Ava
O salão estava cheio.
Luzes suaves, flores brancas emoldurando cada canto, arranjos impecáveis, como se fossem parte de uma propaganda de revista de luxo. Eu conseguia ouvir os sussurros. O tilintar de taças. O ranger sutil das cadeiras quando alguém se ajeitava nervoso.
A porta ainda estava fechada.
Atrás dela… o mundo.
E eu?
Vestida de noiva.
Com o coração apertado.
E a intuição gritando dentro de mim como uma sirene quebrada.
Scarlett ajeitou meu véu com um falso sorriso nos lábios.
Scarlett: “Relaxa, Ava. Não é como se ele fosse fugir… ainda.”
Ela riu. De novo sozinha. De novo debochada.
A maquiadora me lançou um olhar de pena. A organizadora do evento evitava me encarar diretamente. E minha mãe… bem, minha mãe estava preocupada demais se o batom dela combinava com os brincos para perceber que a filha estava à beira de um colapso emocional.
E então a música começou.
A marcha nupcial.
Suave. Solene. Implacável.
As portas se abriram.
E eu entrei.
Pisei no corredor como quem caminha por um campo minado.
Olhos em mim. Muitos. Todos.
A maioria curiosos. Alguns constrangidos. Alguns… claramente esperando o desastre.
Meus dedos tremiam no buquê. A barra do vestido parecia mais pesada a cada passo.
Mas eu fui. Um. Passo. De. Cada. Vez.
E então, lá na frente… o altar.
Vazio.
O vazio que gritou mais alto do que qualquer música.
Brian não estava lá.
Minhas pernas quase cederam.
Parei no meio do caminho, sem saber se devia continuar ou recuar.
A organizadora correu até o altar, sussurrando algo no ouvido do padre. O padre empalideceu. Scarlett mordeu os lábios tentando segurar uma risada. E minha mãe…
Minha mãe abaixou a cabeça. Envergonhada não por mim. Mas por ela mesma.
Como se eu fosse um fracasso público. Como se eu tivesse envergonhado o vestido. A igreja. A família.
E então veio o anúncio.
Padre: “Senhoras e senhores… parece que houve um contratempo.”
Contratempo.
É assim que eles chamam quando alguém te abandona no altar?
Um contratempo.
Minhas mãos começaram a suar. Meu rosto pegava fogo.
E eu fiquei ali. Parada. Vestida de noiva.
Humilhada. Ridícula. Rejeitada.
Mais uma vez.
As pessoas começaram a cochichar. Alguém tirou o celular para gravar. Eu ouvi a frase:
“Meu Deus, ela foi largada.”
E então, uma gargalhada abafada. Não sei se foi minha irmã ou alguma amiga dela.
Pouco importa.
Meus pés se moveram por instinto. Não lembro se corri ou andei. Só sei que saí.
Deixei o buquê cair no chão. O véu foi arrancado pelas mãos trêmulas. E eu atravessei a porta de vidro com o rosto em chamas.
Chovia.
Claro que chovia.
Entrei no primeiro táxi que parei na rua, com o vestido todo molhado, o rosto borrado e a dignidade escorrendo pelos ombros.
Taxista: “Pra onde, moça?”
Ava: “Um bar. Qualquer bar.”
Ele não perguntou mais nada. Apenas dirigiu.
Minutos depois, eu estava sentada num balcão barato, rodeada por cheiro de cigarro velho e madeira molhada, ainda com o vestido branco colado ao corpo.
O barman me olhou com espanto.
Barman: “Você veio de um funeral ou de um casamento?”
Ava: “É quase a mesma coisa.”
Ele não riu. Apenas colocou uma dose de tequila na minha frente.
Barman: “Primeira é por conta da casa.”
Eu bebi de uma vez só.
O álcool queimou minha garganta, mas não doeu nem perto da vergonha.
Da dor.
Do buraco que parecia ter se aberto no meu peito desde o momento em que aquele altar ficou vazio.
A segunda dose veio sem que eu pedisse.
Depois a terceira.
Chorei.
Chorei feito criança, com soluços feios, maquiagem escorrendo, nariz fungando.
Não havia mais ninguém ali para manter aparências.
Não havia mais vestido, véu, saltos ou família.
Era só eu.
Sozinha.
Largada.
Molhada.
Quebrada.
Eu larguei o rosto nos braços sobre o balcão, e por um instante, achei que fosse apagar ali mesmo.
Mas então senti algo.
Uma presença.
Diferente de todas.
Fria.
Forte.
Imponente.
Levantei o rosto e vi… ele.
Alto.
De terno escuro, expressão impenetrável, barba bem feita, olhos como aço polido.
Não sorria. Não falava. Só me olhava.
E pela primeira vez naquela noite… alguém me viu.
De verdade.
Ele tirou do bolso um lenço de tecido, dobrado com perfeição, e estendeu pra mim.
Desconhecido: “Você está sangrando.”
Toquei o canto da minha boca. Era verdade. Devia ter mordido sem perceber.
Ava: “Foi só o coração. Ele morde de dentro.”
Ele não respondeu. Mas sentou ao meu lado.
Silencioso.
Observador.
Perigoso.
O barman hesitou.
Barman: “Você quer—”
Homem: “Tequila. Pra mim. Água com limão pra ela.”
A autoridade na voz dele fez o ambiente inteiro se calar.
E eu só conseguia olhar.
Hipnotizada.
Ava: “Você sempre oferece lenços pra noivas largadas no altar?”
Ele ergueu uma sobrancelha.
Homem: “Não. Mas você parece mais interessante que a maioria.”
Sorri.
Pela primeira vez… sorri.
Ainda que com dor, com vergonha, com tudo fora do lugar.
Talvez eu estivesse bêbada.
Ou talvez... algo tivesse mudado ali.
Porque havia algo naquele homem. Algo que eu não conseguia entender, mas que me puxava como ímã.
Ele parecia feito de pedra. Mas seus olhos diziam outra coisa.
Algo quebrava dentro dele também.
E pela primeira vez, em meses, eu não me senti sozinha.