Narrado por Anastácia
A sirene da ambulância cortava o ar como uma navalha.
Eu sentia o ombro queimar. O sangue escorria pela lateral do corpo, colando o tecido do vestido à minha pele. Cada solavanco da ambulância fazia meu corpo estremecer, mas nada doía tanto quanto o olhar de Marcelo.
Ele me olhava como se estivesse vendo uma parte dele mesma quebrada ali na maca.
Ele não falava. Só respirava fundo, os olhos em mim, a mandíbula cerrada, as mãos manchadas de sangue segurando as minhas.
Anastácia: Não estou morrendo, Marcelo.
Marcelo: Não brinca com isso.
A voz saiu rouca, como se ele estivesse contendo algo muito maior por trás de cada sílaba.
Marcelo: Você podia ter morrido, porra.
Fechei os olhos por um momento. Tentei processar tudo. As barracas, os tiros, os gritos. Aqueles homens surgindo do nada, armados até os dentes, atirando como se eu fosse um alvo de treinamento.
Mas eu reagi. Atirei. Acertei dois.
Eles não esperavam isso.
Eles me subestimaram.
Como todos sempre fizeram.