Mundo ficciónIniciar sesiónIsabela's POV
Nunca imaginei que a sensação de poder pudesse ser tão diferente quando aplicada a mim mesma. Depois de anos de entrega, de noites perdidas, de sonhos moldados em torno de Arthur, finalmente me sentia dona do meu próprio destino. E a primeira ação concreta dessa autonomia foi inevitável: o divórcio.
Acordei naquela manhã com o coração acelerado, mas com a mente clara como nunca. O apartamento parecia ainda maior, mais silencioso, e cada objeto refletia um pedaço da minha vida que eu agora precisava reorganizar. Me sentei à mesa da cozinha, caneta na mão e documentos espalhados à minha frente. A papelada era simples: requerimento de divórcio consensual, cópias de contratos, certidões. Mas, para mim, cada assinatura seria mais do que burocracia; seria libertação.
Quando Arthur chegou, algo em sua postura me deixou alerta. Ele carregava um perfume discreto, mas o peso no olhar dizia mais do que qualquer palavra poderia expressar. Sabia que ele desconfiaria, que sentira minha mudança de humor nos últimos dias, mas não esperava o impacto da decisão que eu já havia consolidado.
— Isa… você parece diferente — disse ele, voz calma, mas carregada de uma leve tensão.
— Diferente, sim — respondi, firme. — Estou decidida, Arthur.
Ele franziu a testa, confuso, e se aproximou da mesa. Seus olhos percorreram os papéis, e finalmente pousaram em mim.
— Decidida sobre o quê? — perguntou, tentando soar despreocupado, mas eu percebi cada músculo do corpo dele reagindo.
— Sobre nós — respondi, respirando fundo. — Sobre a nossa história, sobre a forma como vivi todos esses anos ao seu lado. Chegou o momento de encerrar este capítulo. Quero o divórcio.
O silêncio que se seguiu foi quase palpável. Ele parecia tentar processar, mas o choque evidente me deu uma sensação estranha: a de que ele realmente não esperava por isso.
— Divórcio? — repetiu, como se a palavra fosse estranha em sua boca. — Agora? Mas… por quê? Assim, do nada?
— Não é do nada. É simplesmente porque eu mereço mais do que viver em uma ilusão, Arthur. — Minhas palavras saíram firmes, gélidas, mas cortantes. — Mereço a minha liberdade, mereço redescobrir quem eu sou sem depender de você ou de qualquer outro. Simples assim.
Ele recuou um passo, respiração rápida, descompassada, olhos arregalados. Por um instante, imaginei que ele fosse aceitar, se calar, concordar com o inevitável. Mas não foi isso o que aconteceu.
— Isa… você não entende — disse ele finalmente, com a voz carregada de uma intensidade que eu não esperava. — Não posso aceitar isso da forma que você imagina.
Meus olhos se estreitaram. Uma raiva que não sabia ter de repente se apossou de mim — Como assim não pode aceitar? — perguntei, surpresa. — Eu pensei que você…
— Não — interrompeu com firmeza. — Eu não posso simplesmente assinar esses papéis e desaparecer da sua vida. Não da forma que você planejou.
O impacto daquelas palavras foi imediato. Meu coração acelerou, não de alegria, mas de confusão. Ele não reagia como eu esperava. Esperava resistência, talvez um lamento, ou até raiva, mas não esse misto intenso de desespero e decisão.
— Arthur… — tentei manter a calma, embora a tensão fosse quase insuportável — não é sobre querer manter você, é sobre mim. Sobre a minha vida. Sobre o que eu perdi nesses anos.
Ele se aproximou, mais próximo do que eu imaginava. Seus olhos estavam fixos nos meus, e havia algo ali que me desconcertava profundamente: vulnerabilidade e determinação ao mesmo tempo.
— Eu sei — disse ele. — E é exatamente por isso que não posso simplesmente deixar você ir. Não assim. Você acha que quer liberdade, mas não sabe o que realmente significa. Não sem mim.
Aquela frase me atingiu como um soco silencioso. Eu havia planejado cada detalhe, cada reação, cada argumento. Mas ele havia colocado uma linha invisível, uma barreira que eu não estava preparada para enfrentar.
— Então o que você quer, Arthur? — perguntei, mantendo a voz firme, mas sentindo a primeira fissura em minha determinação.
— Quero você ao meu lado. Não para controlar, não para me prender, mas para que possamos decidir juntos. — Ele respirou fundo. — Se você pensa que pode apenas cortar nossa história assim, está enganada. Ainda há nós, mesmo que você queira ignorar.
A tensão entre nós era quase física. Eu podia sentir cada batida do coração dele, cada gesto contido, cada hesitação. E, no fundo, percebi algo que me assombrou: ele ainda me conhecia melhor do que eu mesma. Ele sabia exatamente onde minhas defesas eram mais frágeis, exatamente onde poderia provocar reação.
— Arthur, não é sobre nós… — insisti, mantendo a frieza. — É sobre mim. Sobre me recuperar de tudo o que perdi.
— E eu posso te ajudar nisso — respondeu ele, aproximando-se ainda mais. — Mas não vou permitir que você desapareça da minha vida da maneira que quer.
O silêncio que se seguiu foi pesado, quase sufocante. Eu me levantei, tentando criar espaço, mas percebi que não havia fuga física suficiente. Ele estava ali, firme, mas não ameaçador — apenas presente, desafiando minha decisão de forma silenciosa e poderosa.
Eu respirei fundo, sentindo a confusão, a frustração, mas também uma estranha excitação. Ele não estava desistindo de mim. Ele não me deixaria ir. E, de algum modo, isso tornava a minha decisão ainda mais complexa.
— Então você quer me manter presa? — perguntei, quase em um sussurro.
— Não — disse ele imediatamente. — Quero que você veja que ainda temos escolhas. Que ainda podemos decidir juntos. Mas o divórcio não será a saída que você pensa ser o ideal.
Por um instante, senti a raiva subir novamente. Eu havia planejado minha vida, imaginando minha liberdade, e ele aparecia com essa determinação silenciosa, jogando tudo para o alto. Mas, no fundo, havia algo em sua postura que me fez hesitar: ele estava vulnerável, real, humano. Não o homem que eu imaginava, o homem que traiu meus sonhos, mas alguém que realmente me amava à sua maneira.
A noite caiu sobre o apartamento, e ficamos ali, encarando-nos, respirando o mesmo ar carregado de tensão e sentimentos não resolvidos. Eu sabia que aquela era apenas a primeira batalha de muitas. Mas também sabia que, pela primeira vez em anos, não podia prever totalmente o desfecho.
Arthur não era mais o homem que eu podia controlar totalmente. E, de certa forma, isso me assustava e me excitava ao mesmo tempo.







