O carro preto deslizou silencioso pela alameda de ciprestes até a mansão Balestra, localizada no topo de uma colina onde o vento trazia o cheiro de mar e de poder antigo. Atrás do volante, Matteo mantinha o olhar firme na estrada, enquanto Enzo, no banco de trás, trocava olhares atentos com a jovem de olhos verdes — agora vestida com um vestido longo vinho, justo no corpo, de seda fina com fenda lateral, os cabelos soltos caindo em ondas sobre os ombros.
Vitório não falava uma palavra. Desde que saíram da boate, sua expressão era de granito. Mas seus olhos... Ah, seus olhos escuros estavam cheios de faíscas.
Ao cruzarem os portões de ferro da mansão, Sarah sentiu um calafrio. A construção era enorme, imponente, com colunas de mármore, portas talhadas à mão e varandas que mais pareciam sacadas de castelos.
— Estamos chegando — avisou Vitório.
Ela assentiu com a cabeça e respirou fundo.
No grande salão da mansão, sob a luz dourada de um lustre de cristal, aguardava Dom Alberto Balestra. Sentado em uma cadeira de rodas, coberto com um manto de lã cinza, os olhos fundos e a pele pálida denunciavam a doença que corroía seu corpo. Mas ainda havia ali a autoridade de um leão velho que não largava o trono.
— Fechou o acordo com Terenzi? — perguntou, com a voz arrastada, assim que o filho entrou.
Vitório parou diante dele. Sarah veio atrás, escoltada por Enzo e Matteo. Sua presença iluminava o ambiente como uma estrela rebelde.
— Não. — A resposta foi seca, direta.
— Como assim, não? — Dom Alberto ergueu a voz, um tanto rouca, mas com resquícios de poder. — Você sabe que precisamos daquela aliança. A máfia do Norte está de olho em nossos territórios. O casamento com a filha de Terenzi garantiria proteção e expansão!
— Eu fui até lá para investigar, pai. Jamais iria selar uma aliança com um capo corrupto que sequestra mulheres e as vende em nossa boate.
Dom Alberto piscou algumas vezes, confuso.
— Está exagerando... Todos sabemos que isso sempre aconteceu. Desde a época do meu pai.
— Pois não acontecerá mais. — Vitório se inclinou ligeiramente para frente. — Você viu as condições da nossa boate, ultimamente? Está imunda, decadente, cheirando a mofo e miséria. Está mais parecendo um cortiço de favores sujos do que um local de negócios.
— Eu não tenho ido lá. Faz tempo...
— Pois eu fui. E mandei reformar tudo. Já estão começando os reparos.
— Sem me consultar? — resmungou Dom Alberto, franzindo o cenho.
— Eu sou o Don agora, não sou? — Vitório respondeu com frieza. — A autoridade é minha. E sob minha liderança, não venderemos mais carne humana. A boate será uma fachada elegante para encontros e contratos, não um mercado de horrores.
Dom Alberto tentou se levantar, mas a fraqueza o venceu.
— Você está se achando muito puro para um mafioso, Vitório... Isso aqui é o mundo real. Não estamos na igreja.
Vitório sorriu. Mas era um sorriso gélido.
— Não sou puro. Mas também não sou podre. E diferente de você, eu sei distinguir até onde os negócios podem ir. A venda de mulheres está fora dos limites.
Ele então estendeu a mão para Sarah, chamando-a para o seu lado. Ela se aproximou com passos firmes, os olhos verdes encarando diretamente Dom Alberto. Havia uma força ancestral naquele olhar. Uma mistura de bravura cigana e profecia.
— Trouxe a minha noiva comigo.
Dom Alberto riu, sarcástico.
— Essa... essa daí? Você está maluco?
— Essa daí... — Vitório ergueu o queixo — é uma jovem que estava sendo leiloada como uma mercadoria na frente de homens nojentos. Ela tem sangue cigano, é orgulhosa, é valente, e não abaixou os olhos nem diante do maior dos monstros. Então, sim, é com ela que eu vou me casar.
— Mas... e a filha do Terenzi? — sussurrou Dom Alberto, já mais fraco. — Ela tem 15 anos...
— Exato. Uma criança. E você queria me obrigar a me casar com ela?
— E essa cigana aí tem quantos anos? Dezoito? Você trocou uma menina por outra?
— Ela tem dezoito. Mas carrega a alma de uma anciã. — Vitório se voltou para Sarah, que apenas sorriu com ironia. — E ela não estava se oferecendo. Estava sendo vendida por alguém que a sequestrou.
— Você está cometendo um erro grave. Vai jogar fora tudo o que construímos por causa de... de uma mulher?
— Não por causa de uma mulher. — Vitório deu um passo à frente. — Por causa do que eu acredito. Por causa da nova era que eu estou trazendo. Sob o meu comando, a máfia Balestra será temida, mas também será respeitada.
Dom Alberto deixou escapar um som gutural. Sua respiração ficou pesada. Matteo correu e pegou o copo com água. Enzo chamou a enfermeira.
Sarah, em silêncio, se aproximou. Com gestos suaves, segurou a mão do velho e o olhou nos olhos.
— O senhor sabe que vai partir em breve. — Sua voz foi suave, mas firme. — E sabe que ele é o homem certo para assumir. Ele tem coragem onde o senhor teve medo. Ele tem honra onde outros tiveram sangue. E ele vai liderar.
Dom Alberto a encarou como se visse uma assombração.
— Você... você viu isso?
Ela assentiu.
— Eu sou cigana.
E então, em uma última tentativa, ele murmurou:
— Vai se arrepender, filho...
— Talvez. Mas não mais do que me arrependeria se tivesse deixado aquela menina para trás.
E sem dizer mais nada, Vitório se voltou para o hall. Sarah o acompanhou com a cabeça erguida. Matteo e Enzo os seguiram, silenciosos, como se soubessem que aquele momento era o marco do fim de uma era.
E o começo de outra.