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Capítulo 3 - Provando ser algo a mais

Cresci numa família de diplomatas. Em outras palavras: nasci em berço de ouro, com a certeza de que herdaria terras, empresas, lojas e tudo mais que o sobrenome William pudesse me oferecer. Mas meu pai nunca permitiu que eu me tornasse um mimado. Pelo contrário, fez questão de me mostrar de perto a dureza da vida — a fome, a pobreza, e principalmente, a ignorância.

Hoje vou entrar na mesma escola onde ele estudou. Foi lá que conheceu e se apaixonou por minha mãe. Mas ele me avisou: as coisas mudaram. Disse que a nova gestão, liderada por uma diretora gananciosa, transformou o lugar. Segundo ele, meu nome — William — valeria mais do que minha própria personalidade. Eu teria que aprender a navegar nesse ambiente onde meu título pesava mais que quem eu sou: Benjamin.

Com a ajuda da minha ama, em poucos minutos já estava vestido e alimentado.

— Ben, seu carro já está pronto. Só falta você.

— Obrigado, Maria. Não sei o que seria de mim sem você — aproximei-me e beijei sua bochecha. Ela sorriu, carinhosa.

— Pegue sua bolsa, querido. Você não vai querer se atrasar logo no primeiro dia.

Pego a bolsa da mão dela e seguimos até a porta da frente. Lá estava Everton, seu marido, com um sorriso acolhedor. Ele abriu a porta do carro e virou-se para Maria.

— Você está radiante hoje, querida.

— Estou igual estava quando acordei. Deixa de bobagem e leva logo meu menino.

— Sim, senhorita. Seu desejo é uma ordem — ele brinca e dá partida.

Maria está comigo desde que me entendo por gente. Foi minha mãe de leite, porque minha mãe biológica não conseguia me amamentar. Cresci grudado nela, o que fez com que ela praticamente criasse dois filhos da mesma idade.

A paisagem pela janela vai mudando. Estamos na cidade agora. Pessoas apressadas, casais de mãos dadas, mães com seus filhos… Me pergunto o que me aguarda nessa nova escola. Sempre estudei em casa. Meus pais vieram do nada, estudaram exatamente ali. Tenho quase certeza de que isso é um teste. Espero estar à altura.

Os portões da escola surgem à frente. Sinto o desânimo me dominar. Já sei que hoje não será fácil. Everton para o carro. Vejo alguns alunos entrando, mas nenhum sequer olha em minha direção. Passo a mão na nuca e abaixo a cabeça, frustrado.

— Sério isso, pai? Você quer mesmo que eu conviva com esse tipo de gente?

— Você dá conta, garoto. Isso não é nada que já não tenha visto antes.

— Eu sei, Everton. Mas ver é bem diferente de conviver. Essas pessoas vivem pela ganância.

— Vai dar tudo certo. Vai por mim.

— Espero… Até mais tarde.

Desço do carro. O ar da escola me enjoa. Respiro fundo e reúno minhas forças. Os olhares queimam minha pele, mas os ignoro. Sigo em direção à diretoria. Uma mulher com um sorriso largo me recebe.

— Olá, jovem. Em que posso ajudar?

Pego o papel que Maria colocou no meu bolso para não esquecer.

— Sou aluno novo.

— Ah, Benjamin — ela lê meu nome no papel e sorri. Levanta-se e contorna o balcão. — Venha, vou levá-lo ao auditório. Todos estão indo para lá.

— Ok.

Enquanto caminhamos pelos corredores silenciosos, ela continua explicando:

— Está com o celular?

— Sim.

— Tudo aqui funciona por meio do aplicativo da escola. Nele você encontra seu horário, comunicados e muito mais. — Ela me entrega um papel. — Essa é a senha do seu armário. Se perder, pode gerar outra com seu número e login.

Ela abre a porta do auditório e me dá passagem.

— Esse aqui é seu login do app. Acesse agora, enquanto ela fala. Daqui a pouco será chamado ao palco. Não precisa dizer nada. Seja bem-vindo e boa sorte.

Faço login. O aplicativo é completo mesmo. Dou uma olhada rápida e guardo o celular. A mulher no palco me observa de canto de olho. Vai me anunciar.

— Este ano temos mais um novo aluno para compor o nosso excelente time. Com muito prazer, damos as boas-vindas a Benjamin William!

Caminho até o palco. Uma gritaria me surpreende — especialmente das meninas. Fico encabulado. Ainda não ganhei nenhum prêmio para tanto alarde.

Assim que saio do palco, algumas garotas e dois rapazes me cercam.

— Veronica, acredito que queira recepcionar nosso novo aluno — diz a diretora, praticamente me jogando aos leões.

— Claro! Eu e meus amigos vamos te ajudar com o que precisar, né, pessoal?

Eles assentem, alguns com voz, outros com a cabeça.

— Obrigado.

— O prazer é todo meu, querido — ela se agarra ao meu braço. Que desconforto.

— Então, como vocês se chamam? — pergunto aos demais.

— An...

— Eu me chamo Veronica, e esses são meus amigos — ela interrompe.

— Sim, o seu eu já sei. Quero saber o deles.

— Eles não são ninguém importante.

— Claro que são.

Nesse momento, dou um passo para trás, tentando me afastar de Veronica — e esbarro em alguém. Ouço um suspiro surpreso, e os cadernos da pessoa caem no chão.

— Me desculpa, eu...

Me abaixo de imediato para ajudar, mas antes que eu consiga dizer mais alguma coisa, Veronica me puxa bruscamente pelo braço.

— Ei! Não peça desculpas a ela! — rosna ela. — Essa aí é escória. Uma bisbórria.

Levanto o olhar e vejo a garota com quem esbarrei. Ela tem os olhos mais tristes que já vi. Uma aura pesada, mas ao mesmo tempo forte. Ela não parece querer que ninguém repare nela — e ainda assim, é impossível ignorá-la.

Antes que eu possa falar algo, uma garota de cabelo cacheado aparece e desafia Veronica:

— Veronica, quem você pensa que é pra falar assim da Amber?

Amber… então é esse o nome dela.

— Ninguém menos que a prima linda e rica dessa bastarda — Veronica diz, rindo alto. Os outros a acompanham como cordeiros.

— Benjamin, querido — Veronica volta a me puxar —, você logo vai entender como tudo funciona aqui. Ela não passa de uma bisbórria.

— Como você pode tratar sua própria prima assim? Isso é desumano! — falo, já me aproximando de Amber. — Está tudo bem? Se machucou?

Ela balança a cabeça negativamente, mas continua em silêncio. Parece assustada — e cansada.

— Benjamin, afaste-se dessas… — Veronica insiste. — …coisas.

— Coisas? Eu só vejo pessoas aqui.

Ela ri. Um riso que me dá nojo.

— Querido, essa escola é conhecida por colocar as pessoas nos seus devidos lugares.

— Você está louca? E a igualdade?

— Eu já disse: reis e servos.

Aos poucos, a frustração cresce dentro de mim. Tenho vontade de gritar com todos. Mas então…

— Que confusão é essa?! — uma mulher aparece, a mesma que me recepcionou mais cedo. — Abram caminho!

— Ah, mamãe, que bom que chegou! — Veronica diz, falsa como ela só. — A Amber está incomodando os outros, principalmente o Benjamin.

Eu tento explicar, mas a diretora já está decidindo o destino de Amber.

— Amber, venha comigo até a diretoria.

— S-sim...

— Não! Ela não fez nada! Eu causei a confusão. Ela não merece ser punida.

— Mas Benjamin...

— Eu insisto. Quem começou tudo fui eu.

Silêncio. Todos me encaram. A diretora estreita os olhos. Está tentando me ler, como se buscasse segundas intenções.

— Muito bem, Benjamin. Vamos conversar melhor na minha sala. Você também, Amber.

Amber hesita, depois segue à frente, cabeça baixa.

Enquanto a sigo, sinto que essa escola guarda mais do que apenas escândalos e notas altas. Ela guarda monstros. E talvez… algumas vítimas.

Mas algo me diz que Amber não é só vítima. Ela parece o tipo de pessoa que, mesmo com o mundo nas costas, continua em pé.

No caminho até a diretoria, minha mente gira em círculos. Tento encontrar uma maneira de contornar a situação, mas tudo parece um jogo onde todas as cartas estão marcadas contra mim.

Assim que entramos na sala, Veronica se acomoda ao meu lado como se fosse dona do lugar — e de mim também. Amber senta-se mais afastada, encolhida, como se quisesse desaparecer no estofado da cadeira. Há algo no jeito dela… uma solidão que me atinge de um jeito estranho.

A diretora fecha a porta com um estalo seco e senta-se atrás da mesa.

— Muito bem. Quero entender o que aconteceu — diz ela, com aquela calma ameaçadora.

— Mamãe — Veronica começa, com voz doce e cínica —, a Amber se jogou em cima do Benjamin. Estava tentando chamar atenção. Aposto que queria fisgar um homem rico.

Amber arregala os olhos.

— I-isso não é verdade… — a voz dela é um fio, quase imperceptível. — Eu tropecei. Só isso.

— Ela sempre tem uma desculpa — Veronica rebate, revirando os olhos. — Mas é sempre a mesma história. Coitadinha da órfã, né? Mas no fundo, ela é esperta. Sabe bem o que quer.

— Isso é ridículo — falo, sem conseguir disfarçar o nojo na minha voz. — Essa acusação não tem sentido.

— Ah, querido… — Veronica segura meu braço, com aquele sorriso treinado — você é novo aqui. Ainda não conhece o tipo de pessoa que ela é. Não se deixe enganar por essa carinha de santa. Amber vive atrás de qualquer um com sobrenome e conta bancária.

— Isso não b**e com meus princípios — corto, seco.

Veronica franze a testa.

— Benjamin, queri...

— Parem de me chamar de querido! Isso só me deixa mais irritado! — minha voz sobe, firme. — Eu não sou brinquedo de vocês. Muito menos moeda de troca.

— Desculpa, queri... digo, desculpa — ela tenta consertar, mas já é tarde.

Olho para Amber. Ela está imóvel, olhos fixos no chão, como se estivesse em outro lugar.

— Essa conversa não leva a lugar nenhum. Eu e Amber vamos sair daqui — digo, levantando.

Estendo a mão para ela, e mesmo hesitante, ela aceita. Saímos da sala sob o olhar cortante da diretora e o choque silencioso de Veronica.

Já no corredor, caminho rápido, ainda com a mão dela entrelaçada na minha.

— Por que você deixa isso acontecer? — pergunto, inconformado. — Por que não se defende?

Ela não responde.

— Ei, me responde! — insisto, parando de repente. — Você merece mais do que isso!

Amber pisca devagar, como se processasse as palavras em câmera lenta. Seus olhos brilham com lágrimas contidas.

— Eu... não sei — ela sussurra.

Aquilo me desmonta. A raiva que eu sentia vira frustração.

— Como assim, não sabe?! — grito, mais alto do que pretendia.

Ela dá um passo para trás, assustada. Os olhos agora transbordam, e antes que eu possa dizer qualquer coisa, ela vira e corre.

— Amber! Espera! — vou atrás dela, mas o sinal toca.

As portas das salas se abrem, alunos inundam os corredores. Ela desaparece na multidão.

Fico parado no meio da confusão, sem reação. Encosto na parede. A adrenalina ainda pulsa, mas agora misturada com algo que não consigo nomear. Culpa, talvez? A dor de cabeça começa a crescer, como uma onda esmagadora.

Pego o celular com mãos trêmulas e ligo para o Everton.

— Me busca. Agora.


Algum tempo depois...

O carro corre pela cidade, mas dentro dele o silêncio é absoluto. Everton percebe que algo está errado, mas respeita meu espaço. O vidro frio toca minha testa. Meus olhos ardem. A dor na cabeça se intensifica. Amber ainda está na minha mente — aquele olhar vazio, a voz baixa, a forma como ela recuou de mim.

Minha visão começa a escurecer pelas bordas. Me encolho no banco. E apago.


Horas depois...

Abro os olhos com dificuldade. O teto é branco, as luzes suaves. Meu corpo parece pesado. Há vozes ao fundo, distorcidas como se estivessem debaixo d’água.

— Ele está acordando! — diz uma voz conhecida. Maria.

Me viro lentamente. Ao lado da cama, Maria segura minha mão com força. Meu pai está de pé, olhando para mim como se estivesse diante de um quebra-cabeça que não sabe montar. Um homem de jaleco branco se aproxima.

— Olá, Benjamin. Sou o Dr. Claus. Bom te ver acordado — diz ele, gentil, mas direto. — Você desmaiou no carro. Foi trazido às pressas.

— Minha… cabeça…

— Sim. Você teve um colapso. Estresse agudo. Sua pressão subiu demais, e seus exames mostraram plaquetas elevadas. Está tomando soro e um relaxante.

Ele injeta algo no soro. Só agora percebo o tubo ligado ao meu braço.

— Vai sentir sono. Mas vamos te monitorar, tudo bem?

Assinto, devagar. O quarto gira levemente. Meu pai cruza os braços, como se não soubesse o que dizer. Maria continua segurando minha mão, e por um segundo, sinto uma paz estranha. Mas então, o rosto da Amber volta à minha mente, como um retrato fantasma.

Os olhos dela. A forma como disse “eu não sei”.

Sinto tudo apagar de novo.

Lua Ataide

Olá pessoal, sou a Lua muito prazer. Eu gostaria de está com vocês a cada capitulo que leem para eu poder saber se estão gostando ou se está faltando algo, mas infelizmente não posso. A única coisa que posso esperar e um comentário, que me diga se estou indo no caminho certo ou já me perdi na historia. Conto com o apoio de vocês para que meu primeiro livro publicado não seja mais um de muitos outros que escrevi e não terminei. Espero que gostem desse novo capítulo, muita coisa vai mudar para a Amber a partir daqui. Boa leitura.

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