134. A linha que eu não deveria cruzar
Passei o resto da tarde fingindo que aquela folha não existia.
Abri o notebook.
Fechei.
Anotei ideias para o projeto editorial.
Rabisquei tudo.
Tentei ouvir música.
Troquei por silêncio.
Tentei silêncio.
Corri para a música.
Nada funcionava.
Cada vez que eu tentava mergulhar em algo que fosse meu, uma parte de mim puxava de volta para o mesmo ponto: 21h.
Eu odiava isso. A sensação de estar reagindo a alguém. De ajustar meu ritmo ao passo de outra pessoa. De não ser totalmente minha. E, ainda assim, era impossível ignorar. O convite — ordem? — do Dante latejava mais forte do que qualquer lógica.
Às sete da noite, eu decidi que não iria.
Tomei banho.
Vesti um moletom.
Prendi o cabelo numa trança displicente.
Me olhei no espelho.
“Pronto. Isso parece a roupa de alguém que não vai.”
Desci para comprar algo para comer. A rua estava tranquila; a cidade parecia respirar numa cadência mais lenta. Não sei se era o contraste com a minha cabeça acelerada ou pura coincidência.