RUBY PORTMANO caminho de volta para casa foi silencioso, mas não desconfortável. Era como se tudo o que precisava ser dito já tivesse sido. As luzes da cidade refletiam no para-brisa do carro, criando padrões dourados e cintilantes que dançavam sobre o painel. Eu observava aquelas luzes, tentando me agarrar a elas como quem tenta se apegar a algo que ainda faz sentido.O meu coração ainda pesava. Não de dor, mas de um peso diferente, mais denso. Eu tentava assimilar a noite, a conversa, a história dele. O anel. Aquilo tudo parecia um mundo novo que eu ainda não sabia se queria adentrar ou apenas observar de longe.Harry dirigia em silêncio, a mão firme sobre o volante, os olhos atentos à estrada, mesmo que os pensamentos estivessem visivelmente em outro lugar. Ele não era do tipo que pedia, que se explicava. Então o simples fato de ter se despido emocionalmente daquela forma me fazia entender o quão longe ele já havia ido. Por mim.Quando o carro parou em frente ao meu prédio, um sil
RUBY PORTMANA semana que se passou depois da audiência preliminar e do pedido de casamento parecia um espaço suspenso no tempo. Eu ainda não havia dado uma resposta a Harry. E, sinceramente, não era por falta de sentimentos. Era por excesso. Excesso de memória, de feridas, de vozes internas debatendo entre razão e intuição. Não nos falamos muito desde aquela noite. Eu me envolvera depois, também, com currículos, entrevistas, contatos e, claro, conversas com meu advogado. Já Harry, alegara estar lidando com assuntos internos da Radcliffe, e, no fundo, foi bom porque me dava espaço para pensar, sem eu me sentir pressionada a dar uma resposta de imediato.Mas naquela manhã — ou melhor, início de tarde — não havia espaço para distrações.A chuva caía grossa, o tipo de chuva quente de verão que pareciam limpar os pecados da cidade. O céu, antes escaldante, agora estava encoberto por nuvens carregadas, e a claridade difusa dava à cidade um ar de nostalgia, tanto que as calçadas exalavam o
RUBY PORTMANA sala do tribunal estava pesada, o ar carregado com a expectativa que precedia a decisão. As palavras dos advogados ainda ecoavam na minha mente, tentando encontrar algum sentido, algum caminho que me indicasse o que viria a seguir. Mas eu sabia que nada poderia mudar o fato de que o julgamento de Johnny estava prestes a ser encerrado. E, de alguma forma, eu não estava preparada para o que viria a seguir. Não importava o quanto a minha mente tentasse se preparar. Nada seria suficiente.Harry estava quieto, como sempre. O seu olhar distante parecia focado em algum ponto além do tribunal. Eu queria perguntar o que ele pensava sobre o caso, mas sabia que ele preferia manter as suas opiniões para si. Não que eu fosse muito diferente, mas naquele momento, eu não conseguia afastar a sensação de que estava prestes a ser engolida por uma tempestade.O juiz levantou-se e, com a gravidade de sempre, começou a dar as instruções ao júri. Suas palavras eram claras, diretas, como um a
HARRY RADCLIFFEO ambiente da sala de visitas é bem opressivo. Um tom de cinza uniforme cobria as paredes e o teto, iluminado por luzes frias, brancas demais, que faziam doer nos olhos se expostos demais. O que era irónico, é que havia algo naquele tipo de iluminação que parecia intensificar o vazio de tudo à volta, e para variar, a sala não tinha janelas, apenas uma mesa de madeira escura ao centro e duas cadeiras de cada lado, como se estivessem se preparando para um duelo silencioso.Sentei-me com calma. As minhas mãos ajustaram os botões do meu paletó azul-marinho, com movimentos lentos, esperando que assim o tempo passasse o mais rápido possível.Quando Herodes esteve preso, eu só havia o visitado uma única vez, com a minha mãe; acho que era uma tentativa dela me fazer acreditar, e ela própria acreditar também, que as coisas seriam diferentes, mas não foram, e por isso, aquela foi a última vez que pisei dentro de uma penitenciária.Recostei-me na cadeira e deixei os meus olhos p
HARRY RADCLIFFEO céu sobre Nova Iorque ainda chorava uma garoa insistente quando deixei a penitenciária. O cheiro de concreto molhado misturava-se ao ferro-velho dos portões. Os guardas apenas assentiram com a cabeça ao me ver sair, e fecharam os portões enquanto eu caminhava para fora do recinto total.Do lado de fora, andei até o meu carro estacionado a frente da fachada, e a medida que eu me aproximava, senti a gravata apertando a minha garganta como uma algema, e a luz acinzentada do dia me irritando. Entrei no veículo, fechei a porta com força, enquanto procurava ar e disquei um número do meu celular.— Irving — rosnei, assim que ele atendeu. — Preciso confirmar uma informação. Agora.— Boa tarde para você também, Sr. Radcliffe — respondeu ele, a voz enfastiada. — A que devo o prazer?— O nome “Fleur Étoile” te diz alguma coisa? Uma floricultura, fachada. Segundo uma fonte, pode estar lavando dinheiro para execuções contratadas.Houve um breve silêncio do outro lado.— Repete is
RUBY PORTMANO sol escaldante do início da tarde aquecia cada centímetro do jardim da casa de Milena e Edward, e mesmo com o céu límpido acima das nossas cabeças, uma brisa suave trazia certo frescor que tornava tudo mais suportável. A piscina brilhava com tons turquesa, refletindo o movimento lento das folhas das palmeiras que contornavam os muros altos da propriedade. Vivendo em apartamento, obviamente não poderia dispensar um bom mergulho, e agora estava dentro d'água, com o corpo imerso até a cintura, os cotovelos apoiados na borda, os braços cruzados e a cabeça repousando sobre um deles. Observava tudo em silêncio, absorta.A casa deles era simplesmente maravilhosa. Tinha aquele charme das residências brasileiras de arquitetura contemporânea, com linhas retas, madeira de demolição, concreto aparente e vidros amplos que deixavam a luz circular sem restrição. Os ambientes se conectavam sem rigidez, criando uma fluidez leve e sofisticada. Milena sempre teve um olhar afiado para pro
RUBY PORTMANA noite descia lenta sobre a casa do meu lindo casal favorito, tingindo as amplas janelas de vidro com tons alaranjados que logo se transformavam em um azul profundo e sereno. A luz da sala era suave, amarela, refletida no piso de madeira escura e nas paredes em tons neutros, realçando o charme contemporâneo da arquitetura que Milena havia concebido com tanto cuidado. Aquela casa tinha alma. E nossa, meu sonho é ter algo semelhante, não é como se eu não adorasse o meu apartamento, porque adoro, mas é diferente… é diferente porque eles nem passam o tempo todo aqui, mas é uma extensão deles.Estávamos os três sentados na sala, no fundo, tocava um baixo só de jazz que Edward fez muita, mas muita questão de colocar, e ficamos a conversar entre um gole de vinho e outro. Edward, com um dos pés apoiado no apoio do sofá, tamborilava os dedos sobre a barriga enquanto falava:— Aquele pediatra em Florença ainda atende? Abigail nasceu aqui nos Estados Unidos, mas… a nova menina pre
HARRY RADCLIFFE18 ANOS ATRÁS...Chegar a Brooklyn naquela noite abafada de agosto foi menos um recomeço e mais uma mudança de célula. Nada poético. Nada romântico. Apenas prático. Não havia mais amarras. Nenhuma explicação a dar. Eu e Steffan. Era isso. Um estúdio minúsculo, paredes encardidas, uma janela emperrada e um banheiro que vazava mais do que funcionava. Ainda assim, melhor do que qualquer coisa que vivemos nos últimos anos. E o aluguel cabia no bolso. Isso era o que importava.O dinheiro que guardei nos dois anos anteriores, sem que Herodes ou Lorena soubessem, pagava os primeiros três meses de aluguel e ainda permitiu que comprássemos roupas decentes, o importante nisso tudo era nos manter limpos, saudáveis e com a barriga cheia para que ninguém nos denunciasse ao conselho tutelar e fossemos parar a um orfanato, ou pior, que fossemos separados, já que faltava menos de um ano para eu completar dezoito, e nada me garantiria que eu conseguiria a guarda do meu irmão de volta.