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Capítulo 3 — Ecos da Noite

(POV Selene)

O silêncio aqui dentro é quase pior que o lá fora.

As sombras engolem cada canto; o chão range sob meus pés, coberto de poeira e manchas que poderiam ser ferrugem… ou sangue. Respiro fundo, mas o ar entra pesado, cheira a madeira úmida, fumaça velha e ferro. A floresta lá fora era aberta, aqui parece que as paredes estão fechando sobre mim. Pior que a casa abandonada que a tia Ivy sempre dizia pra eu evitar.

Não é só silêncio — é como se o ar estivesse vivo, esperando, denso o suficiente pra pesar nos ombros. O cheiro azedo de mofo se mistura à fumaça antiga, e por um instante me sinto presa numa jaula. Uma jaula onde eu mesma me tranquei.

Dou um passo para dentro e sinto.

Uma pontada no pulso.

Olho para o braço.

A cicatriz, aquela marca antiga que sempre ignorei, pulsa fraca, emitindo um brilho quase imperceptível. Luz. Na minha pele. Meu estômago se revira.

Tia Ivy sempre dizia que era só uma cicatriz feia, uma lembrança da infância que eu devia esconder com pulseiras ou mangas compridas. Nada além disso. Então por que agora está brilhando? Pisco várias vezes, esfrego o braço, como se fosse poeira ou truque de luz. Mas não some. Ótimo. Próxima etapa é me internarem: delírios luminosos no braço.

— Senta, Selene. — Dorian fala sem me olhar, mexendo em algo sobre a mesa, como se já soubesse que eu obedeceria.

— Eu não... não sei se devo. — Minha voz sai tão baixa que mal me reconheço.

Ele ergue os olhos. Bastou aquilo para minhas pernas perderem a força. Arrasto a cadeira como se estivesse puxando correntes. O ferro arranha o chão e eu me sento, menor do que nunca.

— Boa garota. — Ele cruza os braços. — Agora, fica quieta.

A cicatriz ainda formiga, latejando como se tivesse coração próprio. Tento rir, mas o som morre preso na garganta.

O barulho vem de repente.

Portas batendo. Passos pesados, compassados, como de alguém que nunca precisou correr de nada.

Meu corpo inteiro trava.

Um homem entra.

Alto. Largo. Ombros que parecem segurar o teto. O ar parece ficar mais pesado só com a presença dele. Há um cheiro diferente também — madeira, suor, algo cru, masculino demais para ser ignorado. Se a academia perto de casa tivesse um desses, ninguém pagava mensalidade só pra malhar.

Instintivamente puxo a manga da blusa, tentando esconder a cicatriz que pulsa cada vez mais forte, mas sei que é inútil.

Músculos duros como pedra, rosto severo, o olhar frio e avaliador, como se eu fosse uma peça defeituosa sendo inspecionada.

E minha cicatriz brilha de novo, mais forte.

O calor sobe pelo braço, invade meu peito. Meus pulmões falham.

Não é medo.

É... outra coisa.

— Trouxe ela? — a voz dele é grave, um trovão contido.

— Sim. — Dorian responde, sem hesitar.

O homem dá um passo, sem desviar o olhar.

— Parece... frágil.

— Não repita isso na frente dela. — Dorian corta, firme.

Um silêncio tenso se instala. O gigante dá meio passo atrás, mas não esconde a desconfiança.

A cicatriz pulsa de novo, queimando sob minha pele.

Engulo seco, tentando fingir normalidade.

— Quem... quem era ele? — pergunto, mesmo sabendo que minha voz não engana ninguém.

— Ronan. — Dorian diz, como se fosse suficiente. — Ele não confia fácil.

Não confia fácil. Ótimo. Nem eu.

Antes que eu consiga raciocinar, outro vulto preenche a porta.

Passos quase leves, mas a firmeza é a mesma de quem nunca pede licença.

Ele é loiro. Ombros largos também, mas diferentes, moldados para seduzir e não para esmagar. O rosto carrega algo sombrio, perigoso, como aqueles vilões de filmes dark que a gente odeia e deseja ao mesmo tempo. Os olhos são claros demais, quase cruéis.

O tipo de homem que não sobrevive no final de um filme, mas leva metade do elenco pro inferno junto.

O olhar dele é o pior — como se atravessasse minha pele e lesse o que eu não quero mostrar. A cicatriz arde tanto que sinto o calor subir pelo pescoço, me deixando vermelha. Parece vergonha. Mas não é.

Assim que ele cruza a porta, a cicatriz pulsa outra vez. Mais intensa.

Um arrepio explode pela minha pele inteira.

Não é medo. Não dessa vez.

É como se meu corpo tivesse decidido sozinho o que sentir, sem me consultar.

Ele sorri de canto, pequeno, calculado.

— Então é ela. — a voz é suave, mas não deixa espaço pra dúvida. — Finalmente.

Dorian o olha como se fosse uma ordem silenciosa.

— Caelan.

Ele ergue os ombros, como se fosse inocente, mas os olhos não se soltam de mim.

E então acontece.

Com os três ali, juntos, o ar muda.

A cicatriz queima mais forte, brilhando nítida sob a pele.

Meu coração b**e tão forte que parece que vai rasgar minhas costelas. Respiro rápido, mas não consigo encher os pulmões. É como se houvesse ímãs invisíveis dentro de mim, me puxando para eles ao mesmo tempo em que quero correr. Se isso for ataque de pânico, é o mais estranho que já tive na vida.

Sinto um arrepio percorrer minha espinha. Mas não é medo. É algo quente, íntimo, impossível de explicar. Como se fios invisíveis me prendessem a eles.

Meu peito sobe e desce rápido demais.

Eu tremo.

— O que... o que tá acontecendo comigo? — levanto o braço, quase gritando. — Essa cicatriz nunca fez isso antes!

Dorian se aproxima, os olhos cinzentos mais escuros do que nunca.

— Não é só uma cicatriz. É o seu selo.

— Selo? — repito, rindo incrédula. — Ah, claro. Próxima piada?

Ele não pisca.

— Você é uma metamorfa, Selene.

A gargalhada explode da minha boca. Alta, debochada, quase histérica. Eu rio até a barriga doer, lágrimas nos olhos de tanto debochar.

— Ah, claro, metamorfa. Daqui a pouco vão me dizer que Papai Noel também existe e que ele vai aparecer aqui com um trenó. — Minha risada ecoa, sem graça. — Isso parece aqueles livros idiotas que a tia Ivy nunca me deixava terminar porque, segundo ela, comiam o cérebro e deixavam a gente burra!

O som preenche o depósito vazio, mas ninguém ri comigo.

Ronan, parado como pedra. Não piscou.

Caelan, sombrio como perdição. Perdeu o sorriso.

Dorian, firme como uma sentença. Nem se moveu.

O riso morre nos meus lábios.

— Vocês... estão falando sério.

— Mais do que você imagina. — Dorian dá um passo à frente, a sombra dele me engolindo. — Sua tia sabe disso. Ninguém esconde o selo da lua por tantos anos sem saber o que significa.

A palavra “tia” cai como pedra no meu estômago.

O coração dispara.

— O quê? — a voz me rasga. — A tia Ivy nunca falou nada! Pra ela, essa marca sempre foi normal! Eu não sou nada especial, não sou essa coisa que vocês dizem que eu sou!

As lembranças me atropelam. As vezes em que perguntei e ela desviou o olhar.

Lembrei dela costurando a barra da minha blusa para esconder o pulso. Lembrei do ‘promete que não mostra pra ninguém’. Achei que era cuidado. Agora parece outra coisa. As desculpas rápidas. O jeito de mudar de assunto. As noites em que me fez prometer nunca mostrar o braço na escola. E aquela frase, dita quase como uma oração: “algumas marcas não devem ser comentadas”.

Eu achava que era só zelo. Agora parece mentira.

E a pior mentira é essa: a que a gente chama de cuidado.

O silêncio é grosso como chumbo.

Eles não respondem. Só me olham.

E, pela primeira vez, entendi: eu não tropecei numa história. A história me mordeu.

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