— E esse ano, teremos mais um novo aluno para completar o nosso time de estrelas que é o Colégio Bernoulli. É com muito prazer que dou as boas-vindas a Benjamin William.
E lá estava ele. Jaqueta de couro, calça justa e um sorriso que faria até a Madre Teresa repensar seus votos. Uma onda percorreu meu corpo. O auditório virou uma arena, gritos por todos os lados. As meninas quase desmaiando. Era como assistir à eleição relâmpago do novo rei do baile. Minha tia, a broaca oficial, ainda falou mais umas bobagens antes de nos liberar. Saí em direção ao meu armário. Como num passe de mágica, os celulares apitaram em sincronia com o início das aulas. Nossa escola tem um aplicativo próprio — dá pra fazer de tudo por ali, de reclamações sobre professores a pedidos de transferência. Um clique e voilà. Carla e John se aproximaram.
— Garota, tu viu aquele espetáculo de homem? — John disse, se abanando com a própria mão.
— Para com isso, John, você sabe que ele não é do nosso nível — Carla abriu o armário e conferiu o horário no celular. — A gritaria no auditório deixou isso bem claro.
— Exatamente. Ele já foi coroado rei só por ter subido naquele palco — falei, pegando meus livros.
— Ai, meninas! Nada de ilusão — John tirou o iPhone do bolso. — Bora ver os horários.
Carla ficou comigo em Filosofia e Espanhol, John em Matemática e Física. Nada mal. Teria companhia na maioria dos dias. Pena que a primeira aula já nos separava. Pegamos as coisas e seguimos para nossas salas.
— Esse ano tem cara de bomba — resmunguei.
— Eu con... — alguém trombou em mim. Cadernos no chão.
— Me desculpa, eu...
— Ei, nem perde tempo pedindo desculpas. Ela não passa de uma escória, uma bisbórria qualquer — Veronica. A líder do clã das cobras e, infelizmente, minha prima. Ela lançou um olhar de nojo e puxou o garoto para longe.
Mas ele se livrou das mãos dela e se abaixou para me ajudar.
— Veronica, quem você pensa que é pra falar da Amber assim? — Carla se adiantou, e John a segurou.
— Ninguém menos que a prima linda e rica dessa bastarda — Veronica respondeu, enquanto risadas explodiam ao nosso redor. Um grupo já nos cercava, feito abutres.
— Veronica, eu sei que a gente acabou de se conhecer, mas não acho certo tratar alguém assim — Benjamin disse, me entregando os cadernos. Eu mal conseguia falar, só acenei com a cabeça.
— Benjamin, querido — droga, lá vem bomba — logo você se acostuma. Aqui é assim. Ela não passa de uma bisbórria.
— Não consigo entender como alguém trata a própria prima dessa forma. Isso é desumano — ele se aproximou. — Você tá bem?
Só consegui assentir. Carla e John olhavam tudo como se fosse um filme prestes a ganhar o Oscar.
— Benjamin, querido, se afasta dessas... dessas coisas — disse Veronica.
— Coisas? Eu vejo pessoas aqui — ele respondeu.
O queixo de Veronica caiu. Uma gargalhada irônica se espalhou, até entre suas próprias seguidoras. Eu tentei sair de fininho, mas a multidão me cercava.
— Você ainda é novo, vai entender... nossa escola é conhecida por colocar as pessoas nos seus devidos lugares — ela falou, dando a volta no Benjamin e colocando o braço sobre seu ombro. — Pessoas como nós nascem pra governar. Ela nasceu pra obedecer.
— Você tá maluca? E a igualdade? — ele tirou o braço dela de cima dele. — Isso não pode continuar. Somos a nova geração, decidimos como o futuro será.
— Mas que confusão é essa? — a voz da minha tia cortou o ar.
— Ah, mamãe, ainda bem que chegou — Veronica correu para ela como se tivesse cinco anos. — A Amber tá incomodando meus amigos, especialmente o Benjamin.
— Amber, venha comigo até a diretoria — disse minha tia. Suspirei. De novo, a mesma palhaçada. Alguém segurou meu braço com força.
— Não. Ela não fez nada pra merecer isso — Benjamin, outra vez. Esse garoto quer me matar.
— Claro que fez, querido. Você não ouviu minha filha?
— Ouvi, e não concordo. Quem começou tudo fui eu.
Todos olharam pra mim. Me escondi ainda mais atrás da Carla.
— Pois bem — disse minha tia, tentando encerrar o show — Veronica, Benjamin e você, Amber. Sala da diretoria. O resto, para suas salas.
A multidão se dispersou. Carla e John me mandaram olhares de apoio antes de seguirmos.
— Você está encrencada e sabe disso — minha tia disse quando passamos pela porta. — Agora sentem-se e me contem o que aconteceu.
Veronica se enfiou ao lado de Benjamin no sofá. Ele discretamente formou uma barreira entre nós.
— Mamãe, a Amber se jogou no Benjamin. Queria atenção — disse ela.
— Isso é verdade, Amber? — minha tia enfatizou meu nome como se fosse uma ofensa.
Fiquei em silêncio.
— Não, não é — respondeu Benjamin.
Todos nos viramos. Que tipo de cara era esse?
— Claro que é, querido. Isso é tudo um plano dessa aí. Ela quer um homem rico pra bancá-la — Veronica disse, alisando o braço dele.
— Veronica, tenha modos — minha tia finalmente interveio.
— Desculpa, mamãe, mas ela me tira do sério. Você sabe disso.
— Eu não entendo como alguém trata a própria família assim — Benjamin insistiu. Esse garoto tem a alma de um pastor.
— Reis e servos, lembra? — Veronica rebateu.
— Isso vai contra tudo que acredito.
— Benjamin queri...
— Parem de me chamar de “querido”. Só me deixam mais irritado.
Silêncio.
— Essa conversa não vai levar a nada. Eu e a Amber já vamos indo — ele disse, se levantando. Abriu a porta pra mim como se fosse um cavalheiro de novela. A turma das broacas ficou muda.
— O que foi aquilo? Por que você deixa acontecer? — ele perguntou no corredor.
Não respondi. Ele me encurralou contra a parede.
— Ei, me responde.
— Eu... eu não sei.
— Como assim, não sabe?
— Eu... eu... — minha garganta queimava. E então, lágrimas. Droga. Por que agora?
— Desculpa. Eu não queria te assustar — ele suavizou a voz. — Só queria ajudar.
Me desvencilhei e saí correndo. Ele não me conhece. Não sabe nada de mim.
Eu odeio essa escola. Odeio essa cidade. Odeio a mim mesma.
Cresci numa família de diplomatas. Em outras palavras: nasci em berço de ouro, com a certeza de que herdaria terras, empresas, lojas e tudo mais que o sobrenome William pudesse me oferecer. Mas meu pai nunca permitiu que eu me tornasse um mimado. Pelo contrário, fez questão de me mostrar de perto a dureza da vida — a fome, a pobreza, e principalmente, a ignorância.Hoje vou entrar na mesma escola onde ele estudou. Foi lá que conheceu e se apaixonou por minha mãe. Mas ele me avisou: as coisas mudaram. Disse que a nova gestão, liderada por uma diretora gananciosa, transformou o lugar. Segundo ele, meu nome — William — valeria mais do que minha própria personalidade. Eu teria que aprender a navegar nesse ambiente onde meu título pesava mais que quem eu sou: Benjamin.Com a ajuda da minha ama, em poucos minutos já estava vestido e alimentado.— Ben, seu carro já está pronto. Só falta você.— Obrigado, Maria. Não sei o que seria de mim sem você — aproximei-me e beijei sua bochecha. Ela sorr
Faz cinco dias desde que vi Benjamin. Ele virou a celebridade do momento, o príncipe encantado que desmaiou diante da escola inteira e, mesmo assim, conseguiu sair por cima. Já eu... continuo sendo ninguém.Minha tia, com sua criatividade habitual, decidiu me punir furando os pneus da minha caminhonete — junto com sua filhinha predileta. Sabem que estou juntando cada centavo para a faculdade, e me atingiram onde mais dói. Resultado: tive que trabalhar o dobro para repor o prejuízo.Hoje é dia de encarar mais um turno na lanchonete da empresa do pai do Théo. Não é o pior dos lugares... até os amigos dele aparecerem. A partir daí, começa o inferno: lanches no chão, bebidas derramadas em mim, e a palhaçada clássica de colocarem o pé para eu tropeçar enquanto sirvo os outros clientes.Não quero começar o dia já me irritando, então me levanto e me arrumo. O uniforme de garçonete não me cai tão mal, e por um segundo me pego pensando nisso — Droga, estou começando a pensar como aqueles idiota
— Maria, chame o Daniel para mim. — Peço, me sentando na cama.— Ei, o médico disse repouso absoluto. — Ela corre até mim, ajusta os travesseiros nas minhas costas com aquele jeito cuidadoso de sempre.— Ah, Maria… já não sou mais uma criança. Posso me cuidar.— Pode até não ser mais criança, mas quando o assunto é teimosia… você volta a ser um bebê de colo. — Ela revira os olhos. — Fica quietinho aí. Já volto com o Daniel.Assim que ela cruza a porta, pego meu laptop. Vou direto para a área de pesquisa. Tento encontrar qualquer informação sobre Amber… nada. Frustrado, fecho o laptop com um suspiro e me ajeito na cama novamente. Batem à porta.— Pode entrar.— Mandou me chamar, Ben? — Daniel entra e fecha a porta atrás de si.— Sim. Preciso de algumas informações. E você é o homem certo para isso.— O que tem de tão importante? — Ele leva a mão ao queixo, pensativo. — Está interessado em alguém, Ben?— Claro que não! O que vocês nessa casa pensam de mim?! — Jogo uma almofada nele.— Op
Meus olhos ardem, minha cabeça lateja. Não me lembro da última vez em que minha cama pareceu tão macia. Me levanto devagar, cambaleando até o que acredito ser o banheiro. Estendo as mãos procurando a pia, mas... nada. Esfrego os olhos com força.Droga. Esse não é o meu banheiro. Na verdade, isso nem parece um banheiro.Roupas masculinas estão jogadas por todos os cantos. Em que tipo de lugar eu vim parar?— Amber? Você está aqui?A voz feminina me paralisa. Dou passos leves até a porta e espreito pelo vão. Uma mulher que nunca vi antes me olha como se me conhecesse.— Aí está você — ela sorri, vindo em minha direção. Penso em fugir, mas é tarde. Fui sequestrada?— Estava procurando o banheiro? — pergunta ela gentilmente. Assinto em silêncio, e ela segura minha mão, guiando-me até uma porta mais afastada.Entro rápido e fecho a porta. Encosto nela, respirando fundo. Onde estou? Isso é mesmo um sequestro? Não... nada aqui parece ameaçador. O lugar é sofisticado, cheio de detalhes caros.
– Vamos entrar, queridos. A Maria já deve estar terminando o almoço. – Almoço? Já é esse horário? – pergunto, atordoada. – Está tudo bem, querida? Você está pálida.– Eu preciso ir embora. – A urgência explode dentro de mim. – Como fui demorar tanto pra lembrar? Eu preciso ir embora. Agora.– Mas você precisa comer, Amber. Mal tomou café... – Benjamin... se você pudesse ouvir meus pensamentos, por favor, pare de me manter aqui.– Você não entende. Eu não deveria estar aqui. Ela tem regras... e punições. Cada minuto aqui me complica ainda mais. A última coisa que lembro é de estar no trabalho. E eu devia estar lá hoje, no mesmo horário. Eu sei que vocês querem ser os heróis da minha história... mas a vida real não é um conto de fadas.– Querida, já entramos em contato com sua tia. Ela sabe onde você está. Não acho que ficar para almoçar será um problema. – A voz da mãe de Benjamin é doce, mas meu corpo treme. Minha garganta fecha. Vou chorar. – Vamos garantir que você chegue bem em
Acordei com uma dor de cabeça latejante e, instintivamente, amaldiçoei a Verônica. Me levantei sem vontade alguma. As marcas nas pernas ainda estavam visíveis, mas não me permiti lamentar. Tomei um banho rápido e vesti uma calça jeans no lugar da maldita saia do uniforme. Prendi o cabelo num rabo de cavalo e encarei o arquivo em cima da cama. Sabia que não podia deixá-lo ali. Sem muitas opções, enfiei dentro da mochila e agradeci mentalmente por usar bolsas diferentes para o trabalho e para a escola — do contrário, não teria como levar meu material.Todas as minhas coisas, incluindo meu celular e meu carro, estavam na lanchonete. Suspirei fundo, irritada. Culpa do Benjamin, claro.— Senhorita Jons, posso usar seu celular? O meu ficou na lanchonete — disse enquanto passava por ela, depositando um beijo em sua bochecha.— Mas é claro, minha menina. Você sabe que não precisa pedir — respondeu com carinho, tirando o celular do bolso. — E como estão suas pernas? Você devia ficar em casa.—
Eu não tive coragem de entrar na aula. A Carla estava encrencada por minha causa e isso me corroía por dentro. Meus tênis gastos faziam um barulho irritante contra o piso enquanto eu andava de um lado para o outro no corredor vazio. O zumbido nos meus ouvidos e a palpitação no peito não me deixavam pensar em mais nada. Tudo era culpa minha. Se eu tivesse enfrentado Verônica, se não fosse tão submissa, agora seria eu lá dentro e não a Carla.— Sabia que ia te encontrar aqui. Como estão as coisas? — John surgiu ao meu lado, com a expressão preocupada. Ele devia ter me mandado mensagem, mas esqueceu que estou sem celular. Típico dele. — Aquela megera mexeu com você de novo? — Ele olha para meu uniforme, ainda manchado de suco seco.Eu não respondo. Só me viro e continuo andando, tentando fugir até da conversa.— Ei, Amber. Para com isso — ele diz antes de me puxar para um abraço apertado, que me prende no lugar.— É culpa minha… Se a Carla não tivesse me defendido, não estaria lá dentro a
Cheguei na loja muito antes do horário, ainda com o uniforme sujo da escola e uma sacola apertada nas mãos. Kevin correu em minha direção assim que cruzei a porta, seus olhos arregalados de pânico.— Amber, meu Deus, o que aconteceu com você? — Ele me segurou antes que eu desabasse. — Isso na sua calça é sangue?Tentei responder, mas minha garganta parecia fechada. Meu corpo tremia e minhas pernas fraquejaram. Me apoiei nele, mas estava tudo girando.— Amber, tá me ouvindo? Amber?! — Eu ouvia, sim. Mas era como se meu corpo tivesse se desconectado. Meu campo de visão ficou embaçado. Droga... vou desmaiar.3 horas depois – Hospital Cristina Clevis, particularO som agudo do monitor cardíaco me trouxe de volta. Senti o soro no braço e, ao lado da cama, Benjamin dormia numa cadeira desconfortável como se fosse um sofá de pelúcia. Seus cabelos estavam bagunçados, a expressão cansada, mas ainda assim... estranhamente tranquila.Meus olhos encontraram os dele bem no momento em que ele acordo