Terenzi esfregou o rosto, visivelmente perturbado.
— Vou tentar falar, mas aquele moleque é teimoso. Ele tem mudado muitas coisas. Você viu a autoridade dele ao ordenar a reforma da boate? O segundo assentiu, cruzando os braços. — Venhamos e convenhamos, Capo Terenzi, ele tem razão. Isso aqui está um lixo. E mais: se o senhor cair, todos nós vamos cair. Porque ele não elimina apenas um. Ele elimina todos. O senhor sabe como a máfia funciona. E Don Vitório é ainda mais frio do que o próprio pai dele. Veja bem por onde o senhor caminha. Terenzi engoliu em seco, sentindo o peso das palavras. Sabia que a dinastia Balestra acabava de se transformar em algo que ele não podia mais controlar. Sara caminhava ao lado de Dom Vitório, o barulho dos saltos ecoando nos corredores da boate. Ela mantinha o queixo erguido, as correntes soltas nos pulsos como se nunca tivessem existido. — Eu já sabia que você ia me salvar — disse, com a voz serena, como se não acabasse de sair de um leilão de almas. Vitório a olhou de rabo de olho, a sobrancelha arqueada. — Como? Como você sabia? Ela sorriu, de um jeito que mais desafiava do que agradava. — Eu sei o seu nome. Ele parou, franzindo o cenho. — Como sabe o meu nome? — Eu vi. Vi você chegando. Vi seus passos pesados e sua decisão antes de abrir aquela porta. E o seu pai... ele está entre a vida e a morte. Quando você chegar até ele e disser que vai se casar comigo e não com a filha daquela escória, ele vai morrer. Vitório apertou os olhos, sentindo um arrepio estranho. — Você é uma feiticeira? Ela deu um pequeno riso, com um brilho de orgulho no olhar. — Não, eu sou uma cigana. Me dê a sua mão. Ele deu um passo para trás, desconfiado. — Você está ficando louca? — Me dê a sua mão, Dom Vitório — insistiu, com a certeza de quem não aceitava um não. Relutante, ele estendeu a mão. As pontas dos dedos de Sara deslizaram pelas linhas da palma dele como se percorressem mapas secretos. — Aqui... eu vejo frieza. Vejo que você é da máfia, mas não porque quis. Você é justo com quem merece justiça, mas também sabe ser impiedoso com quem brinca com você. O Terenzi mentiu para você. Meu pai não deve nada a ele. Ele invadiu o nosso acampamento, mandou me sequestrar. Meu pai não deve nada. Ciganos não param em lugar nenhum, não devem a ninguém. Vitório franziu o cenho, os olhos ficando mais sombrios. — E a filha dele? — Você tem a obrigação de salvá-la. Ele vai vender a própria filha para um velho asqueroso, impiedoso. Abra os olhos, Dom Vitório. Muita gente vai querer te derrubar. Mas se você continuar no caminho que está seguindo, ninguém vai conseguir. Você vai viver muitos anos, com muita saúde. Mas pare de fumar... e pare de beber. Vitório riu, um som rouco e incrédulo. — Você é uma bruxa. Sara apenas sorriu, soltando a mão dele. — Não, Don Vitório. Eu sou a cigana que o destino colocou no seu caminho. Agora cabe a você decidir se vai me domar... ou se vai ser domado. Ele a observou em silêncio, sentindo que, pela primeira vez em anos, não era ele quem estava no controle daquela conversa. Enquanto caminhavam para fora da boate, Vitório lançou um olhar de avaliação para ela. — Qual é o seu nome? — Sara Varga Santino. Ele arqueou a sobrancelha. — Onde está a sua tribo? Ela respirou fundo, sentindo a dor latejando no peito. — Estávamos na fronteira. Mas depois do que aconteceu, não sei se meus pais ainda estão lá. Vitório assentiu. — Eu vou mandar meus homens verificarem. Se eles estiverem, mandarei que venham até mim. Ela o encarou firme. — Mande. Ele deve estar preocupado. E se você vai casar comigo, tem que pedir permissão a ele. Cigano não casa com não-ciganos sem a bênção do patriarca. Vitório a olhou de lado, uma mistura de divertimento e irritação. — Você é muito atrevida. — Não, Don Vitório. Não sou atrevida. Mesmo que você tenha me salvado de um destino cruel, você tem o dever e a honra de pedir ao meu pai. Mesmo que seja simbólico. Ele não vai dizer não, porque sabe o que isso representa. Mas você precisa dar esse poder a ele. Ele merece. Vitório soltou um suspiro. — Quantos anos você tem? — Dezoito. Ele balbuciou uma praga. — Você é uma criança. Ela deu um passo mais próximo, os olhos verdes faiscando. — Criança nada. Eu tenho dezoito anos, mas minha alma é velha. Tenho mais experiência de vida do que você, Don Vitório. Ele riu, balbuciando: — Meu Deus do céu. Vou ter que te domar. Ela sorriu com ironia. — Tenta. Matteo, o irmão de Vitório, que acompanhava a cena de longe, se aproximou rindo. — Você arranjou uma, Vitório. Vai ter trabalho para domar essa aí. Sara se voltou para Matteo. — E você também. Vai ter que ter muito cuidado. Porque a mulher que cruzar o seu caminho vai te domar também. Enzo, o primo, soltou uma gargalhada. — E você deve ser o primo dele, né? — disse Sara, com um olhar penetrante. Enzo sorriu, curioso. — E eu sou o outro também, não é? Ela deu um sorriso misterioso. — Você também será domado. Mas a sua vai vir de longe... de muito longe. Enzo estalou os dedos e riu alto. — Essa mulher é uma bruxa. Vitório sacudiu a cabeça, mas não conseguiu esconder o sorriso. Sabia que, de alguma forma, a cigana acabava de colocar toda a dinastia Balestra nas mãos dela. E ele estava disposto a ver onde aquele destino os levaria.