O olhar de Pitter sobre Amara era firme, quase cortante. Ele não piscava, como se tentasse ler cada pensamento escondido por trás do espanto que via no rosto dela. Seus olhos pareciam vasculhar a alma dela em busca de algo — uma mentira, talvez, ou apenas a confirmação de que ela realmente não sabia quem era o pequeno Théo.
Após longos segundos de silêncio, ele finalmente falou, com a voz baixa e tão fria quanto sua expressão:
— Faça seu pedido.
Amara franziu o cenho, confusa.
— Pedido...? Que pedido?
Antes que ele respondesse, uma voz mais leve interrompeu, como uma lufada de ar em meio à tensão.
— Meu irmão quer agradecer por você ter salvo Théo! — disse Pietro Riddel, com um sorriso encantado no rosto. — Ele está te oferecendo a chance de pedir o que quiser!
Ela piscou, surpresa, tentando absorver aquelas palavras. Um pedido? Como se estivesse diante de um rei?
Com cuidado, respondeu:
— Olha… vocês realmente não precisam me agradecer. É verdade que eu ajudei Théo, mas, de certa forma, ele também me salvou. Se não tivesse saído pra buscar ajuda, eu ainda estaria presa naquele depósito. Então… acho que estamos quites.
Ela tentava se manter neutra. Não queria nada daquela família. Sabia que qualquer envolvimento com os Riddel seria como pisar em solo instável.
Mas o olhar de Pitter continuava sério — severo, quase desconfiado. Aquilo fez um calafrio percorrer a espinha de Amara.
"Será que falei algo errado?", pensou, engolindo seco.
— Irmão, para com essa cara de carrasco! — Pietro brincou, tentando aliviar o clima. — Parece até que você quer se vingar dela! Olha, o Pitter não gosta de dever favores. Então é melhor você pedir alguma coisa, sério! Qualquer coisa!
Amara soltou um suspiro. Aquilo tudo era tão estranho. Nunca tinha sido pressionada a… fazer um pedido.
— Não é questão de modéstia. É só que... vocês não me devem nada. O que falei é verdade. Podem confirmar, se quiserem...
Pitter a interrompeu com uma única palavra, seca como pedra:
— Não precisa.
Foi Pietro quem explicou:
— Já vimos as imagens das câmeras de segurança. Théo entrou sozinho. E a gerente já confessou: foi ela quem te trancou lá dentro. Fica tranquila, ninguém está te culpando por nada. Mas, por favor, só peça algo. Facilita tudo.
Amara percebeu que resistir seria inútil. Sob o olhar quase perfurante de Pitter, ela cedeu.
— Tudo bem… que tal… dinheiro?
Ela tentou manter a voz firme. Aquilo parecia simples e seguro. Ricos, afinal, resolviam tudo com dinheiro.
Mas assim que disse, viu a expressão de Pitter escurecer ainda mais.
— Isso foi um insulto. — murmurou Pietro, entre risos nervosos. — Meu irmão considera esse tipo de pedido... indigno.
Indigno?, Amara queria gritar. Mas eu só pedi dinheiro! Só isso!
Um silêncio pesado caiu na sala. Até que, de forma inesperada, Pitter falou novamente, com a mesma tranquilidade que se tem ao pedir um café:
— Case comigo!
Por um segundo, o mundo parou. Amara ficou sem ar. Tossiu desajeitadamente, quase engasgando com a própria saliva.
— O quê? O que você acabou de dizer?
Ela olhou para Pietro, implorando por alguma explicação. Mas nem ele sabia o que dizer.
— Irmão, como é que eu vou traduzir isso? — disse Pietro, sem conseguir esconder o choque.
Amara tentou manter alguma dignidade.
— Não me diga que você decidiu se retribuir… com o seu corpo?
Pitter inclinou levemente a cabeça, como se refletisse.
— Pode interpretar dessa forma.
Aquela resposta foi demais. Amara o encarava como se ele tivesse acabado de propor uma viagem ao espaço. Ela levou a mão à testa, exausta.
— Onde está o médico? — murmurou. — Acho que bati a cabeça e estou alucinando. Eu devo estar em coma. Isso aqui só pode ser um delírio.
Pietro soltou uma risada nervosa.
— Eu nem caí, mas acho que também estou com o cérebro danificado.
O quarto estava mergulhado em confusão — cada um reagindo de forma diferente, mas todos impactados por uma única frase.
"Case comigo."
Mas… por que ele faria isso?
E por que ela, mesmo sem entender, sentia que aquele pedido — por mais absurdo que fosse — carregava algo a mais?
Algo escondido.
Por mais forte que fosse, Amara jamais imaginou enfrentar algo tão… absurdo.
Salvar Théo já tinha sido um evento surreal. Mas agora? O pai do menino queria retribuir… com o próprio corpo?
Se fosse outro homem, talvez ela até risse, achando aquilo romântico ou impulsivo. Mas não era qualquer homem. Era Pitter Riddel. O tipo de pessoa que parecia ter sido esculpida em pedra — inalcançável, gelado, impecável.
E foi por isso que, sem pensar, ela soltou:
— Você… não é gay?
O silêncio caiu como uma bomba. Por um instante, até o ar pareceu sumir da sala. Pietro Riddel foi o primeiro a reagir — soltando uma gargalhada tão alta que até as janelas pareceram tremer.
Já o rosto de Pitter… escureceu. Uma sombra fria tomou seus olhos, como a chegada de uma tempestade.
— Se o meu irmão fosse gay — Pietro disse entre risadas e pausas para recuperar o ar —, de onde você acha que veio o Théo?
Amara deu de ombros, desafiadora:
— Sei lá. Barriga de aluguel? Inseminação artificial?
Pietro riu ainda mais, se divertindo como uma criança em um parque.
— Se ele fosse gay, por que diabos retribuiria com o corpo?
— Talvez… para manter as aparências? Esconder a verdade? — rebateu Amara, erguendo o queixo.
Pietro engasgou de tanto rir.
— Céus! Nem eu aguento esse nível de teoria. Sei que sou irresistível, mas esse gosto seria pesado até pra mim!
Nesse momento, o clima mudou. Pitter se levantou. Alto, imponente, os passos dele eram lentos, mas cada um carregava um peso que fazia Amara recuar, sem nem perceber.
— Pietro, leve o Théo para fora — ordenou com frieza.
Pietro parou de rir no mesmo instante.
— Irmão... o que você está planejando?
Mas não houve resposta direta. Pitter apenas ajustou a manga da camisa com precisão cirúrgica — e Amara sentiu o coração disparar.
— Vou provar minha orientação sexual à Srta. Amara.
Aquilo foi o suficiente para fazer o sangue sumir do rosto dela.
— Espera, espera! Isso foi só uma brincadeira! Eu juro! Eu só ouvi essas fofocas por aí! Nem sei quem começou!
Ela já estava praticamente escondida atrás da cama, os olhos arregalados e a fala disparando como uma metralhadora.
— Além disso, eu não preciso de nada! Nenhuma recompensa, nenhum gesto nobre! Se eu tiver que fazer um pedido, então… peço que não me peça mais nada! Ah, desculpe, preciso ir! Tenho uma audição! Isso! Uma audição superimportante! Adeus!
Ela tentou correr. Tentou mesmo. Mas antes do terceiro passo, a voz dele ecoou novamente:
— Eu permiti que você saísse?
Amara congelou. As pernas fraquejaram. Seria esse o fim?
Mas, surpreendentemente, ele apenas estendeu um papel e uma caneta.
— Escreva um bilhete para Théo. Ele vai se preocupar se acordar e não te encontrar.
Amara piscou, aliviada demais para questionar.
— Claro! Sem problema! Escrevo quantas linhas quiser! Quer rimas também? Coração, emoção, gratidão…
Ela rabiscou o bilhete com pressa e, assim que terminou, praticamente fugiu da sala, como se estivesse escapando de uma sentença de morte.
Pitter observou sua saída com uma expressão difícil de decifrar. Algo entre frieza… e interesse.
Já Pietro se aproximou, ainda chocado.
— Irmão… eu tô sonhando? Você… gostou dela? Logo você? O mesmo homem que passou 32 anos sem demonstrar um mínimo de interesse por alguém! Eu juro que achei que você...
O olhar de Pitter o silenciou de imediato.
— Cale-se.
— Sim, senhor… — Pietro respondeu rápido, mesmo com os olhos brilhando de curiosidade contida.
Mas, no fundo, ele sabia. Algo tinha mudado. Algo que nem o próprio Pitter parecia pronto para admitir.