No dia seguinte, chego na boate mais cedo que o habitual.
Preciso conversar com a gerente sobre minha escala, e também preciso... me preparar mentalmente para encarar Leo. Ainda sinto a pele formigar ao lembrar da noite anterior. Aquela quase... quase... coisa que não aconteceu. Mas que ficou martelando na minha mente a noite inteira. — Lucy — a gerente, Carla, me chama assim que entro. — O Leo pediu pra você ir direto pra sala dele quando chegasse. Merda, eu ainda não estava preparada para encará-lo assim tão cedo. — Disse por quê? — pergunto, tentando soar casual. — Só mandou você ir. — ela responde, dando de ombros. — Boa sorte. "Boa sorte"? Isso não me tranquiliza nem um pouco. Respiro fundo e subo as escadas. Bato na porta. — Entre. — a voz grave responde imediatamente. Empurro a porta devagar. Leo está sentado à mesa, a expressão séria. Ele fecha a pasta de documentos à sua frente e se inclina para frente, apoiando os antebraços na mesa. — Senta, Lucy. Obedeço, sentindo a tensão no ar. Por um segundo, ficamos em silêncio, apenas nos olhando. Sinto o calor subir pela minha pele como fogo. Finalmente, ele fala: — Estou mudando sua função. Arqueio uma sobrancelha. — O quê? Ele respira fundo, como se já esperasse minha reação. — Quero você trabalhando apenas nos bastidores. Supervisão de figurinos, organização de camarins, coordenação de entradas de palco. Sem mais contato direto com os clientes. Fico olhando para ele, sem saber se grito ou rio. — Você está me punindo? — pergunto, mordaz. Ele franze o cenho. — Claro que não. — Então por que essa mudança repentina? Leo se recosta na cadeira, passando a mão pelo cabelo de um jeito nervoso que raramente vejo. — Porque não quero mais você exposta. Não daquele jeito. — Seu tom é grave. — Não quero mais ver nenhum babaca tentando colocar as mãos em você. Meu coração dá um salto estranho. — Leo, esse é o meu trabalho. Sempre foi. — Não com você. — Ele me encara, a mandíbula tensa. — Você é diferente. Minhas mãos tremem em cima do colo. — E se eu não quiser mudar de função? Ele sorri de um jeito amargo. — A decisão é minha, Lucy. Não estou perguntando. Estou te informando. Arquejo a sobrancelha. — Isso é autoritário até para você. — Chame como quiser — ele diz, levantando-se. — Prefiro ser autoritário do que te ver sendo assediada de novo. Ele caminha até onde estou sentada. Para bem na minha frente. Tão perto. Tão irresistivelmente perto. — Não estou fazendo isso só como seu chefe — ele confessa, a voz rouca. — Estou fazendo como homem. Como um homem que não consegue mais suportar a ideia de outros te tocando, te olhando, querendo você. Sinto o ar desaparecer dos meus pulmões. — Leo... — sussurro. Ele se agacha na minha frente, os olhos nos meus. — Me odeie se quiser — ele diz, a voz baixa, rouca — mas aceite isso. O resto do dia passa em uma mistura de revolta e... algo que não quero nomear. O novo trabalho não é ruim. Na verdade, é até melhor: mais organizado, mais estratégico, menos exposta. Mas isso significa também que estou ainda mais próxima de Leo. Ele passa nos bastidores o tempo todo. Corrige detalhes comigo. Confere figurinos comigo. Me chama para resolver questões pequenas que claramente ele mesmo poderia resolver. E toda vez que nossos dedos se tocam sem querer — ou de propósito — sinto o mundo balançar sob meus pés. — Então, agora é chefe da produção? — Felícia brinca, cutucando meu ombro. Dou de ombros. — Algo assim. Ela me olha de lado, desconfiada. — Isso tem a ver com o Leo, não tem? Não respondo. Mas meu silêncio fala mais alto que qualquer palavra. Felícia gargalha. — Ai, amiga... isso ainda vai dar muito o que falar. Naquela noite, estou recolhendo alguns figurinos esquecidos no camarim quando a porta se fecha atrás de mim. Viro rapidamente e encontro Leo parado ali, olhando para mim como se estivesse vendo algo que deseja mais do que o ar que respira. — Está tarde — ele diz, a voz rouca. — Estou terminando de guardar tudo. — respondo, tentando manter a compostura. Ele fecha a porta, trancando-a. Meu coração quase para. — Leo... o que você está fazendo? Ele dá dois passos lentos na minha direção. — Cansado de fingir. — Sua voz é baixa, cheia de intenção. Recuo até minhas costas tocarem a parede. Ele para a poucos centímetros de mim, as mãos apoiadas na parede ao lado da minha cabeça, me encurralando sem me tocar. — Diga pra mim, Lucy — sua voz é um sussurro rouco. — Diga que você também sente isso. Sinto meu corpo inteiro vibrar. Meu coração martela tão alto que tenho certeza de que ele pode ouvir. — Eu sinto. — confesso, sem conseguir mentir. Seus olhos se fecham por um segundo, como se saboreasse minhas palavras. — Diga pra mim, que devo parar o que estou prestes a fazer. — ele pede de novo. Mas, mais uma vez, eu não digo. Leo aproxima o rosto do meu. Nossos lábios quase se tocam. A tensão é sufocante. Mas, no último segundo, ele encosta a testa na minha e geme baixinho. — Não assim. — sussurra. — Você merece mais do que isso. Eu não posso te dar um relacionamento cheio de romantismo, eu não posso ser o homem que deseja. Ele se afasta devagar, como se cada centímetro de distância fosse uma tortura. — Vai pra casa, Lucy. — sua voz é um sussurro rouco. — Antes que eu faça algo que não possa desfazer. Mordo o lábio para tentar conter as lágrimas, porque eu tenho que gostar de quem não gosta de mim? Porque ele me deu esperança de algo que nunca aconteceria? Saio do camarim tremendo, o corpo inteiro em chamas. Leo não é homem para mim, temos muitas diferenças, e isso está me matando.