O relógio parecia zombar de Amara a cada segundo. O trânsito na capital estava um caos, como sempre na hora do rush. Dentro do táxi, ela mal conseguia respirar — a cada farol vermelho, sentia que seu sonho escorregava pelas mãos.
Quando finalmente chegou ao prédio da audição, já estava atrasada. O coração batia descompassado enquanto corria, suando e com os sapatos quase escapando dos pés.
Lá fora, Pillar e Melissa deixavam o local com sorrisos vitoriosos. Estavam cercadas por uma pequena multidão que as parabenizava efusivamente.
Melissa a viu. E naquele breve segundo em que os olhos se cruzaram, Amara sentiu de novo aquele velho olhar — o mesmo de cinco anos atrás.
Um olhar de superioridade. Como se Melissa fosse uma deusa, e Amara... apenas uma formiga.
A minivan luxuosa arrancou, deixando para trás um rastro de poeira e perfume doce. Amara não hesitou. Entrou correndo no prédio com o peito em chamas. Ainda havia uma chance.
Mas mal atravessou o saguão, deu de cara com um grupo de pessoas conversando animadamente no corredor. Eram os jurados do painel de seleção do filme Se Amar nas Estrelas.
Ela freou bruscamente e fez uma reverência profunda.
— Me desculpem! Estou atrasada!
Alguns membros da equipe se entreolharam, visivelmente incomodados por terem sido interrompidos. Ninguém gostava de atrasos — ainda mais no mundo implacável do cinema.
O produtor cruzou os braços e falou com rigidez:
— As audições já terminaram. Qual o sentido de correr agora? Os jovens estão cada vez mais irresponsáveis...
Amara respirou fundo, tentando manter a calma.
— Eu... não vim pelo papel principal.
— Não? — perguntou o roteirista, curioso. — Então o que está tentando?
— O papel da protagonista coadjuvante. Até onde sei, vocês ainda não encontraram alguém adequado para interpretar Lívia Spiritih.
Antes que qualquer um pudesse reagir, Amara ergueu o rosto.
O silêncio caiu como um feitiço.
O diretor assistente, que até então parecia indiferente, arregalou os olhos, pasmo. Diante dele estava uma jovem com lábios marcantes, cabelos negros caindo até a cintura e um vestido carmesim que destacava ainda mais sua beleza serena, mas magnética.
Ela estava ali parada, mas parecia parte de outra realidade. Como se tivesse saído de uma lenda antiga. Havia algo de encantado nela. Uma doçura nos olhos e, ao mesmo tempo, uma firmeza silenciosa.
Era impossível desviar o olhar.
— Qual é o seu nome? — perguntou finalmente o diretor, R. Edich, quebrando o encanto.
— Amara — respondeu, firme.
O diretor trocou olhares rápidos com os outros membros do painel e então assentiu.
— Eu me lembro de você. É uma das atrizes da Stellar Entertainment, certo? Pode voltar para se preparar. O papel da coadjuvante é seu. Avisaremos sobre o cronograma das filmagens em breve.
Amara piscou, sem acreditar.
— Obrigada, diretor. Prometo que darei o meu melhor! — disse, curvando-se com gratidão antes de se afastar.
Ela saiu quase sem tocar o chão. Tinha se preparado por meses para aquele papel. Lívia Spiritih era o motivo de suas noites insones e incontáveis ensaios frente ao espelho. E agora, mesmo com todos os contratempos, ela havia conseguido.
Apesar do atraso, do julgamento e da dúvida — Amara brilhou.
Dentro da sala, os jurados ainda estavam em silêncio quando ela saiu.
— Procuramos em todos os lugares — disse R. Edich, com um meio sorriso — e no momento em que desistimos, encontramos exatamente quem precisávamos.
— As credenciais dela são fracas — comentou o produtor, pensativo. — Mesmo com o contrato da Stellar, eu não a considerava para um papel desses. Mas ao vivo… ela é muito mais do que qualquer portfólio mostraria.
O roteirista M. Franch estava visivelmente empolgado:
— Ela tem o olhar certo. Lívia Spiritih não é uma simples beleza — ela era uma comandante, uma mulher que carregava justiça e tragédia nos ombros. Todos os testes que vi até agora me deram personagens saídas de bordéis! Eu estava perdendo a paciência!
— E agora? — disse a assistente do roterista com um sorriso irônico. — Encontramos nossa mini-estrela?
O diretor principal R. Edich cruzou os braços e assentiu, como quem enfim encerra uma busca longa.
— Encontramos. E agora… o jogo vai mudar.
Enquanto o grupo avistava Amara se retirar do prédio... Do outro lado da cidade, no Quarto VIP do Primeiro Hospital Popular, o caos reinava.
Théo, o pequeno príncipe do clã Riddel, estava encolhido no parapeito da janela, pés descalços e olhos cheios de fúria. Seus gritinhos ecoavam pelo ambiente, arrancando expressões aflitas de médicos e enfermeiros. Ninguém conseguia acalmá-lo.
Pietro tentava de tudo. Conversas suaves, piadas bobas, até promessas de sorvete e brinquedos novos. Mas nada funcionava.
— Théo, por favor... desce daí, meu anjinho — ele implorava, como se falasse com o próprio coração.
Mas o menino sequer olhava para ele.
Do outro lado da linha, a voz de Pitter chegou carregada de tensão:
— O que aconteceu?
— Não sei ao certo. Ele estava bem... mas depois que acordou, começou a procurar por alguém, desesperado. Achei que estivesse procurando pela Amara, então comentei que ela já tinha ido embora. Foi só dizer isso e... pronto, a fúria começou.
Pietro respirou fundo.
— Achei que ele gostasse dela... mas não imaginava tanto assim.
Do outro lado do telefone, houve um breve silêncio antes de Pitter responder, com a voz mais baixa e grave:
— Estou a caminho.
Minutos depois, Pitter entrou no quarto.
Seus passos eram firmes, mas contidos. Ele não usava mais a máscara de homem de negócios implacável. Era apenas um pai diante de um filho machucado.
Théo o viu se aproximar e, ao invés de se acalmar, encolheu-se ainda mais, como um bichinho assustado. Os olhos grandes e úmidos estavam cheios de mágoa e desconfiança.
Pitter parou a poucos passos de distância. Não tentou tocá-lo. Apenas falou, com calma:
— Filho... quando seu tio Pietro disse que a moça bonita tinha ido embora, ele quis dizer que ela foi pra casa. Ela está bem, não ficou doente. Ela só... precisou sair. Não foi como a bisavó. Ela não foi embora para sempre. Você entende?
Foi a primeira vez, em muito tempo, que Pietro viu o irmão falar com tanta paciência. Pitter nunca usava muitas palavras — a não ser quando se tratava de Théo.
Houve um momento de silêncio.
Théo parou de gritar. Mas continuou imóvel, encolhido, com o queixo apoiado nos joelhos, como se quisesse desaparecer dali.
Então, Pitter tirou um pequeno papel dobrado do bolso.
— Ela deixou isso pra você — disse, estendendo o braço com delicadeza. — Quer ver?
Os olhos de Théo se moveram. Por um instante, hesitaram. E então, sem aviso, ele esticou os bracinhos em direção ao pai, pedindo um abraço.
Pietro ficou boquiaberto.
— Eu... eu vi isso mesmo? Nosso Pequeno Tesouro tá... querendo colo?
Os enfermeiros trocavam olhares incrédulos.
Pitter o segurou com cuidado, como se ele fosse feito de vidro. Sentou-se com o menino no colo, e então colocou o bilhete em suas pequenas mãos.
Théo desdobrou o papel com ansiedade.
Querido, obrigada por me salvar. Você é incrível e muito fofo.
No final da frase, havia um pequeno coração desenhado à mão.
Seus olhos brilharam como se estivessem vendo o sol pela primeira vez. Um leve rubor subiu às bochechas, e, mesmo tentando esconder, os cantinhos da boca se curvaram num sorrisinho tímido e doce.
Pietro quase caiu da cadeira.
— Espera aí... eu fiquei cego ou... ele realmente sorriu? Eu nem me lembro da última vez que vi esse menino sorrir desse jeito!
Curioso, ele tentou espiar o conteúdo do bilhete, mas Théo logo o escondeu contra o peito, como se fosse um tesouro.
— O que tem nesse papel, afinal? — Pietro resmungou, embasbacado.
Era apenas uma nota simples. Mas, para Théo, valia mais que ouro.
Amara, sem perceber, havia deixado uma marca no coração do menino. E, talvez... não só no dele.
Pitter apenas observava. Seus olhos, por um breve instante, estavam mais suaves.
Depois que Théo se acalmou por completo, Pitter o pegou no colo e anunciou:
— Vamos pra casa.
— Mas e a reunião de conselho? — Pietro perguntou, surpreso.
— Cancelei. Hoje, meu lugar é com ele.
E assim, o homem que todos na capital chamavam de "imperador sem coroa" deu as costas para o mundo dos negócios — só por hoje — para cuidar do pequeno rei do seu coração.
Villa nº 8 – Platinum Palace
Noite
A sala de estar estava silenciosa e gelada, como se a temperatura ali dentro refletisse o clima entre pai e filho.
Pitter estava sentado à mesa de jantar, de frente para Théo, que permanecia imóvel. Havia algo cortante na forma como os dois se olhavam — como se nenhum deles estivesse pronto para ceder.
— Coma sua comida — disse Pitter, firme.
Théo, com os olhos fixos no prato, ignorou.
— Estou dizendo isso pela última vez — insistiu o pai, agora com a voz mais grave.
Nenhuma reação. O garoto sequer piscava.
— Você realmente acha que uma greve de fome vai funcionar comigo?
Théo parecia alheio a tudo. Estático. Como se tivesse se trancado dentro de si mesmo. Era como um pequeno monge em silêncio absoluto, distante do mundo exterior.
Por longos minutos, a tensão permaneceu suspensa no ar.
Uma hora se passou.
Sem paciência e já cansado do silêncio, Pitter pegou o celular e fez uma ligação curta:
— Pietro, envie-me o endereço de Amara. Agora.
No fundo, ele sabia. Aquela recusa em comer era mais do que birra — era a ausência dela.
Pietro não demorou. Em poucos segundos, a localização exata apareceu na tela do telefone, acompanhada de uma enxurrada de mensagens extras — fofocas, suposições, detalhes irrelevantes que Pitter sequer leu. Nada mais importava.
Ele levantou-se, colocou o celular no bolso, pegou as chaves do carro e vestiu a jaqueta. Não disse uma só palavra.
Ao ver o pai se preparar para sair, Théo levantou-se de imediato e o seguiu. Não houve pedidos. Não houve promessas. Apenas passos pequenos e apressados, tentando acompanhar o homem que agora se movia com pressa.
Pitter olhou para baixo e viu o filho ali, aos seus pés.
Suspirou.
Pegou o menino no colo com naturalidade e apenas murmurou, baixo, enquanto atravessava a porta:
— Não haverá uma próxima vez, Théo. Entendeu?
Mas ambos sabiam que haveria.