Ao completar 21 anos, Maeve Morwen não ganhou uma festa de aniversário — ganhou um contrato de escravidão. Filha de uma das linhagens bruxas mais temidas da história, ela foi vendida a um herdeiro bilionário como parte de um antigo ritual de submissão que aprisiona todas as mulheres do seu coven. Mas Asher Caldwell não queria uma bruxa. E muito menos uma cativa. Para protegê-la, ele lhe dá liberdade. Para sobreviver, ela aceita fingir. Mas há uma maldição antiga correndo nas veias de Maeve — e o sangue que selou seu contrato pode ser o mesmo que quebrará as correntes de todas as bruxas. Entre desejo e desconfiança, magia e traição, Maeve e Asher descobrirão que até o amor tem um preço... e que nem toda libertação vem sem sacrifício.
Ler maisMaeve engoliu um gemido de dor quando a agulha perfurou a pele do seu dedo indicador, fazendo brotar sangue. Odiava sangue, mas não era por isso que sentia um embrulho no estômago ao ver as gotas pingarem sobre o papel do contrato. Aquela assinatura selava o fim da sua liberdade.
Mais cedo, ela saíra do pequeno apartamento que dividia com Liv perto do campus da faculdade e pensara em fugir. Podia tomar um ônibus na rodoviária e sumir em outra cidade, outro estado. Mas de que adiantaria? Todos sabiam qual era o preço a pagar por tentar escapar do destino reservado às bruxas do seu coven.
“Obedeça ou enlouqueça.”
Era assim que funcionava. Não havia escapatória, não havia misericórdia. Ao completar vinte e um anos, cada bruxa do coven era vendida. Como gado. Como arma. Como maldição disfarçada de dom.
Então, Maeve foi até o aeroporto de Boston e embarcou no voo para Austin que havia sido reservado para ela há duas semanas.
Conforme o papel absorvia o sangue, a pele de Maeve começou a esquentar ao redor dos pulsos, até que ardeu como se estivesse em brasa. Não havia fogo ali, mas as marcas de queimadura surgiram nos pulsos da bruxa, no formato de braceletes. Eram o símbolo da submissão, uma resposta à magia do contrato que ela assinara.
Do outro lado da mesa, seu comprador a encarava.
Maeve já tinha ouvido falar de Edgar Caldwell, o magnata do petróleo, dono de metade das terras do Texas e da Dakota e de quase todos os senadores do sul. Alto, grisalho, com olhos de aço. Ele vestia um terno escuro e um sorriso cruel. Ao lado dele, o jovem de terno cinza parecia feito de outra matéria.
Edgard deslizou o papel para o filho Asher Caldwell. Vinte e quatro anos, formado em Ciências Políticas pela Georgetown, herdeiro do império e recém-saído da faculdade. Fisicamente, ele se parecia com o pai, os ombros largos e a postura elegante, mas o cabelo ainda era escuro e, ao invés do aço, seus olhos transpareciam uma tempestade contida.
— Ela é sua. Só precisa assinar.
Maeve mantinha o queixo erguido.
Asher ignorou o papel e a garota e se virou para o pai.
— Minha? — perguntou, a voz transparecendo algo que tanto poderia ser indignação quanto incredulidade.
— Seu presente de formatura. A bruxa mais cara do leilão este ano. E toda sua.
— Ela é uma Morwen — uma das bruxas guardiãs complementou, como se a mera menção ao seu sobrenome explicasse o preço que Edgard pagara por ela.
Maeve Morwen, filha de Liliana Morwen, a bruxa que ajudara a eleger um dos presidentes do país. Mas Asher Caldwell não parecia ligar para isso. Ele a encarou em silêncio.
Maeve teve vontade de se levantar e sair correndo daquela sala, mas antes que seus músculos começassem a se mover, as queimaduras em seus pulsos voltaram a arder. O feitiço que a vinculava ao contrato sentiu sua intenção e a puniu de imediato. Uma dor súbita atravessou sua cabeça, como se milhares de vozes gritassem ao mesmo tempo dentro dela.
Ela cerrou as pálpebras e respirou fundo, usando toda a sua energia para se manter no mesmo lugar. Quando abriu os olhos, Asher ainda a encarava. Ele não parecia entusiasmado. Nem sequer curioso.
— Eu não pedi isso — disse ele, finalmente.
— Não importa o que você pediu. Importa o que você precisa. E você precisa entender que, neste mundo, informação é poder. Com ela, você vai saber quem mentiu, quem traiu, quem deve morrer.
Maeve prendeu a respiração. Ela sabia que devia se sujeitar ao seu comprador, mas ainda não tinha lhe ocorrido que isso poderia resultar na morte de alguém. Asher, por outro lado, não parecia surpreso com a linha de raciocínio do pai. A bruxa não conseguia ler os pensamentos do rapaz sem o tocar. O feitiço que dominava as bruxas do seu coven bloqueava tudo. Mas ela sentia algo. Um eco distante no peito. Uma vibração. Algo no rapaz. Algo quebrado.
— Você concorda com isso? — Asher perguntou.
Maeve hesitou. Uma parte dela queria negar, mas os braceletes invisíveis queimaram de novo, e a dor se acendeu na base da sua nuca. Ela sabia o que aconteceria caso se recusasse a se submeter.
— Eu não assinei? — questionou, com o pouco de dignidade que ainda lhe restava.
Asher franziu a testa.
— Isso não está certo.
— Claro que está — rebateu Edgar. — Ela assinou o contrato e está vinculada. Só precisa do seu sangue no papel para ativar o vínculo. O seu ou de qualquer outro. Se está tão preocupado assim com a bruxa, espere até descobrir de quem era o segundo maior lance no leilão. Você sabe como funciona.
Ele estendeu a agulha para o filho. Asher não a pegou.
— Eu não sou como você, pai.
— Você diz isso porque tem tudo de mão beijada e pode se dar ao luxo de bancar o bom moço. Quero ver essa sua moralidade se manter quando eu não estiver aqui pra salvar seu rabo.
O silêncio que se seguiu foi tão denso que parecia uma parede.
Maeve os observava como quem observa de dentro de uma jaula. Ela era o prêmio de um jogo de poder entre dois homens que não a conheciam. Não a viam. E, mesmo assim, Asher não pegou a agulha. Não ativou o vínculo.
Edgar bufou, atirou a agulha sobre a mesa e se levantou.
— Leve-a daqui — ordenou à bruxa guardiã. — O senador Thorne pode ficar com ela, se o imbecil do meu filho não a quer.
Os olhos de Asher se arregalaram ao ouvir o nome de Thorne.
— Não! — ele protestou. — Eu assino essa porcaria.
Antes que alguém pudesse dizer qualquer coisa, o rapaz pegou a agulha e marcou o papel com seu sangue.
Por um instante, Maeve achou que podia ouvir o coração de Asher batendo do outro lado da sala, como se o seu próprio coração estivesse se sintonizando ao ritmo do dele. As marcas nos pulsos da bruxa ganharam cor e brilharam em um tom de dourado, que aos poucos se atenuou até que houvesse apenas uma linha fina contornando seus braços, como uma tatuagem delicada.
— Está feito — a bruxa guardiã declarou.
Todos se levantaram, menos Maeve. Seu peito pesava tanto de tristeza que ela achou que não conseguiria se erguer da cadeira. A bruxa guardiã guardou o contrato em uma pasta e saiu da sala com Edgard. Asher andou até Maeve e parou à sua frente, as mãos nos bolsos da calça. Ela não ousava encará-lo.
— Eu não vou te machucar.
Ela arqueou uma sobrancelha e levantou finalmente o olhar.
— Você já me machucou.
A vergonha cruzou o rosto do rapaz. Asher tentou sustentar o olhar da bruxa, mas não conseguiu. Desistindo, ele se virou, caminhou até a porta e disse apenas:
— Venha.
Maeve hesitou e, mais uma vez, a dor gritou em sua mente, como um prego atravessando as têmporas.
Ela não tinha escolha. Pelo menos não quanto a segui-lo. Faria isso, mas não se daria por vencida. Asher agora era dono dos seus atos, mas nunca seria dono das suas vontades.
Maeve se levantou e caminhou atrás dele, com passos firmes e os punhos cerrados. Não por medo. Não por submissão. Mas porque algo nela sussurrava que aquilo não era o fim — era o começo.
E toda bruxa sabia: começos exigiam sangue.
Maeve se olhou no espelho uma última vez. Ainda estava se acostumando com as mudanças no seu corpo desde a gravidez e achava difícil saber se uma roupa ficaria boa antes de experimentar. Esse vestido, pelo menos, ela experimentara dezenas de vezes.Feito sob medida em seda verde-escura, a peça contornava suas curvas com suavidade e elegância. Com um pouco de tristeza, ela pensou que seria algo que Liliana gostaria de ter usado. Era mesmo muito bonito, e ela parecia séria e imponente com ele — como sua mãe havia sido.Suspirando, ela levou a mão ao pescoço, onde um colar de diamantes repousava. Foi um presente de Edgard, por ocasião do nascimento da neta. O homem faria tudo pela menina, até mesmo aceitar uma bruxa como nora. No dedo anular, a aliança de casamento de Maeve quase desaparecia perto da ostentação do colar. Era um solitário simples que Asher comprara com o primeiro salário como jornalista do The Washington Post, e, para ela, era a joia mais valiosa do mundo.— Você está pron
Elena correu até Maeve, tentando ampará-la, e colocou a cabeça da jovem em seu colo. Maeve estava febril e gotas de suor brotavam de sua testa.— Maeve, querida — Elena sussurrou. — Acorde.Uma pequena mancha de sangue começou a tingir a neve branca sob os quadris da bruxa desacordada.— Maeve, meu bem — Elena insistiu.— Ela… está grávida?Amanda tinha se aproximado alguns passos.A primeira reação de Elena foi se preparar para lançar um feitiço de proteção, mas se lembrou de que nenhuma Sinclair poderia mais as atacar. Observando a expressão tensa no rosto da Alta Sacerdotisa do coven rival, ela se limitou a assentir.— Me deixe ajudar — Amanda disse, em um tom que parecia mais uma ordem do que um pedido.— Mãe?! — Samantha estava logo atrás dela, chocada com o que acabara de ouvir. — Você vai ajudá-la.Elena também não estava acreditando naquilo.— Cala a boca, Samantha. Você não entende como é perder um bebê. Depois podemos voltar a nos matar. Ou pelo menos tentar.Amanda se ajoel
Enquanto isso, em outra parte da floresta, o confronto entre as Altas Sacerdotisas dos dois covens continuava. Maeve Morwen e Amanda Sinclair chegavam à sua batalha final, assistidas por Elena e Samantha. As quatro entraram em combate, um balé feroz de magia, luzes e gritos. O céu parecia se curvar para assisti-las. As árvores estremeciam com cada explosão.Maeve e Elena estavam mais fortes agora, não só em poder, mas em propósito. Enquanto Amanda e Samantha usavam feitiços decorados, vazios, elas usavam a memória de todas as que haviam sofrido. Cada golpe mágico trazia consigo o grito de uma bruxa que fora calada. Ainda assim, as Sinclair eram oponentes à altura. Sua técnica e os anos que tiveram para aprimorar seus feitiços eram uma vantagem que as Morwen não tinham, se guiando pela intuição e por memórias de vidas passadas.Samantha, rápida como uma flecha lançada, tentou flanquear Elena. Um feitiço cortou o ar, atingindo-a de raspão, e Elena caiu de joelhos, ofegante.— Elena! — M
Asher ainda estava fraco e ficou para trás, com Edgard, que queria convencê-lo a esperar o fim do confronto à distância. Mas deixar as mulheres que amava lutarem sozinhas com certeza não estava nos planos do rapaz, então ele continuava avançando por entre as árvores, mesmo que devagar, os sons de tiros e explosões vindo de longe.— Sou perfeitamente capaz de empunhar uma arma — protestou, segurando o fuzil. Em uma bainha junto à calça, Asher levava o punhal de Orien, o mesmo que usara no ritual que quase custou sua vida.— Não estou dizendo pra você não lutar, estou dizendo que você pode atirar e ainda assim ficar de longe — Edgard falava em voz baixa, checando os arredores.— Não sou covarde, pai. Maeve está grávida e está lutando — Asher sussurrou.A notícia pegou Edgard de surpresa.— Grávida?— Sim.— E… é seu?— É claro que é, pai! — Asher respondeu, ofendido.Edgard ficou pensativo.— Bem, isso muda as coisas. Se for uma menina… minha neta não pode ser escravizada!Asher revirou
Samantha Sinclair atravessou o portal e aterrissou sobre a neve em alguma floresta da Virgínia. Ela odiava portais. Sempre caia de mau jeito na chegada. Olhando ao redor, viu algumas das suas subordinadas chegando. O brilho violeta da magia Sinclair coloria o branco do inverno. A presença das Morwen as atraíra até ali, como insetos ao redor de uma lâmpada.Ela sabia que deviam ter matado Maeve e Liliana quando tiveram a oportunidade. Sempre achou uma grande estupidez essa história de manter as bruxas rivais cativas. É claro que um dia elas encontrariam uma forma de escapar. Deviam ter acabado com essa possibilidade lá atrás, quando capturaram Layla.Se Samantha fosse a Alta Sacerdotisa, com certeza já teria dado um jeito nisso. Porém, tinha que obedecer às ordens da mãe. Mas Amanda não duraria para sempre…Ficando de pé, ela fez um sinal para as outras bruxas. O plano era avançar pela floresta em silêncio e emboscar as bruxas rivais no chalé. Se tivessem sorte, um único feitiço incend
Asher observava Maeve entre as bruxas. Havia algo de régio em sua postura. Mesmo que ela se visse como igual às outras, sua força se destacava no grupo, como um farol brilhando na escuridão. Embora ele estivesse feliz por ter sobrevivido, não se arrependia do que havia feito. Se sacrificaria mil vezes para que ela e a criança em seu ventre fossem livres.Andando com um pouco de dificuldade, ele desceu os degraus da varanda e foi até ela. Maeve se virou, como se intuísse sua presença. Um sorriso se abriu em seu rosto.— Você está de pé — ela disse.— Graças a você e Elena.Maeve foi até ele e o abraçou, afundando o rosto em seu peito.— Nunca mais faça isso. Eu mesma vou te matar se você fizer uma coisa dessas de novo.— Não se preocupe — ele riu e beijou o topo da cabeça dela. — Estou pretendendo viver bastante. Você vai ter muito o que me aturar.Ela o encarou. As visões estavam mais fortes agora que estava livre. Seus olhos enxergavam o rosto de Asher em outro tempo. Ele estava mais
Último capítulo