Capítulo 6

  Ele me estendeu o braço, como um cavalheiro que conduz, mas havia algo naquela simples ação que carregava autoridade demais para ser só cortesia. Hesitei por um segundo, antes de aceitar. Por um instante tive a sensação de estar firmando um acordo invisível.

  — Pronta? — a pergunta saiu baixa, quase um comando.

  Assenti, permitindo que ele me guiasse até o elevador. O silêncio entre nós era espesso, e eu me peguei olhando de soslaio, tentando adivinhar o que se passava por trás daquela expressão inabalável. Ele não parecia nervoso, tampouco animado para o jantar. Spencer caminhava como quem sabe exatamente onde deve estar — e quem deve controlar.

  Quando entramos no carro, ele se acomodou ao meu lado no banco traseiro. O motorista fechou a porta, e o mundo lá fora ficou para trás. A tensão, no entanto, estava toda ali dentro.

  — Você… costuma escolher as roupas das mulheres que o acompanham? — perguntei, tentando soar irônica, mas minha voz saiu mais curiosa do que eu queria.

  Ele voltou o rosto para mim, e o canto de sua boca se ergueu num quase sorriso.

  — Apenas quando a ocasião exige perfeição.

  Franzi o cenho.

  — E eu não poderia escolher minha própria roupa?

  — Poderia. — Ele inclinou a cabeça levemente, os olhos presos nos meus. — Mas talvez não acertasse no que eu queria.

  Um arrepio percorreu minha nuca. Era como se ele tivesse dito muito mais do que aquilo.

  — E o que exatamente você queria? — desafiei, sem quebrar o olhar.

  Spencer demorou alguns segundos para responder, como se estivesse decidindo se valia a pena me dar uma resposta. Finalmente, murmurou:

  — Que todos a notassem… mas que ninguém ousasse se aproximar.

  Meu coração tropeçou dentro do peito. Eu não sabia se aquilo era proteção, arrogância ou uma obsessão disfarçada. Talvez fosse tudo ao mesmo tempo.

  Virei o rosto para a janela, tentando disfarçar a confusão que me corroía. O reflexo no vidro devolveu a imagem de uma mulher diferente — arrumada, elegante, pertencente a um universo que não era o dela.

  E ele, sentado ao meu lado, parecia saber disso desde o início.

  — Não entendo por que insiste em me escolher — sussurrei, mais para mim do que para ele.

  Mas Spencer ouviu. Sempre ouvia.

  — Porque você ainda não entende — disse calmamente, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — E é justamente isso que me interessa.

  Virei para ele, confusa.

  — O que eu não entendo?

  Seus olhos mergulharam nos meus, firmes, enigmáticos. E, antes que eu pudesse obter qualquer explicação, o carro reduziu a velocidade diante de um luxuoso salão iluminado, onde dezenas de pessoas desfilavam vestidos e ternos caros.

  Spencer apenas ajeitou a gravata e abriu a porta.

  — Vamos descobrir, Lucile. 

  E estendeu o braço mais uma vez, agora diante de um mundo que parecia me engolir inteira.

  Do lado de fora, um tapete vermelho se estendia até a entrada, e flashes pipocavam de todos os lados. Jornalistas, fotógrafos e curiosos aguardavam os convidados.

  Minha primeira reação foi prender a respiração.

  — Eu não posso... — murmurei, apertando a bolsa contra o corpo. — Eu não posso passar por aí.

  Spencer me olhou de lado, com um meio sorriso, como se tivesse esperado exatamente por essa reação.

  — Pode, sim — disse, e sua voz saiu firme, quase como uma ordem. — E vai.

  Antes que eu pudesse protestar, ele estendeu a mão. Por um instante, hesitei. Mas recusar diante de tantos olhares não era uma opção. Apoiei a mão na dele, que estava quente, e deixei que me conduzisse até a entrada.

  Os flashes vieram imediatamente, estourando de todos os lados. O som de vozes misturadas, gritos chamando o nome dele, perguntas sobre negócios, sobre investimentos, sobre “quem era a acompanhante”. Eu só conseguia sorrir de forma trêmula, torcendo para não tropeçar no tapete.

  Spencer, em contrapartida, parecia no habitat natural. Cumprimentava um ou outro com um leve aceno de cabeça, mas sem parar, sem se importar realmente. Era como se todo aquele caos fosse só mais um detalhe irrelevante para ele.

  Assim que entramos no salão, o impacto me atingiu de novo. Lustres de cristal pendiam do teto altíssimo, refletindo luz sobre as mesas cuidadosamente organizadas. Arranjos florais brancos decoravam cada canto, e o som de violinos preenchia o ambiente de forma suave. Homens e mulheres trajados de gala conversavam, brindavam, riam. Eu me sentia deslocada, como uma peça errada em um tabuleiro caro.

  — Respira — ouvi Spencer murmurar ao meu ouvido, sua mão pousando discretamente na base das minhas costas. O contato foi breve, mas suficiente para arrepiar minha pele. — Você está perfeita.

  Engoli em seco, incapaz de responder.

  Seguimos até uma das mesas principais. Alguns homens se levantaram para cumprimentar Spencer com apertos de mão calorosos, e mulheres elegantíssimas sorriram para ele de forma quase ensaiada. A mim, lançaram olhares curiosos, avaliadores. Eu podia sentir o julgamento em cada detalhe: do vestido que claramente não era meu, ao modo como eu me sentava tentando parecer natural.

  — E quem é a beldade? — perguntou um dos homens, alto, grisalho, com olhar astuto. — Não me diga que finalmente decidiu trazer alguém, Russ.

  Russ? Seu nome é Russ? Que surpresa.

  Ele inclinou levemente o corpo, apoiando o cotovelo na mesa, e lançou um sorriso lento, quase perigoso.

  — Essa é Lucile — disse simplesmente.

  Nada além disso. Nenhum sobrenome, nenhuma explicação. Apenas meu nome, solto no ar, como se fosse suficiente. Mas, como ele sabia meu nome verdadeiro?

  Senti o calor subir ao meu rosto, e apertei as mãos sob a mesa para conter o nervosismo.

  O jantar começou logo depois. Pratos sofisticados, taças de cristal, garçons que pareciam deslizar pelo salão. Eu tentava me concentrar na comida, mas meu olhar insistia em fugir para Spencer. Ele parecia outro ali. O homem que, horas antes, havia me encarado em silêncio e mexido no meu cabelo com uma ousadia quase cruel, agora exibia charme calculado, risadas leves e respostas afiadas. Era respeitado, admirado. Todos queriam a atenção dele, e ele distribuía como se fosse um rei em um banquete.

  Porém, vez ou outra, seu olhar encontrava o meu. E nesses segundos, a fachada de sociabilidade parecia desmoronar. Seus olhos escureciam, me prendiam, e eu tinha a sensação de que ele estava me lembrando de algo que eu ainda não sabia. Algo que me arrepiava por dentro.

 Quando a sobremesa foi servida, me inclinei levemente e sussurrei:

  — Por que eu estou aqui, Russ?

  Ele pousou o garfo, sem pressa, e limpou os lábios com o guardanapo.

  — Porque eu quis — respondeu, a voz baixa, firme.

  Revirei os olhos, frustrada.

  — Isso não é resposta.

  Ele inclinou-se na minha direção, tão próximo que senti o calor de sua respiração contra minha pele.

  — É a única resposta que você vai ter por enquanto.

  Fiquei sem ar.

  O restante do jantar seguiu envolto em conversas que eu mal conseguia acompanhar. O peso da presença dele me distraía, e as perguntas sem respostas martelavam na minha mente.

  Quando finalmente saímos, já tarde da noite, Russ caminhava comigo até o carro. O frio da madrugada me envolveu, mas antes que eu pudesse cruzar os braços para me aquecer, ele colocou seu paletó sobre meus ombros. O gesto inesperado quase me desarmou, mas antes que eu pudesse agradecer, uma voz interrompeu o momento.

  — Sr. Spencer.

  Viramos ao mesmo tempo. Um homem, bem vestido mas visivelmente nervoso, se aproximava. Ele segurava um envelope grosso nas mãos e lançou um olhar rápido para mim antes de se fixar em Spencer.

  — É urgente. Disseram que eu precisava entregar isso pessoalmente.

  Spencer franziu o cenho, pegou o envelope sem dizer nada e o guardou dentro do paletó. A expressão dele ficou dura, fria, como se todo o brilho da noite tivesse sido apagado.

  — Entre no carro — ele disse para mim, a voz sem espaço para questionamentos.

  Eu o encarei, assustada.

  — O que está acontecendo?

  Ele respirou fundo, mas não respondeu. Apenas abriu a porta para que eu entrasse. E, naquele instante, percebi que fosse o que fosse que estivesse naquele envelope, era algo importante para ele. 

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