A madrugada caiu silenciosa sobre a aldeia da Lua Vermelha. As brasas das fogueiras jå se apagavam, e o frio começava a se infiltrar pelas frestas das tendas. Dentro da sua, Lysandra permanecia acordada, olhando para o teto de tecido, os pensamentos girando como um turbilhão sem fim.
O encontro com Viktor na clareira ainda ecoava em sua mente, a ameaça contida em suas palavras ressoando como um aviso sombrio. Mas o que mais a perturbava era o lobo â a criatura de olhos dourados que nĂŁo saĂa de sua cabeça, nem de seu coração.
Quem ele era? Por que parecia tão familiar e ao mesmo tempo tão distante? Ela sabia que não podia simplesmente ignorar aquela ligação crescente, como se algo os unisse muito além daquela noite.
Uma dĂșvida a consumia: como poderia reconciliar seu dever como futura alfa com o desejo intenso de liberdade e amor que sentia cada vez que encontrava aquela criatura selvagem?
Sem conseguir resistir, Lysandra se levantou silenciosamente e saiu da tenda, embrenhando-se na escuridĂŁo da floresta. O ar fresco da noite a envolveu, carregando o perfume das flores silvestres e da terra Ășmida.
Ela seguiu uma trilha que jå conhecia, com o coração batendo forte e os sentidos aguçados. Passos leves se aproximaram por trås, e ela não se surpreendeu ao ver o lobo surgir entre as årvores.
Ele estava ali, como se a esperasse, os olhos brilhando Ă luz da lua cheia.
Lysandra sorriu timidamente e sentou-se no musgo macio.
â Por que eu me sinto tĂŁo conectada a vocĂȘ? â perguntou, quase num sussurro.
O lobo inclinou a cabeça e, num gesto surpreendente, começou a dar pequenos passos na sua direção, atĂ© que seus olhos dourados encontraram os dela, profundos e cheios de uma tristeza indescritĂvel.
Ela tocou a pelagem ĂĄspera com delicadeza, sentindo um calor inesperado.
â Eu nĂŁo entendo essa ligação â continuou. â VocĂȘ Ă© um mistĂ©rio, um segredo que nĂŁo posso desvendar⊠e mesmo assim, sinto que dependo de vocĂȘ.
O silĂȘncio se fez presente entre os dois, como se a floresta ao redor tambĂ©m esperasse uma resposta.
De repente, uma voz rouca e firme quebrou a quietude.
â Talvez vocĂȘ jĂĄ conheça a resposta.
Lysandra se virou rapidamente, mas não viu ninguém.
O ar parecia pulsar, carregado de uma energia antiga.
O lobo se aproximou e rosnou suavemente, alertando para o perigo invisĂvel.
Ela se levantou, tensa, e sentiu um arrepio percorrer a espinha.
A floresta era cheia de segredos â e nem todos eram bons.
Nas noites seguintes, a presença do lobo tornou-se uma constante, e Lysandra sentia que o vĂnculo entre eles se fortalecia, apesar do mistĂ©rio que o envolvia.
Enquanto isso, a tensão entre a Lua Vermelha e a matilha rival aumentava. Viktor tornava-se cada vez mais implacåvel, enviando emissårios e preparando seus homens para a guerra, caso a aliança não fosse respeitada.
Lysandra se viu dividida entre dois mundos: o da polĂtica e do poder, que exigia sua submissĂŁo ao noivo, e o da liberdade e do amor, representado pelo lobo que falava sem palavras e a tocava sem palavras.
Uma noite, ao retornar da floresta, Lysandra encontrou sua mĂŁe esperando por ela, o olhar duro e preocupante.
â VocĂȘ estĂĄ brincando com fogo, filha â disse Helena. â Essa criatura pode ser sua ruĂna.
â Ele nĂŁo Ă© uma ameaça â respondeu Lysandra, determinada. â Ele Ă© parte de algo que eu preciso entender.
Helena suspirou, com tristeza.
â EntĂŁo vocĂȘ escolheu seu prĂłprio caminho. Mas saiba: o preço pode ser alto.
Lysandra sabia que aquela era uma guerra que iria além das matilhas. Era uma batalha pelo próprio coração e pela verdade oculta nas sombras da lua.
E enquanto a noite avançava, o lobo dourado uivou para o céu estrelado, convocando forças antigas que estavam prestes a despertar.