Capítulo 2: Farsa

Maeve seguiu Asher até a garagem do prédio onde funcionava a sede das empresas Caldwell. Ele andou até uma BMW luxuosa e abriu a porta para ela.

— Onde você mora? — ele perguntou.

— Em Boston.

Asher ficou imóvel, ainda com a mão na porta do carro.

— Acho que é um pouco longe para uma carona.

— Supostamente, eu deveria morar com você a partir de agora.

— Eu sei como funciona. Não tenho nenhuma intenção de te obrigar a morar comigo. Ou de te usar de qualquer forma. Você pode voltar pra Boston e continuar a fazer o que quer que você estivesse fazendo lá, rituais, feitiços, essas coisas.

— Eu estudo em Harvard. Ciência Política.

Asher arqueou a sobrancelha, espantado.

— Isso explica — disse ele, suspirando.

— O quê?

— Meu pai ter escolhido você. Quer dizer, além de ser filha de uma Morwen. Harvard, Ciência Política, sua aparência. Cérebro, poder e um belo rosto. Ele quer que eu siga uma carreira política e deve ter te imaginado como um bom acessório ao meu lado.

— Seu pai tem mais cara de quem repararia no meu traseiro do que no meu rosto.

Não era intenção de Maeve fazer piada ou confraternizar com seu comprador, mas Asher riu.

— Sim, essa é uma boa definição dos interesses de Edgard Caldwell.

O rapaz bateu a porta do carro e se apoiou na lataria, cruzando os braços e olhando Maeve de cima a baixo, como se só agora estivesse notando-a de verdade.

— E você? — ela perguntou. — Se interessa pelo quê?

— Jornalismo. Basquete. E mulheres independentes. Não tenho nenhum interesse em ter uma escrava mágica, não se preocupe.

Maeve trocou o peso do corpo de um pé para o outro, receosa demais para acreditar que aquilo fosse verdade.

— Bem, não é como se você tivesse escolha. O contrato está assinado. Nenhum dos covens vai permitir que eu fuja das minhas obrigações.

— O que acontece se você fugir?

A bruxa baixou os olhos e encarou os pés em suas botas favoritas, as que escolhera para usar em seus últimos momentos de liberdade.

— Qualquer uma de nós enlouquece se não se vincular a um contrato. E sente dor se não obedecer ao mestre.

— E se eu ordenar que você vá para Boston terminar sua faculdade? Você não tem que ir?

Maeve encarou Asher novamente. Ele parecia estar falando sério.

— Sim, o contrato me obriga.

— Então, Maeve Morwen, eu, seu mestre, Asher Caldwell, estou te mandando entrar num avião e voltar pra Boston, onde você vai terminar sua faculdade e viver sua vida, enquanto eu tento convencer meu pai a me deixar ser jornalista em paz.

A fina linha dourada ao redor dos pulsos de Maeve brilhou e se aqueceu, mas não houve nenhuma sensação de ardência ou dor. Aquela era uma ordem que ela queria cumprir.

— Simples assim?

— Simples assim.

Asher estendeu a mão para ela, para selar o acordo travestido de ordem. Maeve não conseguia acreditar. Era fácil demais. Mas era tudo o que ela queria. Sem pensar, ela deixou que a mão dele envolvesse a sua.

“… ela parece uma garota normal. Nada disso faz sentido. Não consigo imaginar as coisas que meu pai faz com a bruxa dele. Ele é um pervertido. Será que vai mandar matar Maeve se eu não a aceitar? Preciso convencê-lo de que é útil que ela se forme, pelo menos ganhar tempo para ela.

Os pensamentos do rapaz invadiram a mente de Maeve como uma corrente elétrica, e ela puxou a mão assustada.

— O que foi? Você está bem? — Asher deu um passo em sua direção.

— Não! Não me toque!

Ele recuou e levantou as mãos em sinal de rendição.

— Não vou te tocar. Estou tentando te ajudar.

— Eu… só me assustei. Esqueci que agora posso ler sua mente.

— Você leu minha mente? — Agora era ele quem parecia assustado.

— Só um pouco, foi muito rápido. Não tinha acontecido ainda, eu não estava esperando.

— Como assim? Você já não tinha esse poder antes?

— Não — ela explicou. — Nós não temos poderes antes dos 21 anos. Por isso o contrato tinha que ser assinado hoje.

— Hoje é seu aniversário?

Maeve assentiu com a cabeça.

— Sim. E parece que me tornar sua escrava é o meu presente.

Asher colocou as mãos sobre o rosto, como se sentisse dor. Ou talvez fosse só vergonha.

— Porra, Maeve! — ele murmurou. — Eu quero isso tanto quanto você.

Ele parecia desolado. Maeve estendeu a mão e, com cuidado desta vez, tocou o ombro dele. O tecido do paletó parecia funcionar como um isolante, porque desta vez ela não ouviu nada.

— Eu acho… que acredito em você.

Asher tirou as mãos do rosto e a encarou.

— Me diga que você não está lendo meus pensamentos agora.

— Não. — Ela riu. — Eu preciso tocar na sua pele.

— É assim que vocês descobrem os segredos dos outros?

— É. É o único poder que as bruxas do meu coven têm permissão para ter.

— Como assim?

— Ah, é uma longa história! — Maeve suspirou. — Escuta, você acha mesmo que seu pai vai tentar me matar?

— Talvez. Ele sempre foi cruel quando tentou me ensinar alguma lição. — Asher foi honesto. Não havia sentido em mentir para uma bruxa cujo único poder era ler seus pensamentos.

— Não é melhor a gente fingir então? A gente se encontra de vez em quando e você me dá umas ordens aleatórias na frente dele, só pra parecer que está tudo certo.

— Acho que sim. É uma boa ideia.

Então as coisas seriam assim. Maeve se permitiu pensar no apartamento em Boston, nos vasos de manjericão que estavam na janela e que com certeza não sobreviveriam ao inverno, mas que enchiam a cozinha de um cheiro que ela amava — lar.

— Pode me dar uma carona pro aeroporto? E pagar minha passagem de volta?

— Você não tem dinheiro?

— Sou bolsista e trabalho um turno num café, e o coven acha que sou sua responsabilidade a partir de agora. Não tenho um centavo. E você é rico, não é?

Asher abriu a porta do carro para ela.

— Eu preciso te pagar um salário ou algo assim?

— Claro, Asher. Estava lá no contrato de escravidão que você selou com seu sangue. Plano de saúde também — Maeve brincou enquanto colocava o cinto de segurança.

— Estou falando sério. Você precisa que eu te mande dinheiro?

— Não, eu consigo me virar com meu salário. Quer dizer, se não fui demitida depois de faltar hoje.

Asher fechou a porta e deu a volta no carro, sentando-se no banco do motorista. Enquanto Maeve conferia algo em seu celular, ele observou o perfil dela. Era mesmo muito bonita, o rosto delicado, o cabelo castanho-avermelhado caindo pelos ombros em ondas, o corpo com as curvas bem-feitas. Elegante e feminina, como a esposa de um político deveria ser — pelo menos era isso que seu pai pensava. Um diploma de Harvard, poderes mágicos e um contrato de submissão. O que mais um homem poderia querer?

— Eu quero saber o que você está pensando agora? — Maeve questionou, os olhos ainda no celular.

— Estou pensando no melhor caminho para o aeroporto.

— Sei. Asher. — Ela se virou para ele. — Seu pai tem uma bruxa?

— Aham.

O motor do carro vibrou quando ele apertou o botão para ligá-lo.

— Você precisa tomar cuidado com ela, se vai mentir para ele.

— Elena nunca me faria mal. Ela é quase uma mãe pra mim.

— Ah, ela faria. Acredite em mim, Asher. Ela faria qualquer coisa que seu pai ordenasse, mesmo te amando.

— Você está exagerando.

Eles saíram da garagem e entraram no trânsito de Austin.

Maeve deixou os olhos se perderem nas luzes do tráfego. Asher não entendia ainda a natureza do contrato. Uma bruxa subjugada com sangue faria qualquer coisa que seu mestre ordenasse. Qualquer coisa. Até matar.

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