ClaireClaireCharlotte me consolou. Dormimos juntas em sua cama depois de chorar por horas até a cabeça começar a doer. Na manhã seguinte, ela acordou antes de mim. ao sair do quarto, o cheiro de café e torradas entranhou meu nariz. Na pequena cozinha, a encontrei na beirada da pia. Quando se virou para mim, sorriu, pedindo-me para me sentar à pequena mesa com duas cadeiras junto a parede.— Ainda com dor de cabeça?Neguei com um aceno.Ela colocou uma caneca fumegante à minha frente e sentou-se.— Espero que cafeína não faça mal ao bebê.Encarei as bolhinhas na superfície da bebida, e suspirei fundo, cansada.— Eu não posso contar para ele, Charlie. Não posso.— Você não vai conseguir esconder por muito tempo.— Eu não sei o que fazer. Eu devo ter esse bebê? Devo fugir?Ela me encarou sem respostas.Na sala, meu celular começou a tocar. Caminhei até ele e logo que o apanhei o aparelho, em sua tela o nome de Jean-Luc brilhou. Eu havia apenas mandado uma mensagem para ele na noite ant
ClaireQuando a festa acabou e quase todos foram embora, René se despediu anunciando que levaria Charlotte para casa. Jean-Luc, por outro lado, se trancou no escritório com dois de seus homens, discutindo algo que me foi vedado. Suas esposas e o filho de um deles, um bebê de seis meses, ficaram na sala de estar. Elas conversavam entre si. Às vezes me olhavam e sorriam sem graça, mas em momento algum tentaram me integrar à conversa. A mãe da criança percebeu que eu olhava demais para seu filho.— Quer pegá-lo?Isso pegou-me de surpresa. Olhei-a com espanto.— Não — disse baixinho, forçando um sorriso.O menino era lindo. Pele escura, olhos pretos como a noite e bochechas grandes. Apesar de sonolento, ele me olhava e sorria receptivo. Instintivamente minha mão foi à barriga, repousando-se ali. Despedindo-me com um breve boa-noite, deixei a sala. A casa estava silenciosa, apenas o crepitar das lareiras preenchia os cômodos. Caminhei até a biblioteca, onde o fogo projetava sombras longas
ClaireApós o almoço, o telefone dele tocou. Eu estava deitada em seu colo, enquanto conversávamos sobre filmes ruins e discordávamos veemente sobre isso. Estávamos agindo como pessoas normais. Mas quando seu semblante mudou ao encarar a tela do celular, eu soube que o faz de conta havia acabado. Ele pediu licença e se levantou, caminhando em direção a porta. A postura de seu corpo mudou completamente. Ele falava baixo, mas consegui ouvir um palavrão sair duro entre dentes.— Preciso sair. É urgente — disse para mim ao desligar a chamada.Assenti, tentando conter a frustração.— Eu... vou para a casa da Charlie.Jean-Luc segurou minha mão, os olhos carregados de preocupação.— Fica aqui. Eu volto logo.— Não vou passar o dia sozinha. Eu vou para a Charlie. — Mantive o tom firme, encarando-o.Ele hesitou por um instante, depois suspirou e cedeu.— Vou te levar.Quando chegamos em frente a casa, virei-me para ele, encarando-o. Já estava sendo afetada pela sua tensão.— Me avise quando a
ClaireQuando acordei, não sabia onde estava nem quanto tempo havia se passado. O lugar era frio, úmido e cheirava a mofo. Eu estava em uma sala grande e suja, com janelas tapadas por ripas de madeira. Tentei ver pelas frestas, mas enxerguei nada, não havia luz do sol lá fora. Meu corpo estava pesado, a cabeça latejava. Sentei-me no colchão velho e fedido onde meu corpo havia sido depositado.Tateei o chão ao redor, tentando encontrar algo, qualquer coisa que pudesse usar como arma, mas não havia nada além de poeira e embalagens vazias de bolinhos. Respirando fundo, tentando conter a ânsia e coloquei-me de joelhos. O odor velho de urina impregnou meu nariz causando-me ainda mais enjoo.— Socorro! — tentei gritar, ainda me sentia fraca.A claridade no lugar era fraca, vinha de uma lâmpada na parede. Tentei observar o local. Parecia ser uma casa abandonada. Depois de alguns minutos, consegui me erguer. Apoiando-me nas paredes, caminhei devagar até a porta. Estava trancada. É óbvio que e
Jean-LucAo chegar ao hospital, encontrei Charlotte na sala de emergência.— O senhor não pode entrar aqui! — disse um enfermeira, quando invadi a sala de atendimento, abrindo as cortinas, procurando pela melhor amiga do amor da minha vida. Quando os olhos de Charlotte alcançaram os meus, eles desaguaram. O corte inchado em sua testa era fundo e recebia pontos.— O que aconteceu? — perguntei, a voz firme, mas carregada de fúria.Charlotte respirou fundo, ainda assustada e em prantos. Segurei seus braços com certa força, fazendo-a me olhar novamente.— Vamos, Charlie! — falei firmemente. — O tempo pode custar a vida dela. Conte-me o que sabe?— O senhor precisa se afastar e se retirar, já chamamos a segurança! — disse o médico.Virei meu rosto para ele, encarando-o com um desejo imenso de lhe arrancar a língua.— Sugiro que você se afaste — Meu tom saiu baixo, rouco e ameaçador.O homem, que tinha a mão em meu ombro sentiu o perigo. Com olhos assustados, ele se afastou, recuando para o
ClaireParis, 2018. A noite caía suavemente sobre a Cidade das Luzes, derramando sombras longas pelas ruas estreitas e antigas. Eu sentia o frio úmido penetrando minha pele, mas meu coração ardia com uma inquietude que nenhuma estação poderia acalmar. Caminhava apressada pelo Boulevard Saint-Germain, com meus pensamentos dispersos como as folhas de outono aos meus pés. A galeria onde eu costumava buscar inspiração estava a poucos metros de distância, e eu ansiava pelo refúgio silencioso que as pinturas ofereciam. Eu precisava escapar das memórias que me assombravam, das incertezas que pendiam sobre meu futuro como uma espada invisível. As ruas de Paris, embora familiares, pareciam mais solitárias naquela noite. Entrei na galeria, e o cheiro familiar de tinta e madeira velha me acolheu imediatamente. Passei pelas obras conhecidas, cada pincelada contando uma história, mas naquela noite, uma sensação de antecipação rastejava pela minha mente. Meus olhos começaram a percorrer ao redor.
ClaireOs dias que se seguiram foram marcados por uma inquietante sensação de expectativa. Cada pensamento meu era tomado por Jean-Luc Moreau, seu sorriso enigmático e os olhos que pareciam sondar minha alma enquanto falávamos de arte. Eu tentava afastá-lo de minha mente; era ridículo pensar tanto em alguém que conheci por menos de meia hora, mas ele insistia em ocupar meus pensamentos como uma obra inesquecível. Naquela tarde de céu nublado, eu estava em um pequeno café no Marais, tentando concentrar-me em um livro que mal conseguia ler. Minhas mãos tremiam de modo quase imperceptível ao passar as páginas. Meu coração estava acelerado como se o amontoado de palavras no papel estivesse prestes a me levar a embarcar em uma aventura desconhecida. Então, ele apareceu. O sino acima da porta anunciou a chegada de alguém junto a um leve arrepio nos meus braços. Imediatamente olhei para a entrada a tempo de ver Jean-Luc atravessar pela porta com uma elegância natural. Seus passos determina
ClaireSuas palavras foram o suficiente para selar nosso destino naquele fim de tarde até o cair da noite. O café se esvaziou ao nosso redor, mas nós permanecemos ali, presos em um jogo de olhares e palavras que pareciam desafiar as leis do tempo e do espaço enquanto falávamos sobre arte e um pouquinho de nada sobre mim e meus estudos. Por um segundo, senti que estava falando muito e rápido demais. Estava começando a parecer exagerada. Então, eu me calei, suspirei fundo e tomei um gole do meu café que já estava gelado. Prova de que eu havia falado demais! — Claire, posso lhe fazer uma pergunta? — perguntou Jean-Luc após um momento de silêncio carregado. — Claro — respondi, sentindo meu coração bater mais rápido. Ele estudou meu rosto por um instante, como se estivesse buscando algo nas linhas sutis de minha expressão. — Por que Paris? Por que deixar sua família e vir para cá estudar arte? A pergunta de Jean-Luc era direta e simples, mas carregava um peso que eu não esperava. Eu r