Capítulo 2

O salão principal da casa da matilha estava iluminado de um jeito que eu nunca tinha visto antes. Até meu estomago estava diferente. Tochas presas às paredes lançavam sombras dançantes sobre as madeiras antigas, e o cheiro de flores recém-colhidas misturava-se ao da carne mal assada que vinha da churrasqueira. Era noite de festa, noite da Lua Crescente.

Uma tradição que unia todos nós e que, de certa forma, preparava os jovens para o que viria na primeira transformação adulta. 

Quando enfim, realmente nos transformamos em lobo.

Eu ajeitei o vestido simples que minha mãe tinha costurado com o pouco dinheiro que tinhamos. Não era de seda importada como o das filhas dos guerreiros, nem de veludo como o das meninas que orbitavam em torno de Danilo, em busca de serem a esposa do nosso alfa. Era apenas um vestido azul-claro, de tecido leve, que marcava a cintura e deixava meus ombros à mostra. Meu cabelo caía em ondas castanho-avermelhadas pelas costas, e eu havia passado minutos demais tentando domá-lo para que ja tivessem bagunçados novamente.

Olhei-me no espelho pequeno pendurado na parede do quarto. Meus olhos cinzentos refletiam a chama das velas, e por um segundo eu sonhei. Sonhei que, talvez, naquela noite ele me olhasse de outro jeito. Do jeito que eu nunca usumiria, mas desejada. Que não fosse com frieza ou desprezo, mas com reconhecimento.

Suspirei fundo.

Talvez fosse apenas fantasia de menina prestes a completar dezoito anos e com todos os hormonios lupinos a flor da pele.

— Você está linda, filha — disse minha mãe, entrando no quarto com aquele sorriso cheio de ternura. — Mas não se iluda. O baile é para todos. Não espere nada dele.

— Eu sei, mãe — respondi, mesmo que uma parte de mim não acreditasse nas próprias palavras.

Descemos juntas até o salão, onde as conversas já enchiam o ar. O barulho de risadas, o arrastar de cadeiras, os passos de quem dançava. O coração da matilha pulsava forte ali, cada rosto iluminado pelo fogo e pela expectativa.

E no centro, ele.

Sempre ele.

Danilo Fernandes.

O alfa.

Nosso Rei.

Estava cercado de conselheiros e jovens lobas que tentavam chamar sua atenção. Usava uma camisa preta de linho aberta no peito, deixando à mostra parte da tatuagem tribal que atravessava o ombro. Os cabelos negros estavam arrumados de forma displicente, como se nunca precisasse se esforçar para impor presença. E aqueles olhos âmbar, sempre tão fixos, pareciam avaliar cada detalhe da noite.

Eu me sentei perto da fogueira, tentando passar despercebida. Mas, por dentro, lutei contra a esperança boba de que, em algum momento, ele me olharia.

— Rebecca, você vai dançar? — perguntou Clara, uma das meninas da minha idade, sorrindo com malícia.

— Acho que não — murmurei. — Não sou muito boa nisso.

— Você devia tentar. Vai que… — ela riu baixinho, deixando o resto no ar.

Corei.

Ela não precisava terminar.

Enquanto as músicas começavam, pares se formavam no salão. Vi Danilo ser convidado por uma das filhas do conselho. Ela tinha um vestido vermelho que grudava em suas curvas e um sorriso confiante, como se já fosse a escolhida. Ele não recusou. Aceitou a mão dela, conduzindo-a para a dança com a mesma firmeza com que conduzia a matilha.

O coração apertou dentro de mim. Eu sabia que não deveria esperar nada, mas mesmo assim doeu.

— Talvez na próxima lua cheia — Clara cochichou ao meu lado. — Quem sabe ele perceba você.

— Eu não quero que ele me note, Clara, ele é o alfa.

Fingi sorrir, mas a verdade é que as palavras soaram como ferro quente em minha pele.

Enquanto os dois dançavam, todos olhavam. O salão parecia girar ao redor deles. E eu estava ali, invisível, com o vestido azul que nada tinha de especial.

Por um instante, os olhos dele passaram pela multidão. Eu prendi a respiração, esperando. Mas, assim como vieram, se desviaram. Como se eu não fosse nada.

Meu corpo gelou. Não havia necessidade de palavras. A indiferença dele falava mais alto do que qualquer recusa.

A festa seguiu, mas eu não consegui mais sorrir. Permaneci sentada, observando, sentindo cada gargalhada, cada olhar atravessar minha pele como lâmina.

Quando levantei para sair, esbarrei nele. O cheiro dele me atingiu de imediato.

Amadeirado, selvagem, inconfundível.

Levantei o rosto devagar, e o olhar âmbar me encontrou por um segundo.

— Perdão… alfa — murmurei, baixando os olhos.

Ele apenas assentiu, sem esboçar reação, e passou por mim como se eu fosse parte do chão.

O silêncio dele foi pior do que qualquer palavra.

Naquele instante, compreendi que eu jamais seria escolhida.

Por mais cruel que isso pudesse parecer.

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