O relógio marcava exatamente nove horas da manhã quando Júlia bateu à porta da sala presidencial do Montenegro Group. A madeira maciça parecia intimidá-la antes mesmo de ela entrar. Respirou fundo, controlando o tremor nas mãos, e empurrou a porta.
Caio estava de costas, observando a cidade pela ampla parede de vidro que ia do chão ao teto. O sol da manhã delineava a silhueta dele com perfeição: ombros largos, postura imponente, as mãos cruzadas atrás do corpo como um general prestes a iniciar uma guerra.
— Entre. — A voz dele veio grave, baixa, mas cada sílaba carregava autoridade.
Júlia engoliu em seco e entrou, fechando a porta atrás de si.
— Sente-se. — Ele continuou, ainda sem olhar para ela.
Ela caminhou até a poltrona de couro diante da mesa e se sentou, mantendo a postura firme, como quem se recusasse a demonstrar fragilidade.
Por alguns segundos, houve um silêncio absoluto. Ela podia ouvir apenas o leve tique-taque do relógio na parede e o som da própria respiração, cada vez mais irregular.
Finalmente, Caio se virou.
O olhar dele encontrou o dela como uma lâmina, cortante, frio. Por um instante, Júlia quase se encolheu. Mas obrigou-se a manter o queixo erguido.
Ele caminhou lentamente até a cadeira atrás da mesa e sentou-se, ajeitando o paletó com um movimento automático.
— Antes de qualquer coisa, vamos estabelecer algumas regras. — A voz dele era calma, mas havia uma ameaça velada ali. — A partir de hoje, você atende apenas às minhas ordens. Vai trabalhar diretamente comigo, sem direito a recusar tarefas. Entendido?
Ela assentiu com um leve movimento de cabeça.
— Quero ouvir você dizer. — Ele a encarou com firmeza.
Júlia respirou fundo.
— Entendido.
— Ótimo. — Ele abriu uma pasta à sua frente e puxou alguns papéis. — Aqui está a sua primeira lista de tarefas. Vai começar organizando minha agenda das próximas semanas. Tenho reuniões com investidores, conselhos administrativos e um evento beneficente. Você será responsável por todo o planejamento.
Ela pegou os papéis com as mãos trêmulas, mas não disse nada.
Caio observou cada movimento dela, como um predador analisando a presa.
— Outra coisa... — Ele continuou, apoiando os cotovelos na mesa e entrelaçando os dedos diante do rosto.
— Quero um relatório completo sobre o andamento dos projetos sociais que a Ferrer Incorporadora estava patrocinando antes da aquisição. E nada de surpresas.
Júlia arqueou as sobrancelhas.
— Projetos sociais? Você pretende manter?
Por um breve momento, ela viu algo diferente no olhar dele. Uma hesitação mínima. Quase imperceptível.
— Isso não é da sua conta. — Ele respondeu, voltando ao tom habitual. — Apenas me entregue o relatório.
Ela mordeu o lábio inferior, contendo a resposta atravessada que queria dar. Não podia provocá-lo mais do que já estava fazendo ao simplesmente existir.
— Mais alguma coisa? — Perguntou, mantendo a voz neutra.
Caio sorriu, um sorriso que misturava diversão e desprezo.
— Ah, Júlia… isso aqui é só o começo.
Ela se levantou, segurando os papéis com força.
— Então, com licença. — Disse, saindo da sala com passos firmes, mas por dentro… cada nervo do seu corpo tremia.
Assim que a porta se fechou, Caio recostou-se na cadeira. Permitiu-se fechar os olhos por alguns segundos, respirando fundo.
Tê-la ali, tão perto, era uma tortura que ele mesmo havia escolhido.
Durante anos, ele sonhara com aquele momento. Sonhara em vê-la sofrer, em fazê-la pagar. Mas agora, com ela ali… tão vulnerável e ao mesmo tempo tão corajosa… Caio sentia o controle escapar pelas pontas dos dedos.
Mas não. Ele não podia fraquejar.
Ela era a razão de tudo.
Ela e a traição.
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Horas depois, Júlia estava sentada em uma sala pequena ao lado do escritório principal, transformada às pressas em seu novo ambiente de trabalho. A mesa simples, o computador e uma pilha de documentos esperavam por ela.
Respirou fundo, organizando a agenda de Caio com precisão. Conhecia bem o estilo dele. Gostava de horários rigorosos, sem atrasos, sem desculpas. Não gostava de reuniões desnecessárias, odiava telefonemas longos e preferia tudo resolvido por e-mail.
A cada ajuste que fazia, as memórias a invadiam.
Quantas vezes ela o ajudou com a agenda quando ainda era estagiário? Quantas noites ficaram juntos, sonhando com o futuro que nunca aconteceu?
Uma lágrima teimosa ameaçou cair, mas ela a enxugou antes que tivesse chance.
“Não agora. Não aqui.”
Tentou se concentrar no relatório dos projetos sociais. A Ferrer Incorporadora, mesmo em crise nos últimos anos, ainda mantinha alguns programas em comunidades carentes. Júlia conhecia bem cada um deles. Na verdade, era o único setor da empresa que ainda funcionava com algum orgulho.
Ela sabia que Caio provavelmente só havia mencionado o relatório como mais uma forma de provocá-la… mas, ainda assim, iria fazer o melhor trabalho possível. Não por ele. Mas por si mesma.
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No final da tarde, ela levou os documentos organizados até a sala dele.
Bateu à porta duas vezes antes de entrar.
Caio estava ao telefone, mas fez um sinal para que ela aguardasse.
Enquanto esperava, Júlia não pôde evitar observar o ambiente. Era sofisticado, com móveis de design moderno, tons escuros e sóbrios. Uma grande estante com livros de finanças, direito e… surpresa… clássicos da literatura.
Um deles chamou sua atenção.
“O Conde de Monte Cristo.”
Ela congelou.
Ele percebeu o olhar dela e, ao desligar o telefone, fez questão de pegar o livro da estante.
— Interessada na minha leitura de cabeceira? — Perguntou com um sorriso carregado de ironia.
Júlia corou levemente, desviando o olhar.
— Não é da minha conta.
— Não, não é. — Ele colocou o livro de volta com calma, depois estendeu a mão para pegar os papéis que ela trazia. — Vamos ver se a senhorita Ferrer ainda sabe ser eficiente.
Ela ficou em silêncio enquanto ele folheava os documentos.
— Parece que você ainda tem alguma utilidade… — Ele disse por fim, largando a papelada na mesa.
Júlia respirou fundo, controlando a vontade de retrucar.
— Se não houver mais nada, posso voltar para a minha sala?
Caio a encarou por um instante longo, como se avaliasse cada detalhe dela.
— Pode ir… por enquanto.
Ela saiu rapidamente, fechando a porta atrás de si.
Quando ficou sozinho, Caio passou a mão pelos cabelos, como se tentasse dissipar a tensão.
A presença dela mexia com ele mais do que gostaria de admitir.
Mas não havia espaço para fraquezas.
Afinal… ele não era mais o homem que ela conhecera.
Agora… ele era o homem que ela aprenderia a temer.