Elara

São 8 da manhã quando finalmente saio do ginásio, os patins ainda nas mãos e o corpo latejando de tanto esforço. O ar frio da manhã me dá um choque rápido, despertando os últimos resquícios de cansaço. Só consigo pensar em uma coisa: chegar em casa e tomar um banho longo e quente.

Vinte minutos depois, passo pelo portão eletrônico do Condomínio Garden Grey — ótimo ambiente, péssimos vizinhos.

E, falando em péssimos, lá está ele. O causador de todos os meus problemas: Sr. Malone, saindo do seu Impala recém-estacionado na minha vaga. Argh, esse cara me tira do sério.

— Eii, senhor Malone, essa vaga é minha! — esbravejo pela janela do carro.

— Não estou vendo seu nome nela, senhorita. — ele responde, com aquele cinismo irritante.

— Tem o número do meu apartamento! A sua vaga é lá do outro lado, setor B! — digo, saindo do carro.

— Ah, eu sei. Mas essa vaga é melhor para mim. Estaciona seu carro na minha e está tudo certo. — Ele entra no prédio como se nada tivesse acontecido.

Ele tem esse hábito de deixar os outros falando sozinhos. Quem ele pensa que é para ditar quando e onde cada um coloca o carro? Que raiva! Mas já que é assim, vamos ver o que ele acha de ter o carro dele bloqueado. Estaciono o Mini atrás do Impala e saio sorrindo do carro.

No meu apartamento, corro direto para o banho, deixando a água quente cair sobre meus músculos, relaxando cada ponto do corpo dolorido. Estou secando o cabelo quando um barulho alto me faz pular. Corro até a sacada a tempo de ver o Impala se mover, avançando e depois dando marcha ré com tudo no meu carro.

Aquele velho filho da mãe!

Pego meu roupão e corro para o estacionamento — três lances de escada, mas não ligo.

— O Sr. está ficando louco?! — grito, pulsando de raiva.

— Quem está louca aqui é você! Não vê que preciso sair? — ele rebate, faíscas nos olhos.

— O Sr. estaciona a porra do seu carro todos os dias atrás do meu! Hoje eu cheguei vinte minutos atrasada no meu treino por sua causa, e ainda acha que tem algum direito?! — digo, frustrada.

— Não estamos falando do que eu faço, mas sim do que você fez. Sou uma pessoa de idade e tenho direito de fazer o que quiser. — Ele cospe as palavras com um sorriso sínico.

— Chega! Vou fazer uma reclamação direta contra o senhor!

— Fique à vontade. Ficarei feliz em recebê-la. — Ele se afasta, presunçoso.

— Como assim? A síndica é Rosane, isso não tem nada a ver com o senhor.

— Se você estivesse na última reunião, saberia que Rosane se mudou e eu fui eleito o novo síndico. — Ele solta o maior sorriso de vitória.

— Estão todos loucos de elegerem uma pessoa tão desprezível como o senhor — digo, entrando no carro. — E digo mais: Rosane tinha razão em ir embora. E eu farei o mesmo.

Saio com o carro e estaciono na vaga do meu outro vizinho, que está viajando. Por enquanto, sem confrontos.

De volta ao apartamento, depois de sobreviver ao pior vizinho do mundo, pego meu notebook e começo a procurar apartamentos em Hastings. Mesmo nesta época do ano, sei que achar algo decente será praticamente impossível.

Dez minutos de pesquisa depois, tudo que encontro são pocilgas ou apartamentos em Boston, e eu não quero andar uma hora inteira todo dia até o campus.

Então, como mágica, surge um anúncio na minha tela. Não é um apartamento individual, mas uma república aceitável: vaga para o carro e banheiro só para mim. No final do anúncio um pequeno recado:

“Não precisa agendar horário, apenas apareça para conhecer e fechamos o negócio.

ASS: M.J. O’Connor”

Não preciso agendar? Finalmente, alguém entende que eu não tenho tempo a perder. Bom, então vou até lá.

A casa fica a cerca de vinte minutos do meu atual — e, espero, em breve ex — apartamento. Tem um pequeno jardim na frente, com a grama aparada e flores bem cuidadas. Acho que não terei problemas quanto à organização.

Na garagem está um Porsche 718 Boxster cinza-chumbo. Que tipo de garota universitária tem um carro desses? A mais fútil da face da Terra, completa minha voz interior.

Bom, pior que o senhor Malone não deve ser, né?

Desço do carro, respiro fundo e junto toda a coragem do mundo. Subo os degraus da varanda e toco a campainha com os dedos trêmulos. Fico ali parada por longos segundos. Toco uma segunda vez — e nesse momento minhas chaves caem atrás de um dos vasos ao lado da porta.

Me ajoelho e tento pegá-las de toda forma, mas minha mão não alcança. Me inclino mais perto da porta, o rosto quase colado nela. Quando finalmente consigo pegar as chaves… a porta se abre.

Olho para cima e — ah, não — só pode ser um pesadelo.

— Oi, linda. Tá fazendo o quê aqui?

Fico olhando para o rosto de DeLuca, e ele tem aquele sorrisinho idiota no rosto. Não consigo me mover nem reagir — estou em choque. Com certeza errei a casa.

— Eu sabia que você queria aquela foto. Mas, porra, chegar assim na minha porta desse jeito, você me mata, Quinn — ele diz com um sorriso convencido.

Estreito os olhos e bufo para o comentário. Me levanto, enfio as chaves no bolso e endireito a postura.

— Acho que estou na casa errada. Estou procurando a M.J. O’Connor, vi o anúncio dela e resolvi vir. Mas deve ser outra casa nessa rua — digo, já me virando para ir embora.

— Na verdade — ele diz com humor na voz —, você está procurando Maximus Joseph O’Connor, dono da casa. — Ele ri.

Me viro novamente para ele, pensando sobre o anúncio que vi. Realmente, em nenhum momento dizia que era uma república feminina. Eu apenas deduzi — estava tão animada por achar algo legal que nem quis saber.

— Ouvi meu nome completo? Se você estiver me queimando pra minha mãe na porta, eu juro que te mato, DeLuca! — ouço uma voz vindo de dentro da casa, e logo uma cabeça loira aparece na porta.

— Você é M.J. O’Connor? — pergunto, ainda espantada.

— Pra você, meu amor, eu posso ser o que você quiser — ele diz, pegando minha mão e dando um beijo no dorso.

Fico parada, sem saber se retiro a mão ou deixo ele continuar com essa encenação ridícula. O sorriso dele é fácil, perigoso — do tipo que faz a gente esquecer o motivo de estar ali.

— Então é aqui mesmo… — murmuro, mais pra mim do que pra eles. — Ótimo, eu realmente não errei a casa.

— E aparentemente também não errou de companhia — diz DeLuca, com aquele sorrisinho convencido de sempre. — O destino é esperto às vezes.

Reviro os olhos. — É, esperto… ou sádico. — Dou um passo pra trás. — Olha, foi um engano. Acho melhor eu ir embora.

— Calma aí, não fuja tão rápido — O’Connor diz, encostando-se ao batente da porta com os braços musculosos cruzados. — Já veio até aqui. Pelo menos entra, dá uma olhada na casa. - ele dá uma piscadinha com o olho direito. 

— Eu só vim ver o quarto, não assinar um contrato de convivência com dois exibidos — retruco, tentando parecer firme, mas o canto da boca dele se curva num meio sorriso perigoso.

— Prometo que a gente se comporta, né cara?— DeLuca apenas dá de ombros com o rosto sério — E o quarto é ótimo. A casa também. Além disso… — ele lança um olhar divertido para o amigo — ...o aluguel é praticamente um milagre pra essa localização.

Hesito. Ele tem razão — a casa é bonita, o bairro é bom e, bem, eu realmente não quero continuar onde estou.

— Só uma olhadinha — digo, mais pra mim do que pra eles.

— Excelente escolha — O’Connor responde, abrindo a porta por completo. — Mi casa, su casa.

Dou um passo hesitante pra dentro, sentindo o olhar dos dois em mim. E, pela primeira vez desde cedo, tenho a nítida sensação de que talvez o problema não seja onde eu moro…

...mas com quem.

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