O ACORDO ROMPIDO
O salão privado da boate era iluminado por lustres de cristal, mas o brilho opaco não escondia a sujeira que impregnava as paredes daquele encontro. Don Vitório Salvatore Balestra, com trinta anos de presença e frieza, adentrou o recinto ladeado por Matteo, seu irmão, e Enzo, o primo e chefe da segurança. O trio carregava nos passos a autoridade de uma dinastia que não se vendia facilmente. Massimo Terenzi, recostado em uma poltrona de couro, levantou-se com um sorriso falso. — Don Vitório. Que honra tê-lo aqui para selarmos essa união histórica entre as nossas famílias. Preparei uma recepção para o senhor. Vitório não retribuiu o gesto. Seus olhos percorreram o local, atentos a cada detalhe. Ele sabia que as palavras de Terenzi eram veneno disfarçado de cortesia. — Antes de pensar em recepção, Terenzi, me explique por que minha casa está tão imunda. Este lugar deveria ser um ambiente de negócios, um cartão de visitas para atrair grandes investidores, e o que vejo aqui é um cortiço. Mandem fazer uma reforma imediatamente. Se meu pai, o antigo Capo, não se incomodava com essa sujeira, eu me incomodo. Quem assumiu agora fui eu, e os nossos negócios precisam refletir a nossa presença. Eu não vou mais pisar aqui e ver essa decadência. Terenzi tentou manter a compostura, mas um leve estremecer denunciou sua inquietação. — Don Vitório, apenas negócios. Você sabe como funciona. Aliás, hoje temos um leilão especial. Uma joia rara dos ciganos. Sangue fervendo, indomável. Uma cigana espanhola, jovem, que será leiloada por dívidas do pai dela. Vitório cerrou o maxilar. Seus olhos, frios como o aço, perfuraram os de Terenzi. — Tragam essa cigana. Quero ver o que vocês estão fazendo. Minutos depois, Sara Varga Santino foi arrastada até o salão. Quando ela entrou, o ambiente se calou. A jovem, de uma beleza selvagem, com olhos verdes faiscantes, ergueu o queixo com orgulho. Ela não olhou ao redor procurando ajuda. Não tinha medo em seu semblante, apenas ódio. Um ódio que se cravou diretamente nos olhos de Vitório. Vitório caminhou até ela, lentamente, com a elegância de um predador seguro do próprio poder. — É essa jovem que você vai sacrificar, Terenzi? — Negócios, Don Vitório. Ela é uma oferta de boa-fé. E minha filha... — tentou rebater Terenzi. Vitório ergueu a mão, interrompendo-o. — Eu não vou me casar com sua filha. Ela é uma criança. Você está ficando louco? Eu escolho minha própria noiva. E ela está aqui. — ele se virou, indicando Sara. — Esta mulher será a esposa do Don. Não uma moeda. Não uma oferta. Não uma vítima. O salão se calou. Terenzi empalideceu. — Don Vitório, pense bem... — insistiu. — Não há mais acordo. Você atravessou uma linha que ninguém atravessa comigo. — Vitório se aproximou, a voz mais baixa e mais perigosa. — Eu estou de olho em você, Terenzi. Nos seus negócios, nas suas mentiras. Caminhe com cuidado. Porque a próxima vez que souber de algo assim, não será uma conversa. Será um acerto de contas. Ele se virou para Sara, estendeu-lhe a mão com firmeza. — Vamos, La Mia Donna. Sara ergueu o queixo e aceitou a mão dele. Naquele instante, ela compreendeu que, mesmo em meio às correntes, havia acabado de conquistar o seu primeiro campo de batalha. A cigana não seria vendida. Ela seria a noiva do Don. E toda a máfia italiana aprenderia a respeitar o nome Varga Santino. Assim que Vitório e sua comitiva deixaram o salão, Massimo Terenzi desabou sobre a poltrona, batendo com raiva no apoio de braço. — Maldito! Ele vai falar com o Antigo Don. Ele precisa obedecer o Antigo Don. Ele tem que fazer essa aliança para que eu possa continuar no poder. Se não estou destruído. Se ele descobriu o que estou fazendo... Seu segundo, um homem de rosto duro e olhar calculista, se aproximou. — O senhor acha que ele não já descobriu? Ele veio aqui e já sabia da cigana. Ele está de olho no senhor, Capo Terenzi. Abre o olho. Fale com o Antigo Don. Mesmo enfermo, ele ainda tem voz. Talvez consiga convencer Vitório a reconsiderar. Terenzi esfregou o rosto, visivelmente perturbado. — Mas pelo que vi hoje... aquele homem é mais forte que o pai dele. E, no fundo, Terenzi sabia: a dinastia Balestra acabava de se transformar em algo que ele não podia mais controlar.