Enquanto o luxuoso carro preto deslizava pela noite de Washington, Maeve assistia aos prédios passarem pela janela sem dizer uma palavra, sentindo que estava sendo levada ao próprio funeral. Ela nunca gostou da cidade, e agora o lugar parecia mais cruel ainda.
Asher também não dizia nada. Os dois estavam separados por mais do que alguns centímetros no banco traseiro. A distância entre eles agora era feita de ordens, silêncio e feridas.
O motorista parou diante de um edifício de fachada espelhada, elegante e discreto, no coração da cidade. O porteiro os aguardava com uma chave e um sorriso treinado. Maeve não retribuiu.
— Último andar — informou o funcionário, entregando o cartão de acesso.
Subiram sem trocar olhares. O elevador era silencioso, como tudo o mais.
O apartamento parecia saído de uma revista: pé-direito alto, janelas que se estendiam do chão ao teto, móveis de design assinado. Mas era impessoal demais. Tudo tinha sido escolhido por algum assistente para acomodar algum executivo em suas breves passagens pela cidade. Não era um lar. A cozinha americana brilhava como se nunca tivesse sido usada. E havia algo estranho no lugar, algo que lembrava a Maeve a sensação de estar sendo observada.
Ela caminhou devagar pela sala, os olhos percorrendo cada canto. Sabia reconhecer uma jaula quando via uma.
— Esse apartamento pertence ao seu pai? — perguntou.
— Sim. — Asher respondeu distraído enquanto carregava as malas deles para dentro. — A empresa tem alguns apartamentos neste prédio.
Maeve seguiu pelo corredor até o único quarto. Havia uma cama de casal ampla, perfeitamente arrumada, com lençóis de linho e almofadas em excesso. Uma suíte luxuosa. Um armário com roupas novas — todas do tamanho dela.
Maeve não precisou dizer nada. Asher apareceu atrás dela na porta, o rosto tenso.
— Foi ideia do meu pai. E sim, ele quer exatamente o que você está pensando.
Maeve respirou fundo, controlando o enjoo que aquilo lhe causava.
— Você vai me obrigar a dormir com você também?
— Não! Nunca! — Asher declarou indignado.
Ela se virou, encarando-o.
— Tem certeza?
— Você sabe que tenho.
— Sei? — Ela cruzou os braços. — Porque da última vez que tive certeza de algo, estava em Boston, livre, e você me obrigou a vir até aqui com uma ordem.
Asher cerrou os punhos.
— Eu dei aquela ordem para te proteger. Meu pai ia te vender, Maeve. Para o Thorne.
— E você achou que virar assessor de imprensa dele era uma boa solução?
— Eu achei que, me aproximando dele, eu poderia impedir que ele chegasse perto de você. Eu achei que, fazendo parte do jogo, eu poderia ganhar tempo.
— E você realmente acha que pode ganhar esse jogo?
— Eu entrei nele por sua causa. — A voz de Asher soou baixa, mas firme. — Eu não sou seu inimigo, Maeve.
O silêncio que se seguiu foi mais alto do que qualquer grito. Maeve desviou o olhar e voltou para a sala, onde pousou a bolsa sobre o sofá. Precisava respirar.
A noite já havia engolido as luzes da cidade. Maeve caminhou até a varanda envidraçada. Era pequena, fechada, com vista para os monumentos iluminados de Washington. Ela se sentou em uma das poltronas e, inclinando-se para a frente até encostar a testa no vidro, observou os pontos brilhantes, como se pudesse entender aquele lugar de fora.
A cidade parecia feita de algo inumano. A capital do poder. Da política. Das traições.
Sua respiração se condensava no vidro. Ela fechou os olhos, tentando ouvir o próprio coração. Não sabia mais se ele ainda batia no seu ritmo, ou se seguia o de Asher. Nem isso ela tinha mais — o ritmo do próprio coração.
Quando se afastou, preparando-se para se levantar e voltar para a sala, algo a fez parar. O reflexo no vidro. Era ela. Mas não era.
Maeve se viu naquele espelho improvisado — as mesmas roupas, o mesmo corpo. Mas os traços no rosto não eram os seus. O nariz era mais reto. Seu olhar, mais escuro. Mais profundo. E havia algo em seu pescoço.
Um colar.
A pedra no pingente era negra, opaca, presa a uma corrente de prata. Igual à que Liliana usava. Igual à que brilhava no punhal em seu sonho.
Ela piscou.
A imagem sumiu.
Seu reflexo era só seu de novo. A pele pálida. Os olhos cansados. O pescoço nu.
Maeve recuou um passo, o coração acelerado.
Estava vendo coisas?
Ela voltou para dentro. Asher estava sentado no sofá, o notebook no colo, olhando um documento aberto com uma expressão dura.
— Temos um compromisso amanhã — ele disse sem levantar os olhos. — Uma festa, organizada por Thorne. Políticos, doadores, imprensa. Ninguém lá sabe da existência de bruxas. Oficialmente, você é minha assistente. Extraoficialmente… você sabe o que esperam de você.
— Você quer que eu use meu poder?
— Thorne quer. Ele quer segredos. Nomes. Fraquezas. Qualquer coisa que possa ser usada.
Maeve cruzou os braços, a garganta seca.
— E você?
Asher fechou o notebook e enfim a encarou.
— Eu quero que você sobreviva.