Dedicatória ❤️🔥
Para quem já amou errado. Para quem sobreviveu ao próprio nome. E para quem um dia teve que sumir para continuar viva. O céu da Calábria amanheceu coberto por um véu espesso de nuvens cinzentas, como se até os deuses se recusassem a descer àquela casa marcada por sangue e silêncio. O corpo de Alessandra Fontana repousava no caixão de madeira escura, cercado por flores brancas demais para disfarçar o cheiro de morte. Ela era a última ponte entre o que a família um dia foi... e o que agora estava prestes a se tornar: um império à beira do colapso. Matteo Fontana estava parado. Imóvel. Os olhos fixos no rosto pálido da avó, mas não era luto o que habitava seu peito, era raiva. Uma raiva surda, letal, corroendo por dentro. Porque agora, com ela morta, ninguém mais podia segurá-lo pelo braço e sussurrar: “Não se perca de novo, Matteo.” Mas ele já estava perdido. Havia anos. Agora, não havia mais freio. Não havia mais ninguém. Ela era a única voz que ele ainda escutava. A única capaz de colocar humanidade naquele coração endurecido por traições, prisões e lembranças malditas. Do outro lado da sala, Verônica mantinha a postura impecável de uma boneca de luxo. Vestia o luto por obrigação, não por dor. Os olhos impassíveis diziam tudo: nunca amou aquela mulher. Nunca foi aceita por ela. Alessandra sempre deixou claro que Verônica jamais seria digna do sobrenome Fontana. E mesmo morta... ainda parecia presente. Isabella, com seus quinze anos, ocupava uma das poltronas com desprezo visível. Braços cruzados, olhar entediado, postura desafiadora. A encenação de família unida não a comovia mais. Ela era apenas uma peça jogada num tabuleiro que nunca quis jogar, mas aprendeu as regras cedo demais. Luca, aos dez, estava de pé, próximo ao pai. Silencioso. Atento. Os olhos fixos no caixão. E nos olhos dele... os traços de Angeline. Era um fantasma vivo naquela casa. Matteo evitava encará-lo. Era como olhar para a própria maldição. Sofia entrou na sala segurando a mão da pequena Natália, agora com nove anos. O olhar dela cruzou o de Ivan, que se mantinha distante, frio, mais interessado nos homens da máfia presentes do que na perda da matriarca. Ela não confiava mais nele. Talvez nunca tivesse confiado de verdade. Giovanni permanecia ao lado do caixão, observando. Calculando. Cada gesto. Cada silêncio. Cada tensão não dita. Aquela não era uma família de luto. Era uma bomba-relógio, prestes a explodir. Nos fundos da sala, Luigi Rossi trajava um terno escuro, com o filho Andrea, de oito anos, ao lado, inquieto. Bianca tentava conter o garoto, mas seus olhos estavam fixos em Sofia. A tensão entre elas era densa. Antiga. Quase palpável. Na cozinha, soldados da máfia circulavam em silêncio, prestando homenagens. Mas mesmo entre homens armados, o ar estava diferente. Pesado. Alessandra não era apenas uma velha morta. Ela era um símbolo. E agora, era um aviso. O último freio da família Fontana havia sido enterrado. Agora, o inferno tinha passe livre. A terra da Calábria estava úmida. As pás afundavam com facilidade no barro encharcado. O cheiro de terra molhada subia como um lamento. O céu, fechado, engolia qualquer sinal de sol. Era como se o mundo recusasse testemunhar aquilo. Alessandra Fontana ia para o chão. Literalmente. E com ela, descia a última gota de ordem da famiglia. A lápide, de mármore negro e veios prateados, já estava posicionada. Elegante. Imponente. Como ela sempre foi. Os dizeres em italiano, cravados a sangue e ferro: La famiglia prima di tutto. Alessandra Fontana — 1950 - 2025 Matriarca. Madre. Leggenda. Ao redor do túmulo, a nata da máfia ’Ndrangheta formava um círculo fechado. Capos. Soldados antigos. Aliados de décadas. Roupas escuras. Óculos escuros. Armas ocultas sob casacos longos. Nenhum civil. Nenhuma lágrima. Era um ritual. Uma despedida. Um reinício. O caixão desceu. Sem música. Sem padre. Sem palavras. Só o som seco da madeira tocando o fundo da cova. Como um eco de fim. Matteo então tirou do dedo o anel da avó, o símbolo da linhagem Fontana, e o atirou com força sobre o caixão. O som metálico reverberou como um tiro. Era mais que um gesto. Era uma sentença. Ele aceitava o trono. E a maldição que vinha com ele. Sofia foi a próxima. Lançou uma rosa vermelha com delicadeza. Um adeus silencioso. Depois disso, ninguém mais teve coragem de seguir o gesto. Ninguém queria carregar símbolos. Ninguém queria ser marcado. Quando o buraco foi coberto, Matteo virou as costas e partiu. Sem uma palavra. Sem olhar para trás. Não houve consolo. Não houve abraço. Só silêncio. E cheiro de guerra. A morte de Alessandra não foi apenas um fim. Foi o sinal. O estopim.