— Evento hoje à noite. Black tie. Preciso que você esteja lá às 19h30. Pontualidade é essencial — disse Lorenzo ao final da tarde, sem sequer levantar os olhos do tablet.
Isadora, que já estava sonhando com um banho quente e um miojo com queijo, engasgou com o próprio ar.
— Hoje?! À noite? Black tie?! — sua voz saiu um pouco mais aguda do que deveria.
— Sim. Hoje. À noite. Black tie. Alguma dúvida com a compreensão da língua portuguesa?
— Nenhuma, senhor arrogância, digo... senhor Alcântara.
Ele finalmente ergueu os olhos. Um brilho quase divertido neles. Quase.
— Vista algo apropriado. Você representará o grupo. E me acompanhará na entrada.
Ela quase caiu da cadeira.
Às 18h15, Isadora estava em guerra com o próprio armário. Nada parecia adequado. Nada era “black tie”. O vestido preto que usava em casamentos de parentes distantes estava amarrotado. O salto mais alto que tinha era... médio. O cabelo estava rebelde, a maquiagem... improvisada. Mas havia uma dignidade teimosa naquela mulher.
Pegou um vestido vinho de alças largas, que moldava o corpo sem ser vulgar. Prendeu os cabelos num coque torto que milagrosamente ficou charmoso. Batom escuro, delineador firme. Olhou no espelho e pensou: “Vai assim mesmo. Seja você. Mas com salto.”
Chegou ao local do evento com cinco minutos de atraso, o coração na boca e o tornozelo já reclamando. O salão estava deslumbrante — lustres enormes, gente cheirosa e rica por todos os lados, risos contidos, taças de champanhe e... Lorenzo.
Ele estava na entrada, conversando com uma senhora elegante. Quando a viu, desviou o olhar por um segundo — um segundo a mais do que o necessário. E então voltou a ser o CEO imperturbável.
— Finalmente. Achei que teria que fazer sua entrada solo — disse, oferecendo-lhe o braço.
Ela aceitou, tentando manter o equilíbrio.
— Desculpe o atraso. A carruagem virou abóbora no meio do caminho.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Pelo menos o vestido resistiu.
Ela quase sorriu.
A entrada foi triunfal. Os flashes das câmeras captaram os dois como se fossem um casal de novela. Isadora andava com elegância estudada, mas por dentro contava cada passo como uma sobrevivente.
A primeira meia hora foi uma tortura social. Gente que ela não conhecia, falando sobre ações, fusões e termos técnicos a cada gole de espumante. O inglês fluía entre os convidados como uma segunda pele — e embora Isadora fosse fluente, o tom pomposo e a superficialidade das conversas a faziam revirar os olhos internamente. Era como se cada frase fosse ensaiada para soar inteligente, mas não dizer absolutamente nada.
Lorenzo a apresentava com naturalidade:
— Essa é minha nova assistente, Isadora Mendes.
E a cada “encantado” que ela recebia, vinha um olhar de cima a baixo, daqueles que avaliam etiqueta, postura e o valor estimado da bolsa.
Ela se sentia como uma figurante em um filme de luxo.
Mas então... Lorenzo sumiu.
Literalmente.
— Desculpe, senhorita. O senhor Alcântara foi chamado para uma conversa com os investidores de Miami — informou um dos garçons, ao ver a cara confusa dela.
Ótimo. Ele a deixou sozinha no meio dos tubarões.
Pegou uma taça de espumante e encostou-se em uma das colunas. Observava. Absorvia. Tentava parecer mais segura do que estava. Até que ouviu uma voz masculina atrás de si.
— Você não parece se divertir muito.
Virou-se. Um homem de terno cinza claro, cabelos grisalhos bem penteados e sorriso sedutor. Uns cinquenta anos. Olhar de quem sabia flertar com palavras.
— Sou só a secretária perdida na ala VIP. Fico aqui até alguém notar que sou uma fraude.
— Fraude? De forma alguma. Você se destaca. É... diferente das outras.
Isadora sorriu com educação. O homem era charmoso, mas tinha aquele ar ligeiramente predador que a deixava em alerta.
— Sou Gustavo Diniz. Amigo antigo do Lorenzo.
— Isadora. Mendes. Muito prazer.
— O prazer é meu — ele disse, inclinando-se para beijar sua mão, o que já a fez querer encolher os dedos. — Imagino que não seja fácil trabalhar com ele. Frio, calculista... dizem que o Lorenzo tem gelo nas veias.
— Ele é... exigente. Mas é justo. E isso já o coloca acima de muita gente.
Gustavo riu, intrigado.
— Você o defende?
— Eu não preciso defendê-lo. Só não gosto de injustiças. Mesmo que ele seja irritante.
Gustavo ergueu a taça num brinde silencioso.
— Gosto da sua coragem, senhorita Mendes.
Antes que a conversa se estendesse — e tomasse um rumo mais desconfortável —, uma presença surgiu ao lado dela.
— Gustavo. Enfim se aposentou das tentativas forçadas?
Lorenzo.
Sério, tenso e... protetor?
— Só estava elogiando sua assistente. Você realmente tem bom gosto.
— Bom julgamento, Gustavo. Gosto é outra coisa — respondeu Lorenzo, com um meio sorriso cortante.
Isadora sentiu o clima pesado. Como se os dois tivessem um passado que não precisava ser dito. Gustavo se afastou, elegante, mas ferido no orgulho.
Lorenzo virou-se para ela.
— Você atrai problemas como um ímã.
— Eu estava só... parada. Respirando.
— Talvez devesse fazer isso em outro canto da festa.
— Talvez você pudesse dizer “obrigado” por eu manter a compostura enquanto um velho rico tentava me saborear com os olhos.
Ele encarou-a com mais intensidade do que deveria. E então disse:
— Obrigado.
Isadora piscou, surpresa.
— Uau. Não pensei que viveria o suficiente pra ouvir isso.
— Pois guarde bem esse momento. Vai demorar pra acontecer de novo.
Ela riu.
E, por um instante, Lorenzo também. Pequeno, discreto, mas real. Um milagre noturno.
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A volta para casa foi em silêncio. Ele insistiu em levá-la, alegando “questões de segurança”. No carro, nenhum dos dois falou muito. O motorista parecia parte do banco.
Ao chegarem ao prédio dela, Lorenzo disse apenas:
— Boa noite, Isadora.
— Boa noite, Lorenzo.
Ele hesitou por um segundo. Os olhos passearam por seu rosto, demorando-se nos lábios. Mas não disse mais nada.
Ela desceu. E só então percebeu que seu coração estava batendo rápido demais.
Não era só o salto. Nem o espumante.
Era ele.
E isso... era um problema.
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