A claridade do teto me corta em lâminas. Demoro um segundo para entender que o branco não é da minha casa, nem da biblioteca do meu pai. É de hospital. Duas paredes lisas, cheias de nada; o ar condicionado sussurrando; um bip compassado vindo de algum lugar logo acima da minha cabeça. Sinto um incômodo no antebraço: uma agulha fixa com esparadrapo, ligada a um soro transparente. Viro só um pouco para a direita e vejo meus pais encolhidos num sofá estreito, dormindo como quem decidiu montar guarda e cansou no front. Minha mãe recosta a cabeça no ombro do meu pai; ele a envolve com o braço, que desce, protetor, pela manga do casaco dela. A cena me acerta em cheio: devo estar aqui há horas.
As memórias vêm em ondas: a biblioteca, a dona Leia no corredor, a pergunta da minha mãe — “você está grávida?” — e o chão abrindo sob meus pés. O escuro. E, debaixo de tudo, o pensamento que mais morde: eu não queria que fosse assim. Queria que este bebê fosse do Matt — mesmo sabendo que ele disse, c