Capítulo 3

Juliana Bezerra

Eu mal tinha dado cinco passos para fora do prédio quando minhas pernas começaram a tremer. Não era medo de voltar atrás… era medo de não conseguir chegar até o fim.

Mas eu respirei fundo, segurei firme a alça da mochila e andei rápido até a esquina antes de finalmente pegar o celular.

Meus dedos estavam gelados.

Toquei no nome da Karina e levei o aparelho ao ouvido.

Ela atendeu tão rápido que parecia ter ficado a noite inteira olhando para o telefone.

— Ju? Pelo amor de Deus, fala comigo!

Minha voz saiu trêmula, mas cheia de um alívio que eu ainda nem acreditava.

— Kari… eu consegui. Peguei todos os documentos, o passaporte, a passagem… eu tô indo pro aeroporto agora. O André demorou pra dormir… mas deu certo.

Ela soltou um suspiro tão forte que quase pude sentir daqui.

— Graças a Deus! Minha amiga, eu tava com o coração na mão. Você tá bem? Ele não viu nada?

— Não. olhei para trás, só para ter certeza. — Ele apagou de vez. Bêbado. Roncando. Eu saí devagar… acho que ele nem vai notar até amanhã.

— Ju, escuta. Agora é você e o mundo. Não olha pra trás, tá? Eu tô aqui. Quando você pousar, eu te espero no aeroporto. A gente vai resolver tudo. Eu prometo.

Sorri pela primeira vez naquele dia… talvez pela primeira vez em meses.

— Eu confio em você, Kari. Se não fosse você, eu… minha voz falhou — eu ainda estaria lá dentro.

— Nunca mais. ela respondeu firme, como se decretasse um novo destino. — Agora você vem pra cá e vai recomeçar. E eu vou estar do seu lado pra tudo. Você é forte, Juliana. Só precisava de uma mão pra sair.

Olhei para o céu escuro, cheio de estrelas escondidas pela luz da cidade.

Era estranho. Ao mesmo tempo que parecia um fim, também era um começo.

— Eu tô indo, amiga. De verdade.

Uma parte de mim ainda não acredita que eu tô fazendo isso.

— Tá fazendo sim. E vai dar tudo certo. Me manda mensagem quando chegar no aeroporto. Não some. Você não tá sozinha, ouviu?

— Ouvi…

Eu estava indo embora.

Eu estava viva.

E eu estava, finalmente… livre.

O caminho até o aeroporto parecia um sonho estranho. Eu estava dentro do ônibus, abraçando minha mochila contra o peito como se ela pudesse me proteger do mundo. O interior do Rio de Janeiro ficava cada vez mais distante pela janela, junto com tudo que eu queria esquecer.

Meu voo sairia do Aeroporto Internacional do Galeão. Karina havia comprado a passagem com apenas uma escala em Lisboa, o que deixava a viagem ainda mais longa… mas também mais segura. Eu estaria fora do Brasil antes que André percebesse.

Foram 2 horas de estrada até o Rio.

E, durante todo o caminho, eu olhava para trás com medo de ver o rosto dele no vidro do ônibus. Mas ele não apareceu.

Nem poderia. Ele ainda devia estar desmaiado no sofá.

Quando o ônibus parou no terminal, a respiração me falhou por um instante. O Galeão era enorme, cheio de luzes, de vozes, de gente apressada puxando malas.

Eu era só uma mulher com um olho roxo, fugindo da própria vida.

Fiz o check-in com as mãos trêmulas. A funcionária viu meu rosto marcado, mas não disse nada. Apenas sorriu de um jeito que me fez sentir vista — e acolhida.

Depois da fila da imigração, sentei perto do portão de embarque.

A tela mostrava:

Rio de Janeiro ✈ Lisboa — 10h05 de voo

De lá, um segundo voo:

Lisboa ✈ Londres — 2h30 de voo

No total, seriam cerca de 14 horas, sem contar o tempo de espera entre um voo e outro.

Uma eternidade… e ao mesmo tempo, um portal.

Karina mandou mensagem:

Kari:

"Amiga, respira. Quando você pisar aqui, sua vida muda. Tô te esperando."

Eu apertei o celular contra o peito e deixei as lágrimas caírem — silenciosas, libertadoras.

Quando anunciaram o embarque, meu coração quase saiu pela boca.

— Senhoras e senhores, passageiros do voo para Lisboa, apresentem seus cartões de embarque…

Levantei. Minhas pernas estavam bambas.

Ao entregar o passaporte, senti uma onda quente de coragem subir pelo meu corpo.

Eu estava indo.

Dentro do avião, o cansaço bateu pela primeira vez.

Enquanto ele ganhava altitude, olhei pela janelinha e vi o Brasil ficando pequeno… tão pequeno que parecia possível deixá-lo para trás junto com o medo.

Eu dormi, chorei, acordei, tentei comer… e dormi mais um pouco.

O voo foi longo. Muito longo. Mas, quando pousamos em Lisboa, eu senti algo novo: esperança.

Esperei algumas horas no aeroporto, observando pessoas falando português com aquele sotaque diferente.

Pela primeira vez, não senti vergonha por não entender tudo.

Pela primeira vez, eu era só uma viajante.

O segundo voo até Londres passou rápido. Duas horas e meia que pareceram dez minutos.

E quando o comandante anunciou a aproximação, meu coração acelerou como se fosse pular.

Londres.

Cinza, fria, enorme… e de alguma forma, minha.

Quando atravessei o portão da imigração e andei até a área de desembarque, meus olhos procuraram sem nem perceber.

E lá estava ela.

Karina.

Sorrindo. Chorando. Com os braços abertos como se fosse me abraçar desde o Brasil.

Larguei a mala no chão e fui direto para ela.

Ela me envolveu tão forte que meu peito finalmente desabou em segurança.

— Você conseguiu, Ju… ela disse com a voz embargada. — Você conseguiu.

Eu respirei fundo, sentindo o cheiro do perfume dela e o frio de Londres batendo no meu rosto.

— Eu tô aqui, Kari. De verdade. — respondi, com lágrimas caindo. — Eu tô livre.

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