Capítulo 3: Laços de sangue

O vento frio soprava por Beacon Hill e queimava as bochechas de Maeve, anunciando o inverno. Ela caminhou pela rua silenciosa até o casarão centenário onde nascera, uma mansão de tijolos aparentes na fachada, janelas com molduras negras, e um símbolo antigo entalhado no batente da porta de madeira: uma runa de dominação. Aqueles eram os domínios de Horace Whitmore, ex-presidente do país e mestre de Liliana Morwen.

Maeve tirou as mãos enluvadas dos bolsos do casaco e tocou a campainha, resistindo à tentação de tentar destruir o símbolo com as próprias unhas.

O mordomo a recebeu no hall de entrada e foi inevitável para ela notar o contraste com o apartamento que dividia com Liv, onde mantinham a calefação desligada sempre que possível para economizar.

— Boa tarde, John.

— Sua mãe está aguardando na biblioteca — ele informou, sem a cumprimentar. Sempre podia contar com a recepção calorosa dele.

— E Horace? — Nunca teve autorização para chamá-lo de pai, e nem o via dessa forma.

— Não está em casa.

Maeve assentiu enquanto despia o casaco e as luvas. John voltou aos seus afazeres e deixou que ela encontrasse o caminho sozinha, o que não era nenhum desafio. A jovem bruxa vivera naquela casa até os sete anos, quando foi enviada para o internato.

Liliana Morwen estava de pé, parada em frente à lareira, os pensamentos perdidos no fogo. Ela estava exatamente como Maeve se lembrava — ou talvez mais imponente. O vestido vinho caía com perfeição sobre o corpo alto, o cabelo escuro preso em um coque severo. Parecia fazer parte do cômodo, que exalava elegância antiga, com livros empilhados em mesas de mármore e tapeçarias que contavam histórias esquecidas. A biblioteca sempre fora o reduto da mãe naquela casa, mas havia algo ali que lembrava Maeve de onde estavam. No batente da porta havia uma runa entalhada na madeira, exatamente igual à da porta de entrada da mansão.

— Ele ainda controla este lugar? — Maeve perguntou, os olhos fixos no símbolo.

Liliana seguiu seu olhar e deu de ombros.

— Cada centímetro.

As runas haviam sido gravadas por uma bruxa guardiã uma semana antes de Maeve ser enviada ao internato, quando Horace descobriu que Liliana tinha um plano para esconder a filha do coven que controlava as escravizadas. Não que fosse adiantar muito, já que a menina eventualmente faria 21 anos e enlouqueceria se não assinasse um contrato de submissão.

Desde então, além do domínio que já exercia sobre Liliana, Horace passara a controlar a casa como uma extensão de si mesmo. Ele sabia tudo o que se passava no local, quem havia visitado, quem entrara e saíra, e se alguém havia conspirado contra ele. Maeve se perguntou se ele conseguira gravar as mesmas runas nas portas da Casa Branca, no período em que esteve lá.

Liliana tocou um colar em seu pescoço, uma corrente delicada de prata com um pingente escuro, uma pedra negra e opaca que pareceu pulsar de leve quando Maeve a observou. Não se lembrava de ter visto a mãe usando aquela joia antes.

— Soube que você assinou o contrato.

— Assinei. Você não parece surpresa.

Liliana sentou-se em uma das poltronas em frente à lareira e fez sinal para que Maeve fizesse o mesmo.

— Eu ficaria surpresa se você não tivesse assinado. Nenhuma de nós é livre, nem mesmo a filha de um presidente.

— Horace não é meu pai — Maeve retrucou. — Nem seu marido.

Liliana abanou a mão no ar como se afastasse o comentário da filha, indicando que aquilo era bobagem.

— Ele está velho agora. E confia em mim. Ele não tem motivos para me trancar outra vez.

— A confiança é só outra forma de corrente, mãe.

Os olhos da mulher mais velha, do mesmo tom de âmbar que os da filha, pareciam agora tão opacos quanto a pedra em seu colar.

— Algumas palavras só servem para machucar, Maeve. Às vezes é melhor não dizer nada. — Essa era a tática de Liliana desde que fracassara em seu plano de salvar a filha: o silêncio, o afastamento. — Então, me conte. Quem é seu mestre?

Uma parte de Maeve agradeceu pela mudança de assunto.

— Asher Caldwell, filho de um magnata do petróleo. O pai parece achar que as mulheres Morwen têm alguma magia especial pra eleger candidatos. Parece que foi por isso que me escolheu, mas o filho não está interessado, só assinou o contrato para agradar ao pai. Me mandou de volta pra casa e me deixou livre.

Liliana levantou uma sobrancelha, cética.

— Ninguém assina um contrato mágico por capricho.

— Ele me deu uma ordem. Para eu voltar. Só isso. Eu sou… livre.

Silêncio.

— Você não é livre, Maeve. Nenhuma de nós é — repetiu Liliana.

Maeve fechou as mãos, uma onda de raiva tomando seu corpo.

— Você sabia disso tudo. E mesmo assim me deixou chegar aos vinte e um.

Liliana tomou um gole de chá, inabalada. A mãe encarou a filha por alguns segundos, depois se levantou e foi até uma estante.

— Eu soube que você era uma menina assim que desconfiei que estava grávida. Pensei em fazer um aborto antes que Horace descobrisse. Sabia que ele iria te entregar para o coven, mesmo sendo seu pai — Liliana parecia procurar algo entre os livros antigos.

— Ele não é meu pai — Maeve insistiu, sendo ignorada pela mãe.

— Mas não consegui — Liliana continuou. — Eu fui egoísta e quis você. Mas não foi só isso.

A bruxa mais velha encontrou o que estava procurando e puxou um livro de capa de couro preta da estante. O couro estava desgastado, como se, além de antigo, tivesse sido muito manuseado.

Liliana voltou para sua poltrona e abriu o pesado volume, folheando até encontrar a figura de uma árvore genealógica feita à mão.

— Isso faz muito tempo. A guerra dos covens. Nós perdemos. Nossa Alta Sacerdotisa foi capturada e seu coração usado em um feitiço para subjugar todos nós.

— Onde você quer chegar? Todo mundo sabe disso.

— Sim. Todo mundo sabe dessa parte.

Liliana ainda encarava o livro. Maeve esticou o pescoço para ver o que prendia a atenção da mãe. Um nome estava circulado no papel — Morgana Morwen.

— A irmã mais nova da sua tataravó — Liliana explicou. — Ela estava com a Alta Sacerdotisa durante a captura. Lutou até o final. E quando percebeu que cairíamos, entregou a própria vida e o destino da nossa linhagem em troca de uma saída.

— Uma saída?

A mãe finalmente a encarou.

— Uma maldição. Uma maldição para quebrar o feitiço. Uma maldição que só pode se concretizar através de uma Morwen, minha filha. É por isso que você está aqui. É por isso que precisei te deixar nascer.

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