3. Um Lar que não reconheço
O som dos pneus contra o asfalto molhado anunciava a chegada. O carro desacelerou diante de uma casa elegante, de fachada clara, com um pequeno jardim bem cuidado. Era o endereço registrado como sendo o lar de Angélica Montenegro. Mas para ela, era só uma construção desconhecida, envolta por um vazio inquietante.
Willian saiu do carro e abriu a porta para ela. Seus olhos verdes encontraram os dela, como vinham fazendo há dias — e em cada troca de olhares, algo crescia entre os dois.
— Pronta para voltar para casa?
Angélica olhou a casa por longos segundos. Algo em seu peito apertou. Um tipo de dor estranha, como se estivesse prestes a ser arrancada de onde queria realmente estar.
— Acho que sim...
Ele a ajudou a descer. Uma enfermeira enviada pela clínica já aguardava na porta, junto com uma senhora de expressão rígida que se apresentou como Marta, empregada de longa data.
— Bem-vinda de volta, senhorita Angélica — disse ela, forçando um sorriso.
A casa era silenciosa demais. Fria, apesar da elegância. Os quadros nas paredes pareciam pertencer a outra vida. Angélica andava devagar pelos corredores, observando os detalhes como se estivesse visitando a casa de uma desconhecida.
— Não me lembro de nada... — murmurou.
Willian caminhava ao lado dela, observando sua inquietação.
— Vai levar tempo, Angélica. Mas sua casa pode te ajudar a lembrar.
Ela entrou no quarto. A cama estava impecavelmente arrumada, o perfume de lavanda no ar. Havia porta-retratos na cômoda, mas mesmo ao olhar seu próprio rosto nas fotos, nada despertava.
Ela sentou-se devagar.
— Eu me sinto como uma intrusa aqui.
Willian se aproximou.
— É normal sentir isso no início.
Angélica desviou o olhar.
— Posso ser honesta com você?
— Sempre.
— Eu não queria vir pra cá. Quando você estava ao meu lado no hospital... era a única vez que eu me sentia segura. Aqui, tudo parece distante, gelado... Como se essa vida não fosse minha.
Willian sentiu o coração apertar. Queria dizer que ela podia voltar com ele, que cuidaria dela, mas o compromisso com Diana o prendia como correntes invisíveis.
— Se você quiser, posso vir visitar. Ver como está indo com a adaptação.
Ela assentiu, mordendo os lábios para não chorar.
— Só não me abandone. Você é a única coisa que sinto... real.
Willian pegou sua mão.
— Nunca vou te abandonar, Angélica. Eu prometo.
Marta entrou com um chá, quebrando o momento.
— Aqui está, senhorita. Chá de camomila, como costumava gostar.
Angélica agradeceu, mas não tocou na xícara. Após um breve silêncio, Willian se despediu.
— Preciso voltar para o hospital... e para Diana.
Ela apenas assentiu, tentando esconder a dor que isso lhe causava.
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Horas se passaram, e Angélica continuava sentada no quarto, imóvel. A casa parecia observá-la, como se dissesse: “Você não pertence aqui.” Cada canto, cada móvel, era estranho. Era como viver num cenário montado.
Ela caminhou até o espelho. Olhou para si mesma. Não reconhecia os olhos que a encaravam.
— Quem é você? — sussurrou.
........
Mais tarde, quando a noite caiu, ela pegou o celular e ligou para um único número que agora sabia de cor.
— Willian?
— Angélica? Está tudo bem?
— Não... Eu me sinto sufocada aqui. Por favor, vem me ver.
Do outro lado da linha, Willian fechou os olhos. Ele sabia que ceder mais um passo seria perigoso. Mas também sabia que não conseguiria dizer não.
— Estou a caminho.