele queimando, os olhos ardendo em dourado.
Gritos irromperam pela aldeia quando Lysandra caiu de joelhos, a respiração irregular, e em segundos sua forma começou a se contorcer, mudar, até que pelos acinzentados cobrissem seu corpo, e o uivo rasgasse a noite.
Ela se transformara — pela primeira vez, a loba dentro dela rompendo as correntes.
Sem esperar, disparou pela mata adentro, ignorando os gritos, os rostos apavorados e o chamado furioso de Viktor.
A floresta a recebeu como um refúgio sombrio, os galhos batendo contra sua pelagem, o chão frio sob as patas. Mas a dor não cessava. A dor do destino roubado, da liberdade negada, do amor proibido.
Ela correu, guiada pelo instinto, até que alcançou a clareira onde tantas vezes havia se encontrado com o lobo de olhos dourados.
E lá ele estava.
Aric.
A figura imponente da criatura surgiu sob a luz da lua cheia, os olhos encontrando os dela, cheios de uma fúria contida e de uma ternura que ninguém mais jamais lhe oferecera.
Lysandra cambaleou, a loba arfante e ferida.
Aric aproximou-se lentamente, seu focinho roçando o dela, um gesto de reconhecimento e cuidado.
E então, num lampejo de luz, o corpo do lobo começou a mudar, a se contorcer até revelar a figura de um homem alto, de cabelos escuros e olhos dourados, a pele marcada por cicatrizes antigas.
Lysandra recuou, atordoada.
— Não tenha medo — disse ele, a voz rouca, carregada de emoção. — Eu sou Aric… e esperei por você mais do que imaginei ser capaz.
Ela, mesmo na forma de loba, sentiu-se estranhamente em paz ao ouvi-lo.
Ele a tocou, os dedos deslizando pelos pelos dela com delicadeza.
— Você não precisa ser o que eles querem, Lysandra. Existe um outro caminho… comigo.
Ela uivou, a dor e o desejo se misturando, e, como se a lua lhe concedesse um instante de controle, sua forma começou a mudar também, voltando a ser mulher diante dele.
Ofegante, nua sob o luar, Lysandra encarou Aric.
E naquele instante, o mundo deixou de existir.
Ele a abraçou com força, como se temesse que ela desaparecesse, e seus lábios se encontraram num beijo desesperado e cheio de tudo o que havia sido negado.
As lágrimas escorriam pelo rosto dela.
— Por que… por que eu sinto que sempre te conheci? — sussurrou.
Aric a segurou pelo rosto.
— Porque você sempre pertenceu a mim. Em outras vidas. Em outras luas.
A clareira parecia vibrar com a energia antiga, e os dois se fundiram num abraço desesperado, dois corações marcados pela dor e pela sede de liberdade.
O uivo distante de Viktor ecoou na floresta.
Mas ali, sob o sangue da lua, Lysandra não era mais prometida a ninguém.
Era dona de si.
Dona daquele instante.
E, ao lado de Aric, encontrava pela primeira vez um refúgio real.