Entre Dois Mundos
Já era noite alta quando Vitório cruzou os corredores da ala leste da mansão, guiando Sarah pelos caminhos sombreados da propriedade. Nenhum dos dois dizia palavra. O silêncio entre eles era carregado de pensamentos, de futuras promessas, de uma guerra prestes a estourar — não nas ruas da Sicília, mas nos corações que haviam sido forjados em mundos tão diferentes. Chegaram diante de uma porta de madeira escura, com entalhes florentinos. Vitório parou, encostou a mão na maçaneta e disse, sem encará-la: — Este será o seu quarto. Fica ao lado do meu. Até o dia do nosso casamento, você dorme aqui. Sarah ergueu as sobrancelhas, desafiadora como sempre. — Vai me trancar? Ele virou o rosto devagar. Um sorriso se insinuou no canto da boca. — Não sou um animal. Você não está mais em cativeiro. Aqui, você é livre. Mas é minha noiva. E vou te proteger com a minha vida, cigana. Ela entrou no quarto. Observou os detalhes: o tapete persa sobre o chão frio de mármore, a cama de dossel com cortinas leves, as almofadas bordadas com fios dourados. Tudo parecia digno de uma princesa... ou de uma rainha da máfia. Então, virou-se de volta para ele, firme: — E quando vai mandar chamar os meus pais para pedir minha mão? Vitório arqueou as sobrancelhas, surpreso com a cobrança direta. — Você não perde tempo, né? — Não — respondeu. — Eu sou cigana. E fui prometida. Em breve seria meu casamento com outro. Se você me tomou, como homem de honra, deve fazer as coisas certas. Senão, sou só mais uma prisioneira. A voz dela não tremia. Ela não estava negociando. Estava exigindo respeito. Ele respirou fundo. — Amanhã mesmo mando Matteo até a fronteira. Se seus pais ainda estiverem por lá, ele os trará para cá. Vou falar com seu pai... como você pediu. Como manda o respeito. Sarah assentiu. — Meu pai é um homem forte. Mas tem o coração mole com quem é verdadeiro. Ele vai entender. Vai respeitar... se você respeitá-lo. Vitório se aproximou mais um passo. Não tocou nela. Apenas perguntou: — E o casamento? Como você quer? — Cigano. — respondeu de imediato, sorrindo com orgulho. — Eu sou cigana. Não existe outra forma de selar meu destino. — Mas eu sou católico. — retrucou ele, num tom entre a provocação e a confissão. Ela não hesitou: — Então case comigo na igreja também. Faça a sua cerimônia para os seus. E depois, venha para a minha. Porque no casamento cigano... nós vamos dançar a noite toda. Vai precisar de fôlego. Vitório soltou uma risada abafada, como se estivesse começando a se acostumar com as surpresas que ela lançava sem aviso. — Você tem resposta pra tudo, hein? — Não. Só para o que é importante. Ele inclinou a cabeça, a observando com olhos escuros. — E se eu não conseguir dançar a noite toda? — Aí você não me merece. — Atrevida. — Sempre. Vitório deu um passo para trás. Não queria se demorar mais. Temia que, se ficasse ali, acabaria avançando o que jurara respeitar. Aquela mulher... era um incêndio. — Boa noite, Sarah. — Boa noite... Don Vitório. E antes que ele se virasse, ela completou com ironia: — E se prepare... porque a dança cigana começa muito antes da música. Ele saiu dali com um sorriso. Um sorriso raro. Um que há muito não visitava seus lábios endurecidos pela máfia. Ao chegar à mansão, Sarah foi conduzida por Vitório até o quarto ao lado do seu. O ambiente era amplo, decorado com tons claros e cortinas de renda, completamente diferente da escuridão da boate de onde fora resgatada. Ali, pela primeira vez em dias, ela se sentiu segura. Deixando a roupa de seda vermelha sobre a poltrona, Sarah seguiu para o banheiro anexo. Abriu o chuveiro de água quente e, lentamente, deixou que as gotas lavassem seu corpo, limpando não apenas a poeira do cativeiro, mas também os traumas recentes. Lavou os cabelos com calma, escovou-os com firmeza e, ao sair, enrolou-se em uma toalha macia.