O Retorno de Caio Montenegro

O vento daquela tarde de outono trazia um frio discreto, mas era o suficiente para fazer Júlia Ferrer apertar mais o cachecol em torno do pescoço enquanto caminhava apressada pelas ruas do centro da cidade. O celular vibrou mais uma vez dentro da bolsa, mas ela ignorou. Provavelmente era mais uma ligação da agência de emprego ou algum cliente cancelando o projeto que ela tentava emplacar.

Suspirou fundo, parando na esquina, perto da antiga cafeteria onde, anos atrás, costumava encontrar Caio Montenegro. Só o nome dele ainda era capaz de provocar um aperto em seu peito, mesmo depois de tanto tempo. Ela se odiava por isso. Por ainda sentir. Por ainda lembrar.

Tentou afastar as memórias, mas foi em vão.

Nessa época, Caio era apenas um estagiário esforçado, com sonhos maiores do que a própria realidade. Tinha aquele sorriso fácil e os olhos sempre brilhando quando falava sobre o futuro. O futuro que eles tinham planejado juntos... antes de tudo desmoronar.

Júlia fechou os olhos por um instante, respirando fundo. Não era hora de pensar nele. Nunca era.

Seguiu seu caminho, determinada a ignorar o passado, mas parou bruscamente ao ouvir um burburinho vindo da entrada do prédio da Ferrer Incorporadora, empresa que um dia pertenceu à sua família e que agora estava prestes a mudar de dono mais uma vez.

Curiosa, virou-se na direção da movimentação e, no instante seguinte, o mundo pareceu parar.

Ele estava ali.

Caio.

O Caio Montenegro que ela conhecia tinha sumido. O homem à sua frente agora era outra pessoa.

Alto, com ombros largos, o terno escuro perfeitamente alinhado ao corpo atlético, a expressão dura, impenetrável. O olhar… Ah, aquele olhar. Já não havia mais brilho, apenas frieza e cálculo. Os traços antes suaves estavam agora marcados por uma masculinidade agressiva, e a barba por fazer só reforçava o ar perigoso que ele agora carregava.

Os jornalistas e funcionários ao redor pareciam hipnotizados pela presença dele. Câmeras apontadas. Perguntas lançadas ao vento:

— Sr. Montenegro, é verdade que o senhor acaba de adquirir 51% das ações da Ferrer Incorporadora?

— Qual o futuro da empresa?

— Pretende fazer uma fusão?

Ele não respondeu nenhuma pergunta. Apenas caminhou, determinado, ladeado por dois seguranças, como um rei em sua entrada triunfal.

O coração de Júlia disparou. Ela deu um passo para trás, desejando se tornar invisível, mas era tarde demais.

Os olhos dele a encontraram.

Por um segundo, o tempo pareceu congelar. Aquele olhar escuro se cravou nela como uma lâmina afiada. Não havia surpresa, nem emoção. Apenas uma análise fria, como se ela fosse apenas mais uma peça num tabuleiro que ele já estava manipulando há muito tempo.

Ela engoliu em seco. Por um instante, pensou que ele fosse ignorá-la. Parte dela até desejava isso. Ser invisível. Não fazer parte dos planos dele.

Mas Caio parou. Deu um leve sorriso torto, que não alcançou os olhos, e caminhou até ela com passos lentos, predatórios.

— Quanto tempo, Júlia… — A voz dele saiu baixa, rouca, com um tom levemente sarcástico. — Confesso que imaginei esse momento algumas vezes. Mas preciso admitir… ao vivo é bem mais interessante.

Ela sentiu o estômago revirar. O perfume amadeirado dele, a proximidade, tudo a fez lembrar de noites que ela lutava para esquecer.

— Caio… — Foi tudo o que conseguiu dizer, com a voz quase inaudível.

Ele inclinou levemente a cabeça, como se a analisasse.

— Surpresa em me ver? — Perguntou, com um sorriso que mais parecia um aviso.

Ela respirou fundo, tentando recuperar o controle.

— Não… — respondeu, com um fio de voz. — Na verdade, já imaginava que um dia você voltaria.

— Que bom. — Ele ajeitou a lapela do terno com um gesto elegante, mas carregado de tensão. — Porque eu voltei pra ficar.

Sem esperar por mais nada, Caio virou-se e entrou no prédio da antiga empresa da família dela, agora sua mais nova aquisição.

Júlia ficou parada ali, lutando para controlar o tremor nas mãos. O coração batendo em um ritmo descompassado.

Sabia que aquela seria apenas a primeira de muitas batalhas.

O homem que ela amou… não existia mais.

No lugar dele, havia apenas um inimigo.

Um inimigo que agora tinha todo o poder.

E ela... bem, ela não fazia ideia de como sobreviveria a isso.

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