Capítulo 05.

JÚLIA MONTENEGRO NARRANDO:

Meus dedos ainda tremiam.

Saí da loja com o coração disparado, os olhos marejados, a raiva borbulhando no peito como lava. O tapa na cara da Carolina ecoava na minha mente, mas nem isso aliviava o nó no estômago. Eu queria gritar. Correr. Vomitar. Qualquer coisa que me fizesse esquecer aquela cena absurda: ela dizendo que amava o Fernando, como se isso justificasse a traição.

Quando dobrei a esquina e vi a portaria do meu prédio, meus passos vacilaram. Só queria sumir. Me esconder de tudo. Da dor, da vergonha, do caos.

— Dona Júlia — chamou o porteiro assim que me viu.

— O seu noivo… digo, o Fernando… ele veio aqui várias vezes hoje. Subiu e desceu, ficou esperando, tentou te ligar…

Senti o sangue ferver.

— Ele não é mais meu noivo, seu Geraldo — cortei, firme, ainda ofegante.

— E eu quero que o senhor anote isso aí no sistema, no caderno, onde for: o Fernando tá proibido de entrar nesse condomínio. De jeito nenhum ele pode subir de novo, entendeu?

O senhor Geraldo arregalou os olhos, mas assentiu.

— Entendido, claro, dona Júlia. Pode deixar.

— E mais uma coisa… me arruma o número de um chaveiro. Quero trocar a fechadura ainda hoje.

Ele coçou a cabeça, surpreso, mas pegou o telefone, começou a procurar e me entregou um cartão de visita do chaveiro.

Eu só queria apagar qualquer traço do Fernando da minha vida. Nem a tranca da porta escaparia.

Subi exausta. As pernas pesavam como chumbo. Quando entrei no apartamento, travei a porta, digitei uma mensagem rápida para o chaveiro, joguei a bolsa no chão e fui direto pro banheiro.

Tirei a roupa no caminho. Cada peça que caía parecia arrancar um pedaço da dor. Abri o chuveiro no máximo, entrei e deixei a água escorrer quente pelas costas. Quase fervendo. Como se pudesse me purificar de tudo que ele me fez.

Fiquei ali por longos minutos, talvez mais de uma hora. O tempo se dissolveu junto com o resto da minha dignidade.

Quando finalmente saí, enrolei o corpo na toalha, fui até a cozinha, abri a garrafa de vinho tinto mais encorpado que eu tinha e me servi sem pensar duas vezes.

Dei o primeiro gole sentindo a garganta arder. Um segundo depois, as lágrimas vieram. Pesadas. Silenciosas. Desesperadas.

E eu deixei.

Porque, pela primeira vez nesse dia, eu não precisava fingir que estava tudo bem. Não ali. Não sozinha.

Me sentei no chão frio da sala, com a taça de vinho nas mãos e a toalha ainda enrolada no corpo, sentindo a cabeça girar com tudo que tinha acontecido nos últimos dias. Era como se o mundo tivesse desabado em câmera lenta e, mesmo assim, eu não conseguisse fazer nada pra evitar o impacto.

Fechei os olhos por alguns segundos, tentando bloquear as imagens que insistiam em me invadir. Fernando sorrindo pra mim no dia em que me pediu em casamento. Fernando escolhendo o anel junto comigo, dizendo que não era só amor, era certeza. Fernando me prometendo um futuro, enquanto, pelas minhas costas, dividia a cama com a minha melhor amiga.

Soltei um riso amargo. Irônico. Como eu fui idiota.

Terminei a taça num gole só e me levantei com dificuldade. O corpo estava leve pela bebida, mas pesado pela dor. Fui até o quarto, escolhi qualquer roupa no armário, uma calça de moletom cinza e uma blusa de manga longa, simples, confortável. Não tinha cabeça pra pensar em nada que envolvesse espelho.

Prendi o cabelo num coque malfeito, respirei fundo algumas vezes em frente à pia do banheiro. Eu não parecia eu. Os olhos estavam inchados, a pele pálida, o olhar perdido. Mas ainda estava de pé. E isso era alguma coisa.

O interfone tocou, me fazendo dar um pequeno pulo.

— Dona Júlia? — era o senhor Geraldo de novo.

— O chaveiro já chegou, posso mandar subir?

— Pode sim, obrigada.

Minutos depois, o som das ferramentas ecoava pela porta. O chaveiro, um homem simpático de uns cinquenta e poucos anos, fazia o serviço com agilidade.

— Problemas com segurança? — ele perguntou, enquanto desmontava a maçaneta.

— Algo assim — respondi, seca. Não queria conversar, e ele entendeu.

Fiquei em pé, parada no meio da sala, abraçada ao próprio corpo, ouvindo o som metálico que parecia, de certa forma, simbólico. Cada volta do parafuso, cada peça sendo substituída, era como um gesto silencioso de que tudo estava mudando. A porta era a mesma. Mas o que entrava por ela… isso, a partir de hoje, não seria mais igual.

Quando ele terminou, me entregou duas chaves novas.

— Pronto. Tá segura agora.

Assenti, paguei, peguei as chaves e agradeci com um fio de voz. Fechei a porta atrás dele e travei todas as trancas. Duas vezes.

Abracei as chaves contra o peito, como se fossem escudos. E por um segundo, tive vontade de gritar. Gritar tudo. A dor, a vergonha, a solidão. Mas não saiu nada.

Só lágrimas de novo.

Chorei em silêncio até escurecer por completo lá fora. E quando me dei conta, eu estava sentada na beirada da cama, com a garrafa de vinho quase vazia do lado, as mãos trêmulas e a alma em pedaços.

Mas ele não ia mais entrar.

Nem com chave.

Nem com palavras.

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