CAPÍTULO 90
Onde a verdade encontra o passado.
No caminho, o trânsito era só de recolhe-lixo e entregadores. Caio conduziu com as duas mãos no volante, os nós dos dedos brancos. A carta no banco do passageiro, a chave no bolso, queimando a coxa. Cada semáforo parecia lhe perguntar se ele tinha mesmo o direito de tentar outra vez.
Ele tinha. Ou, pelo menos, tinha o dever.
Caio não entrou. Ficou na calçada, respirando, ouvindo o próprio coração. O plano era simples como uma aposta final: Jarbas traria Alinna, usando o argumento burocrático que ela não ignora. Ela atravessaria a rua. Veria a porta. E, se Deus fosse generoso, o corpo dela lembraria antes da cabeça: o cheiro, a luz, o som distante do rádio velho de uma vizinha.
Ele não ia discursar. Não ia cercá-la. Não ia encostar um dedo. Só abriria a porta. Mostraria o lugar. Entregaria a chave. Diria três frases:
— Isso é um pedido de perdão.
— Eu não sou o Eduard.
— Se você quiser, a gente recomeça daqui.
O carro encostou na esquina.