Maeve olhou para suas mãos, mas não as reconheceu. Em uma delas, um punhal de prata brilhava. Em seu cabo estava encrustada uma pedra negra, opaca como a do colar de Liliana.
— Do sangue dos traidores virá a traição, e aqueles que hoje ferem serão feridos. Quando um deles libertar uma de nós, com sangue, o feitiço será partido.
Ela ouviu as palavras saírem de sua garganta, mas aquela não era sua voz. Então, guiou o punhal até o pescoço, sabendo exatamente onde pulsava a veia jugular. Ela quis parar as mãos, mas não as controlava. Sentiu a lâmina cortar a pele e a carne, a dor irradiando, o pânico tomando conta de si, mas continuou.
Sua voz, a que realmente era sua, irrompeu da garganta em um grito. Maeve estava em seu quarto, encarando as mãos que conhecia desde criança. Tateou o pescoço em busca do corte, mas só sentiu o suor frio que recobria sua pele. Estivera sonhando.
Não era de se espantar. O que a mãe lhe contara no dia anterior não saíra da sua mente. Morgana Morwen se sacrificara, lançando uma maldição contra os membros do coven vencedor. Uma maldição capaz de quebrar o feitiço que subjugava todas elas.
Maeve dormiu pensando nas palavras enigmáticas que sua mãe lhe mostrou, as palavras supostamente ditas por Morgana ao morrer, e por isso sonhou com elas.
A primeira parte era confusa. “Do sangue dos traidores virá a traição, e aqueles que hoje ferem serão feridos.” Maeve imaginava que alguém do coven vencedor os trairia e ajudaria as escravizadas a quebrarem o feitiço. Mas quem? E quando?
Liliana e suas ancestrais haviam esperado por esse momento por toda a sua vida e ele não chegara. Será que o mesmo aconteceria a Maeve? Viveria escravizada, torcendo para que suas filhas e netas se libertassem?
“Quando um deles libertar uma de nós, com sangue o feitiço será partido.” Uma delas, uma das Morwen, seria libertada e isso quebraria o feitiço. Mas qual delas? Asher a deixara livre, de certa forma, mas Asher não fazia parte de nenhum coven, era só mais um bilionário comprando todas as coisas que o dinheiro podia pagar.
Maeve pegou o celular para checar as horas e viu que faltavam só dez minutos para seu despertador tocar. Ela teria aulas pela manhã e depois faria um turno duplo no café, para tentar compensar suas faltas. Seria um dia cheio e ela resolveu se levantar logo e tomar um banho para se refrescar do suor dos pesadelos.
A bruxa ligou o chuveiro e esperava a água esquentar, quando o interfone tocou. Quem poderia ser àquela hora? Liv estava dormindo, com certeza. Nada a arrancaria da cama tão cedo, e ela tinha a própria chave.
Maeve andou até a cozinha, deixando o chuveiro ligado, e atendeu o aparelho.
— Oi?
— Maeve. Sou eu. Asher.
— Asher? O que… está tudo bem?
— Sim. E não. Estou congelando aqui. Posso subir? Preciso falar com você.
— Tá.
Ela apertou o botão para liberar a entrada dele no prédio e foi até a porta do apartamento, abrindo-a. Só então se deu conta de que estava só de camiseta, calcinha e meias. Pensou em voltar para o quarto e vestir algo, mas era tarde demais. Um Asher ofegante chegara à porta, depois de subir correndo a escada até o terceiro andar.
Ele a olhou de cima abaixo e pareceu tão constrangido quanto ela, corando até as raízes do cabelo.
— Desculpa. Eu não sabia como te dizer ao telefone.
— O que aconteceu?
Maeve decidiu ignorar a nudez de suas pernas e fez sinal para o rapaz entrar.
— Meu pai aconteceu. — Asher passou por ela e entrou na pequena sala da residência, olhando ao redor, mas sem se fixar em nada. Por fim, voltou-se para ela. — Eu preciso que você volte comigo. Para Austin.
As palavras chegaram aos ouvidos de Maeve, mas não fizeram nenhum sentido.
— Voltar com você?
— Sim. Eu preciso que… você seja minha bruxa.
Asher olhou para os pés, sem coragem de encará-la.
Maeve sentiu os olhos começarem a queimar antes mesmo de entender o que ele estava lhe pedindo. Um bolo se formou em sua garganta e foi difícil conseguir falar.
— Isso é uma ordem?
Lágrimas começaram a correr pela sua face, e as palavras de sua mãe vieram à sua mente. “Nenhuma de nós é livre”. Asher a enganara. Prometeu que ela poderia continuar com sua vida, e ela acreditara.
— Não é uma ordem. É um pedido — ele argumentou.
— Por quê?
— Porque, se você não vier, meu pai vai te vender. Ele vai te usar pra me atingir.
— Mas… ele não pode me vender, Asher! Eu sou sua!
— Diga isso para ele e para as bruxas que te entregaram.
Maeve ergueu as mãos e as levou ao rosto. Aquilo não podia estar acontecendo. Ela se permitira ter esperança, e agora estava tudo acabado. Asher tocou seu braço e ela deu um passo para trás, se afastando.
— Eu… eu vou ser bom, Maeve. Eu juro.
Ela o encarou, o ódio inundando lentamente seu coração. Ela conhecia essa história bem demais. Fora assim com a mãe dela, e agora Liliana era prisioneira em uma gaiola de ouro.
— Eu não vou — ela se ouviu dizer.
Asher baixou os olhos e suspirou.
— Por favor, não faça isso — o rapaz pediu.
— Eu não vou!
— Você me deixa sem escolha então. — Asher a encarou, os olhos de aço do pai em seu rosto. — Você vai pra Austin comigo e será minha bruxa, Maeve. Não é um pedido. É uma ordem.
Os pulsos delas queimaram e as marcas douradas em forma de bracelete reapareceram, brilhando com força. Seu destino estava selado.