capítulo 4

Juliana Bezerra

Karina pegou minha mala como se fosse obrigação dela me carregar dali pra frente.

— Vamos pra casa. Você deve estar exausta. O voo foi tranquilo?

— Foram quase doze horas de viagem, fora a escala em São Paulo... eu tô morta. suspirei. — E ainda enjoei umas três vezes.

Ela riu, balançando a cabeça.

— Você sempre passando mal quando fica nervosa. Mas agora acabou. Bem-vinda a Londres, Ju.

Saímos do aeroporto e o céu estava nublado, típico. O cheiro do frio pareceu atravessar meu casaco simples. Entramos no carro que ela tinha, e enquanto dirigia, ela começou a apontar tudo pela janela.

— Eu moro em Greenwich, você vai amar. É tranquilo, seguro, cheio de árvores, parques, gente simpática... tem uma vista perfeita do Tâmisa. Ela sorriu. — E tem a minha casa, que agora também é sua.

Meu peito aqueceu.

— Karina... eu não quero te dar trabalho.

— Cala a boca. Ela sorriu de canto. — Eu esperei anos pra você sair daquele inferno. Agora deixa eu cuidar de você um pouco.

Fiquei em silêncio, olhando a cidade cinzenta passando pela janela. As ruas eram diferentes, os prédios tinham uma arquitetura que parecia de filme, os carros vinham do lado errado e eu percebi o óbvio:

— Eu realmente não sei falar inglês, Karina...

— E eu já te disse: você vai aprender. Com calma, no seu tempo. Ela colocou a mão no meu ombro. — Primeiro, você vai descansar. Depois, vamos correr atrás do seu novo começo.

Fechei os olhos por um segundo, sentindo finalmente a liberdade que eu tanto sonhei. Era assustadora, mas também linda.

Eu estava em outro país. Começando do zero. Com uma mala, um passaporte, e a esperança de que dessa vez… minha vida fosse só minha.

Quando viramos na rua de Greenwich onde Karina morava, senti meu corpo enfim relaxar. As casas tinham fachadas charmosas, pintadas de cores suaves, com jardins pequenos e cuidadosamente arrumados. Nada extravagante — bonito na medida certa. A cara dela.

Ela estacionou em frente a uma casinha geminada, com portas brancas e janelas grandes.

— Chegamos, Ju. É simples, mas é nosso cantinho, disse ela, abrindo o portãozinho de madeira.

Entrei atrás dela e, assim que coloquei os pés na sala, meu queixo quase caiu.

O lugar era pequeno, sim. Mas tão aconchegante que parecia me abraçar.

Um sofá cinza claro, fofo e limpo. Uma estante com livros organizados por cor típico da Karina — e uma TV grande presa na parede. No canto, uma planta enorme com folhas brilhantes que dava vida ao ambiente.

— Meu Deus, Karina… que casa linda.

— Eu tentei deixar o mais acolhedor possível ela respondeu com orgulho, passando a mão no sofá. — E arrumei seu quarto ontem. Vem ver.

Fui seguindo-a por um corredor estreito. À esquerda, o quarto dela. À direita, o meu.

Quando ela abriu a porta, senti um arrepio.

Era pequeno, como ela havia dito, mas tão confortável que me deu vontade de chorar de novo. Um colchão bom, com roupa de cama cheirosa. Uma mesinha de cabeceira e uma luminária delicada. Uma cômoda branca onde eu poderia guardar minhas roupas. E uma janelinha que dava para o quintal.

— Aqui é seu, amiga. Pelo tempo que você quiser.

— Karina… eu não sei nem como te agradecer.

Ela me olhou com aquela expressão protetora que sempre teve.

— Agradece ficando viva. Deu de ombros. — E recomeçando. É só isso que eu quero.

Coloquei minha mala no canto e respirei fundo, tentando absorver tudo aquilo. A paz. O silêncio. O cheiro de limpeza. A sensação de segurança que eu não lembrava mais como era.

— Você não devia estar de plantão hoje? perguntei, sentando na cama.

— Devia. Ela riu, cruzando os braços. — Mas eu liguei dizendo que precisava do dia para resolver situação familiar. E tenho certeza que meu chefe entendeu exatamente o que isso significa.

Olhei para o roxo no meu olho refletindo na telinha do celular apagado.

— Eu tô tão cansada, Karina…

Ela sentou ao meu lado e passou o braço pelos meus ombros.

— Então hoje você não vai fazer nada. Vai tomar um banho quente, comer alguma coisa, e dormir.

Assenti, sentindo novamente a vontade de chorar.

— Obrigada, amiga sussurrei.

— Sempre, Ju. Eu tirei essa folga pra isso mesmo: cuidar de você.

Karina desceu para a cozinha enquanto eu tomava um banho rápido. A água quente escorrendo pelas minhas costas parecia derreter um pouco da tensão que eu carregava. Quando saí, com uma roupa limpa que ela deixou separada para mim, o cheiro do jantar me guiou até a cozinha.

Era pequeno o espaço, mas organizado como tudo na casa dela: uma mesa de madeira clara, duas cadeiras, luz amarela suave iluminando o ambiente… e uma panela fumegando no fogão.

— Fez comida mesmo? sorri fraco, me aproximando.

— Claro. Você acha que eu ia deixar você dormir só com o estresse na barriga? Ela colocou dois pratos na mesa. — Fiz macarrão com frango e legumes. Simples, mas gostoso.

Me sentei e senti meu corpo relaxar pela primeira vez em dias.

— Karina… eu não sei como você conseguiu pensar em tudo tão rápido.

Ela me lançou um olhar carinhoso.

— Porque você teria feito o mesmo por mim. E porque… respirou fundo — eu tinha medo de abrir o celular um dia e não te ver mais online. Não ia esperar isso acontecer.

A comida estava deliciosa, mas a sensação de estar segura era ainda melhor.

— Aqui… parece tão silencioso comentei, observando a janela mostrando a rua tranquila lá fora.

— É um bairro bom. Calmo. E pode confiar: ninguém vai bater nessa porta atrás de você. Nunca.

Um nó se formou na minha garganta. Desviei o olhar, mastigando devagar.

— Eu tô com tanto medo de acordar e descobrir que tudo isso foi só um sonho.

Karina estendeu a mão e apertou a minha.

— Não é sonho. É realidade. E agora é a sua vida nova, Ju. Uma vida longe daquele homem.

Respirei fundo, sentindo o ar entrar quente e sair pesado.

— Obrigada. De verdade. Eu não tenho mais ninguém aqui…

— Tem a mim ela disse firme. — E enquanto você estiver comigo, ninguém toca em você.

Terminamos de comer em silêncio confortável. Depois, ela recolheu os pratos e praticamente me expulsou para o quarto.

— Vai dormir. Hoje você descansa. Eu fico acordada caso você precise. Qualquer coisa, b**e na minha porta.

Assenti, sentindo um cansaço profundo tomando conta do meu corpo.

Entrei no quarto. A luz fraca da luminária deixava tudo mais acolhedor. Deitei na cama e, quando minha cabeça encostou no travesseiro, senti meu peito afrouxar.

O colchão era macio. O cobertor tinha cheiro de lavanda. A casa era silenciosa, segura, calma.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP