Capítulo 7

  O carro avançava pelas ruas iluminadas da cidade, as luzes refletindo no vidro e criando jogos estranhos que me distraíam, mas só por alguns segundos. O silêncio entre nós era quase sufocante, e Russ parecia mergulhado em pensamentos, olhando pela janela como se o mundo lá fora fosse mais interessante do que eu, sentada a poucos centímetros dele. Eu não sabia se queria quebrar o silêncio ou deixá-lo crescer até se tornar insuportável.

  — Vou levá-la de volta ao hotel. — A voz dele surgiu de repente, firme, mas com uma cadência estranhamente calma. Apenas isso. Sem justificativa, sem explicações.

  Franzi o cenho, virando o rosto em sua direção.

  — Algum dia você vai responder às minhas perguntas? — Minha voz soou mais desafiadora do que eu pretendia.

  Russ não desviou o olhar da janela.

  — Não respondo perguntas.

  Senti um frio na boca do estômago. Ele mudava de humor como quem muda de roupa. Uma hora parecia quase humano, na outra voltava a ser aquele homem inacessível e frio.

  O caminho até o hotel pareceu eterno. Quando finalmente chegamos, ele saiu do carro comigo, como se quisesse se certificar de que eu chegaria ao quarto. Não sei se era cuidado ou controle — talvez um pouco dos dois.

  Ao pararmos diante da porta, ele falou com naturalidade:

  — Quero que passe a noite aqui.

  Pisquei, surpresa, e então cruzei os braços.

  — Por qual motivo eu dormiria aqui, se tenho a minha casa?

  Os olhos dele se estreitaram, mas não houve irritação explícita, apenas aquela impassibilidade desconcertante.

  — Já disse que não respondo perguntas. Mas imagino que esteja cansada. Quero que descanse em um lugar confortável.

  Soltei uma risada seca. 

  — Minha casa é confortável o suficiente. Não preciso de um hotel para dormir bem.

  Russ não parecia acostumado a ser contrariado. Sua postura rígida denunciava isso.

  — Durma aqui.

  Balancei a cabeça.

  — Só durmo se você responder pelo menos uma das tantas perguntas que eu tenho.

  Ele me encarou, como se aquilo fosse uma negociação absurda, mas hesitou. Por fim, inclinou levemente a cabeça.

  — O que você quer saber?

  Meu coração acelerou. Ele estava abrindo uma brecha. Respirei fundo.

  — Por que você me deu tanto dinheiro naquele encontro?

  Russ suspirou, quase como se estivesse cansado.

  — Porque você mereceu. Aguentou um bando de homens chatos, uma noite deprimente, enquanto poderia estar em casa… ou fazendo qualquer outra coisa que fosse mais agradável.

  Observei-o em silêncio. A explicação parecia lógica, mas não me convencia.

  — Ainda não acredito que seja só isso.

  Ele não rebateu. Apenas me olhou, como se deixasse no ar a possibilidade de existir mais, mas sem a intenção de entregar nada além daquilo.

  Eu desisti de insistir.

  — Você é um enigma, Russ. — Dei um meio sorriso sem graça. — E espero, sinceramente, que esse seja o nosso último encontro.

  Algo nos olhos dele se quebrou. Por um instante, vi a sombra de mágoa refletida em seu olhar. A reação me pegou desprevenida.

  — Se é isso que deseja… ao menos me diga o motivo. — Sua voz estava mais baixa, quase rouca.

  Engoli em seco.

  — Você me confunde. Nunca sei o que esperar de você. E não entendo por que quer a mim para acompanhá-lo, quando poderia ter qualquer outra garota… mais bonita, mais experiente.

  Russ me encarou, firme, sem piscar. E então soltou a pergunta que me deixou sem ar:

  — Por que você me odeia?

  — Eu não o odeio. — A resposta saiu rápida, quase desesperada. — Não o conheço o suficiente para isso. Mas eu odeio como você me faz sentir em alguns momentos.

  Ele fechou os olhos por um segundo, como se aquilo fosse um golpe. Quando os abriu novamente, havia uma sinceridade desconcertante.

  — Me desculpe. Não era minha intenção deixá-la desconfortável.

  Houve um silêncio pesado, carregado de palavras que nenhum dos dois teve coragem de dizer. Então, sem esperar minha resposta, ele deu um passo à frente, se aproximando o suficiente para que eu sentisse o perfume amadeirado que parecia impregnar sua pele.

  — Boa noite, Lucile. — disse, e sua voz soou mais íntima do que deveria.

  E antes que eu pudesse reagir, Russ se afastou, me deixando na porta do quarto, dividida entre entrar e ceder ao descanso ou correr atrás dele para arrancar as verdades que ainda escondia.

  Mas meus pés ficaram presos ao chão, e meu coração, preso a uma pergunta que ele jamais responderia facilmente.

  Fiquei parada na porta do quarto, segurando a maçaneta como se fosse um porto seguro, tentando entender o que havia acabado de acontecer. Russ tinha se afastado, mas a presença dele continuava impregnada no ar, como se o perfume dele tivesse se agarrado às paredes, ao meu corpo, ao meu próprio pensamento.

  Empurrei a porta devagar, entrei e fechei atrás de mim. O silêncio do quarto de hotel era diferente do silêncio do carro. Aqui ele parecia maior, mais profundo, como se cada centímetro do espaço estivesse me observando. Larguei a bolsa em cima da poltrona e caminhei até a janela, afastando as cortinas. Lá fora, a cidade brilhava em cores e movimentos, indiferente ao turbilhão dentro de mim.

  Suspirei, tentando organizar as peças de um quebra-cabeça que nunca se completava. Russ era um mistério que se recusava a ser resolvido. Não era apenas o dinheiro, não era apenas a forma como ele me olhava — sempre como se visse algo que nem eu mesma conseguia enxergar. Era a sensação constante de que ele me arrastava para uma zona cinzenta, entre querer fugir e querer descobrir o que se escondia atrás de cada gesto dele.

  Andei até a cama, sentei na beira e tirei os sapatos. Inclinei o corpo para trás, caindo sobre o colchão macio. Fechei os olhos e ouvi o som abafado da cidade que chegava pela janela. O quarto parecia confortável, acolhedor até, mas ainda assim eu não me sentia em paz. Era como se Russ tivesse deixado algo suspenso no ar.

  Peguei o celular para distrair a mente, mas não havia mensagens, nenhuma notificação. Era como se o mundo tivesse parado lá fora, me obrigando a lidar apenas com o que estava acontecendo dentro de mim.

  Foi então que alguém bateu na porta.

  Um som baixo, mas firme.

  Meu coração disparou imediatamente. Sentei na cama, olhando para a porta fechada como se ela fosse uma ameaça real. Quem bateria no meu quarto naquela hora?

  Levantei devagar, cada passo ecoando no carpete como se fosse mais alto do que deveria.

  — Quem é? — minha voz saiu trêmula.

  Silêncio.

  O frio percorreu minha espinha. Me aproximei da porta, hesitei por alguns segundos e, finalmente, encostei o olho no visor. O corredor estava vazio.

  Engoli em seco, voltando dois passos para trás. Tentei rir de mim mesma, dizendo em voz baixa:

  — Está ficando paranoica, Lucile.

  Mas quando me virei, vi um detalhe que me fez gelar: no chão da porta, havia um cartão branco.

  Eu tinha certeza absoluta de que aquele cartão não estava ali quando entrei no quarto.

  Com as mãos trêmulas, peguei-o. Era simples, sem logotipo, apenas uma frase escrita à mão, com uma caligrafia firme e elegante:

  “Você não deveria confiar em mim.”

  O ar pareceu sumir dos meus pulmões. Meus dedos apertaram o cartão como se pudessem arrancar dele uma resposta, mas só o que restava era a certeza de que Russ tinha voltado… e eu não percebi.

  Fui até a porta outra vez, a adrenalina queimando no meu corpo. O corredor continuava vazio. Nenhum sinal de movimento. Nenhum som. Apenas o silêncio sufocante.

  Fechei a porta com força, encostando a testa contra a madeira. Meu coração batia em um ritmo tão acelerado que parecia querer romper minhas costelas.

  Deitei na cama de novo, o cartão ainda na mão. Podia ser um aviso. Podia ser um jogo. Podia ser qualquer coisa. Mas por que ele me avisaria se eu deixei claro que não queria outro encontro?

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