Sarah ainda permanecia de pé, diante de Vitório, com o semblante sério da mulher que acabara de transmitir uma mensagem vinda dos céus — ou, no caso dela, de Santa Sara Kali. Mas, logo depois do silêncio respeitoso que ele ofereceu, ela cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha.
— E não se esqueça — disse, com aquele sotaque carregado, arrastando o "r" com elegância. — Mande também buscar os meus pais. Você ainda tem que pedir a minha mão. É uma questão de honra. Mesmo que meu pai não possa dizer não, ele precisa saber. E você precisa se apresentar com dignidade diante dele.
Vitório arqueou uma sobrancelha, com os braços cruzados no peito, observando cada detalhe da sua futura noiva: a altivez, a coragem, o orgulho cigano que não se curvava nem diante de um Dom.
— Pedir a sua mão... — repetiu, como se saboreasse a ousadia da frase. — E o que mais, minha cigana?
Ela sorriu, travessa, e deu meia-volta, andando lentamente até a porta. Parou, girou nos calcanhares e abriu os braços, apontando para o roupão de cetim curto e leve que mal lhe cobria as coxas.
— E roupas. Preciso de roupas, Don Vitório. — disse com ironia. — Porque a única coisa que encontrei foi esse hobby fininho e curto demais. Não pega bem para noiva do Don andar assim o dia inteiro pela casa. Ou você quer que os seus empregados tenham pesadelos esta noite?
Ele passou a mão pelo rosto e deixou escapar um riso contido.
— Mas é muito atrevida essa cigana...
Sarah não perdeu o ritmo.
— Ah, e antes que eu me esqueça mande vir mulheres aqui. Profissionais. Preciso fazer as unhas, a sobrancelha, a depilação. — disse como quem recitava uma ordem real. — No acampamento eu não tive tempo. Fui sequestrada antes de conseguir dar um trato na beleza.
Vitório, agora com um riso nos lábios e os olhos faiscando em desafio, deu dois passos à frente.
— Você não acha que está mandando demais em mim?
Ela encarou o Don nos olhos, sem hesitar nem por um segundo.
— Não estou mandando. Eu estou pedindo. Mas se o senhor preferir, posso começar a mandar também...
O irmão dele, Matteo, que estava na porta observando a cena, não se conteve:
— Parabéns, Vitório, essa aí vai te domar direitinho.
Vitório bufou e voltou à poltrona.
— Que Santa Sara me dê paciência…
Sarah sorriu, vitoriosa.
— E que te dê bom gosto também, porque a próxima roupa que você me mandar, manda algo decente. Que cubra, mas que seja digno de uma futura senhora Vitório Balestra.
Vitório a observou com aquele olhar azul gélido, típico dos homens que carregavam o mundo nos ombros e as responsabilidades nos punhos. Mas ao ouvir as exigências de Sarah, ele cruzou os braços e inclinou levemente a cabeça, com um sorrisinho cínico nos lábios.
— Você quer roupas? Unhas feitas? Sobrancelha e depilação? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Mais alguma coisa, senhorita?
Ela, de roupão curto, com o cabelo úmido do banho recente e os olhos verdes faiscando com confiança, ergueu o queixo:
— Sim, flores. Quero flores no quarto. Girassóis, se possível. E um espelho de corpo inteiro. Toda cigana precisa de um. — Ela caminhou devagar até ele, com uma ousadia graciosa. — E lembre-se, eu sou sua noiva, Don Vitório. Eu preciso estar à altura do título.
Ele soltou uma risada baixa, passando a mão pelo queixo bem barbeado.
— Você é mesmo um caso raro. Eu te salvei de um leilão, e agora está me dando ordens.
— Eu não estou dando ordens — ela respondeu com doçura venenosa — estou cuidando da nossa imagem. Ou você quer que os outros digam que o Don mais temido da Sicília mantém a noiva mal vestida e com a sobrancelha por fazer?
— Você é atrevida.
— Eu sou sincera.
— E perigosa.
— Não mais do que você, Don Vitório.
Ele se aproximou, encurtando a distância entre eles. Olhou profundamente nos olhos dela e disse com voz grave:
— Você vai acabar me deixando louco, cigana.
Ela sorriu. Aquele sorriso de canto de boca que dizia "eu sei."
— Então é melhor começar a se acostumar. Porque eu vim pra ficar.
Vitório virou-se e chamou Matteo, seu irmão:
— Mande arrumar o guarda-roupa dela. Quero vestidos decentes, sapatos, lingerie, joias. E mande trazer esteticistas, manicures e o que mais essa mulher precisar. Ela não vai ficar reclamando o dia inteiro dentro da minha casa.
Sarah piscou, fingindo inocência:
— E não se esqueça do espelho de corpo inteiro.
Matteo riu baixinho, achando aquilo tudo um verdadeiro espetáculo. Mas antes de sair, Sarah caminhou até ele e segurou levemente no braço de Vitório.
— E, por favor... não esqueça de mandar buscar meus pais. Lembre-se do que conversamos: se quiser me ter, tem que pedir a minha mão. Mesmo que seja apenas um gesto simbólico. O meu povo valoriza isso. Honra é tudo pra nós.
Don Vitório assentiu, mais sério agora.
— Eu vou cumprir minha parte, Sarah. E você vai ter tudo o que merece... inclusive respeito. Mas só me prometa uma coisa...
Ela arqueou as sobrancelhas, esperando.
— Que você vai parar de virar minha vida de cabeça pra baixo. — Ele sorriu, meio vencido.
— Não posso prometer isso — ela respondeu — mas posso prometer que vou te fazer lembrar quem você é de verdade. E que vai se orgulhar de mim, do nosso casamento... e da nossa história.