4. Uma noite de verdades
A chuva começava a cair fina sobre a cidade quando Willian estacionou o carro em frente à casa de Angélica. As luzes estavam acesas, mas a fachada permanecia envolta por um silêncio melancólico. Ele respirou fundo antes de sair do carro. O coração pesava. Diana o havia chamado duas vezes naquela noite, mas ele ignorou. Pela primeira vez, não sabia o que dizer à mulher com quem deveria se casar.
Angélica precisava dele. E isso era tudo o que importava agora.
Marta abriu a porta.
— A senhorita está no quarto, recusou o jantar. Disse que só queria vê-lo.
Willian assentiu, agradecendo com um olhar. Subiu as escadas devagar, como se cada degrau o puxasse para mais fundo em um oceano de emoções conflituosas.
Ao abrir a porta do quarto, encontrou Angélica sentada no chão, de camisola branca, os cabelos soltos, úmidos do banho. Ela estava abraçada às pernas, com os olhos vermelhos de tanto chorar. Quando o viu, sua expressão se transformou. Havia alívio, dor, e algo mais. Algo que nem a amnésia havia apagado: o sentimento que começava a florescer entre eles.
— Você veio — sussurrou ela.
Willian fechou a porta atrás de si e se aproximou lentamente.
— Eu disse que não te deixaria sozinha.
Ela se levantou e foi até ele, parando a poucos centímetros.
— Não aguento mais me sentir perdida. Aqui não é minha casa. As pessoas, os objetos, tudo parece tão... morto. Menos você.
Willian estendeu os braços e ela se jogou neles, afundando o rosto em seu peito. Ele a envolveu com força, sentindo o perfume leve dos seus cabelos, e o calor do corpo frágil contra o seu. Era impossível fingir que não sentia nada. A cada toque, sua razão era esmagada pelo desejo.
— Eu tenho medo — ela disse com a voz embargada. — Medo de nunca recuperar minha memória. E medo do que estou sentindo agora.
Ele se afastou um pouco, olhando fundo nos olhos dela.
— O que você está sentindo?
Angélica hesitou, depois falou com a sinceridade crua de quem perdeu todas as certezas.
— Eu me apaixonei por você, Willian. Mesmo sem lembrar de nada... meu coração lembra. E isso me assusta.
O médico fechou os olhos por um instante, como se aquilo o ferisse tanto quanto a ela.
— Você não pode se apaixonar por mim, Angélica. Eu vou me casar.
Ela recuou um passo, mordendo os lábios para conter o choro.
— Eu sei. E eu não tô pedindo nada. Só... não minta pra mim. Não diga que não sente nada.
Willian foi até ela, pegou seu rosto entre as mãos e disse com voz rouca:
— Eu sinto. Deus, como eu sinto. Desde o primeiro momento em que você abriu os olhos no hospital, eu sabia que estava perdido. Mas o que eu faço com tudo isso? Com a Diana, com minha vida inteira?
As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Angélica.
— Então me esquece. Vai embora e me deixa sozinha. Eu prefiro a solidão do que viver esperando por algo que nunca vai acontecer.
Willian a puxou de volta para seus braços, com uma força desesperada.
— Não diz isso. Eu não suporto te ver assim.
Ela levantou os olhos e seus rostos ficaram perigosamente próximos. Era como se o mundo inteiro tivesse parado, e apenas aquele momento existisse. Os lábios se tocaram com hesitação, depois com desejo. Foi um beijo longo, quente, cheio de tudo o que estava contido: angústia, paixão, medo e esperança.
As mãos de Willian afagaram a cintura dela, os dedos percorrendo a pele macia sob a camisola. Angélica tremeu em seus braços. Queria se entregar, como se aquele beijo fosse a única coisa real em sua vida.
Mas então, Willian parou. Seus lábios ainda tocavam os dela, mas ele recuou o corpo com esforço visível.
— Eu não posso — murmurou.
Angélica o olhou, confusa e magoada.
— Por quê?
Ele a encarou com olhos turvos.
— Porque se eu fizer isso, não vou conseguir voltar atrás. E ainda estou prometido a outra mulher.
Ela se afastou, cruzando os braços como se tentasse se proteger da dor.
— Então vai embora.
Willian hesitou.
— Angélica...
— Vai embora, Willian. Antes que eu te odeie por me fazer sentir isso.
Ele caminhou até a porta, parou por um instante... mas não olhou para trás. Apenas saiu, deixando um vazio que ecoava pelo quarto como um grito silencioso.
Angélica se deixou cair sobre a cama e chorou. Não por não se lembrar do passado. Mas por estar descobrindo, dia após dia, que o amor mais verdadeiro da sua vida... era também o mais impossível.