Capítulo 5

  A semana passou arrastada. Foquei na faculdade, e na minha mãe. Eu continuei pensando em Spencer, no dinheiro, naquela noite estranha que virou uma incógnita. 

  Era sexta-feira, dia mais movimentado. Eu tinha três clientes para atender, mas só podia atender dois, um por cada período. Embora estivesse exausta, tranquila com as contas do hospital pagas, tinha prometido ao Harold que ficaria até o final do mês na agência, porque precisava focar nas provas finais da faculdade. 

  Cheguei na agência, joguei minha mochila em uma das cadeira e suspirei. Tori ainda não tinha chegado, e eu queria vê-la. A semana foi corrida para nós duas. 

  — Carly, posso falar com você um instante? — Harold disse, com o seu aparecendo pela metade na porta. 

  — Claro. 

  Ele entrou, devagar, fechando a porta atrás de si. 

  — Bom, eu vim porque surgiu algo... — começou ele — Sei que não encaminho vocês para os mesmos clientes, e você mesmo me pediu para não fazer isso. No entanto... tem um cliente que quer vê-la. 

  — Qual cliente? E por que eu? As outras garotas não podem ir no meu lugar? Eu já peguei cliente mais cedo, e tenho um para essa noite. A gente não pode desmarcar. Não é essa a regra?

  — Eu sei, porque eu fiz essa regra ridícula. Mas, Carly, esse cliente é importante, e ele só quer você. 

  — E o cliente que já estava marcado? O que dirá a ele? 

  — Posso mandar a Vanika. O cliente não vai se importar. 

  Eu o encarei, tentando encontrar alguma hesitação nele. Mas não havia nada além de uma certa insistência. 

  — E quem é o cliente que... quer me ver?

  Meu coração acelerou quando Harold disse sem rodeios:

  — Spencer pediu você. Só você. Para acompanhá-lo em um jantar beneficente.

  Minha primeira reação foi uma mistura de choque e indignação. Por que eu? O que ele queria comigo, afinal? Ainda não tinha respostas para o que havia acontecido — ou não — naquela noite, e agora ele me puxava de volta para a mesma confusão.

  — Harold, eu não sei se… — comecei, mas ele ergueu uma sobrancelha, como quem não aceita recusa.

  — É apenas um jantar. Não vejo por que negar. E ele pagou adiantado, muito acima do que pedimos. 

  Eu engoli seco, consciente de que, no fundo, queria ir. Queria olhar nos olhos de Spencer e arrancar dele todas as respostas que me deixavam noites sem dormir. Concordei, mas saí senti as pernas bambas.

  Naquela noite, fiquei diante do guarda-roupa por quase uma hora. Meu reflexo no espelho parecia rir de mim: blusas simples, vestidos de verão, jeans surrados… nada que gritasse “beneficente” em letras maiúsculas. Eu não fazia parte desse mundo. Mordi o lábio, tensa, cogitando dizer que não poderia ir. Mas a curiosidade era maior que o medo.

  Depois de algum tempo de hesitação, eu finalmente me arrumei. Quando o motorista chegou, reconheci o carro preto reluzente da última vez. O mesmo motorista abriu a porta e, com um meio sorriso, disse:

  — Senhorita, o senhor Spencer pediu que a levasse ao hotel primeiro. Ele deixou instruções.

  Instruções. A palavra soou como uma ordem militar, mas assenti, sem coragem de questionar.

  No quarto do hotel, meu fôlego travou. Sobre a cama, repousava um vestido de seda azul-tiffany, que parecia pertencer a outra realidade, junto de um par de sapatos nude e uma bolsa pequena no mesmo tom. Ao lado, um bilhete com a assinatura de Spencer. Nenhuma palavra. Nenhum recado. Apenas a assinatura firme, como se isso fosse suficiente para me lembrar de quem tinha o controle.

  Passei os dedos sobre o tecido do vestido, suave e frio. Meu peito se encheu de uma mistura de raiva e fascínio. Ele estava me moldando para caber no mundo dele? Por quê?

  Vesti tudo, obediente como uma boneca, e quando me encarei no espelho, quase não me reconheci. O azul realçava meus olhos, o corte do vestido caía com perfeição no meu corpo. Eu estava linda — e isso me assustava ainda mais.  

  A batida na porta me fez sobressaltar. Duas mulheres entraram carregando maletas.

  — Boa noite, senhorita. Somos maquiadora e cabeleireira. O senhor Spencer nos solicitou para prepará-la.

  Eu pisquei algumas vezes, perdida.

  — Preparar…? Mas… ele está aqui?

  — No quarto ao lado — respondeu uma delas, sorrindo com naturalidade, como se fosse a coisa mais comum do mundo.

  Sentei-me, sem protestar. Elas trabalhavam rápido, conversando entre si, enquanto eu tentava entender como alguém poderia ter tanto poder para mover pessoas como peças em um tabuleiro. O pincel macio contra minha pele, o calor do secador nos cabelos… tudo parecia me colocar em um papel que eu não sabia interpretar.

  Quando terminaram, agradeci num fio de voz. Elas recolheram as coisas e saíram, deixando-me sozinha outra vez.

  Alguns minutos depois, ouvi uma batida suave na porta. Meu coração acelerou. Abri lentamente, e lá estava ele.

  Spencer.

  De terno escuro elegante, gravata ajustada, os cabelos ainda úmidos de um banho recente. Ele parecia ter saído direto de uma capa de revista, mas seus olhos — aqueles olhos azuis, frios e ao mesmo tempo intensos — estavam cravados em mim, avaliando-me da cabeça aos pés.

  Fiquei imóvel, sem saber o que dizer.

  — Então — ele murmurou, um sorriso quase imperceptível surgindo nos lábios. — Parece que o vestido ficou melhor do que imaginei.

  Meu coração pulou no peito, e pela primeira vez eu senti que não era só ele que me estudava. Eu também começava a analisá-lo, fisicamente.    

  Engoli em seco, desviando o olhar por um instante, como se isso pudesse me devolver algum controle.

  — Você... comprou tudo isso? — perguntei, tentando soar firme, mas minha voz saiu quase como um sussurro.

  Ele deu alguns passos para dentro, fechando a porta atrás de si. O silêncio que se seguiu me deixou ainda mais nervosa. Spencer não precisava de muito para intimidar alguém. Ele simplesmente existia, e isso já era suficiente.

  — Não costumo improvisar quando quero alguma coisa — respondeu, aproximando-se lentamente. — Achei que azul combinaria com você. E você fica bem melhor sem a peruca de loiro forçado.

  — Por quê? — questionei, num rompante, antes de pensar melhor. — Por que eu? Você poderia ter qualquer mulher...

  Um meio sorriso surgiu em seus lábios, mas não alcançou os olhos. Ele parecia se divertir com a minha tentativa de confronto.

  — Talvez justamente por isso — murmurou, inclinando levemente a cabeça, como se analisasse cada detalhe do meu rosto. — Você ainda não entende, Carly. 

  Minha respiração acelerou, e eu lutei para não recuar quando ele parou perto demais. O perfume dele me envolveu, sofisticado, amadeirado, quase entorpecente.

  — Então me explique — retruquei, cruzando os braços na frente do corpo, tentando me proteger de algo que eu não sabia exatamente do quê. 

  Ele soltou uma risada baixa, abafada, mas não respondeu de imediato. Apenas ergueu a mão e, com uma ousadia que me deixou paralisada, ajeitou uma mecha de cabelo que caía sobre meu ombro. O toque foi breve, mas queimou como fogo.

  — Não agora — disse, firme, olhando diretamente nos meus olhos. — Mas vai descobrir.

  O silêncio voltou, denso, até que o celular dele vibrou no bolso do paletó. Spencer desviou o olhar, retirou o aparelho e atendeu com um “sim” curto e autoritário, virando-se um pouco para mim. Eu aproveitei o momento para recuperar o fôlego e me afastar, sentindo a necessidade desesperada de criar espaço entre nós.

  Ele desligou em segundos e voltou a me encarar.

  — O carro já está à espera. — Fez um gesto com a cabeça em direção à porta. — Vamos?

  Assenti devagar, ainda confusa, ainda arrebatada, mas também tomada por uma estranha sensação de perigo. Algo me dizia que estar ao lado de Spencer não era apenas entrar em um jantar beneficente. Era entrar em um jogo que eu ainda não sabia se tinha forças para jogar.

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