A madrugada parecia ainda mais silenciosa do que de costume. O baile havia terminado há algumas horas, mas as risadas e as músicas ainda ecoavam na minha cabeça como um zumbido irritante que tiravam sarro de mim. Eu não conseguia dormir. Cada vez que fechava os olhos, via a cena dele dançando com outra e depois outra, os olhos âmbar brilhando sob a luz do fogo enquanto eu, escondida num canto, lutava contra a vontade de desaparecer.
De sumir do mundo.
De correr para o mais longe possível.
Resolvi sair. A noite me chamava, como sempre. Caminhei em silêncio pelos corredores até alcançar a porta dos fundos. O vento frio da floresta me envolveu, e, por alguns instantes, deixei que ele levasse consigo a dor que latejava dentro do peito. Que rasgava meu coração.
Eu só queria um pouco de ar. Só queria estar longe dos olhares que me atravessavam.
Foi então que o vi.
Danilo.
Meu alfa.
E meu coração se quebrou ainda mais.
Encostado em uma das colunas de pedra que sustentavam a varanda da casa principal. Os braços cruzados sobre o peito largo, a postura rígida, como se estivesse guardando a noite inteira. A lua cheia iluminava seu rosto, realçando cada linha do maxilar, cada sombra que os cabelos negros lançavam sobre os olhos âmbar. Ele parecia uma pintura viva, perigosa demais para ser contemplada de perto.
Meu primeiro instinto foi recuar. Fingir que não o tinha visto e voltar para o quarto. Mas os olhos dele já estavam em mim. Não havia escapatória.
— Não deveria estar aqui — a voz dele cortou o ar, grave, firme, carregada de autoridade. Me curvei, mesmo sem querer ao som da sua voz.
Engoli em seco.
Um músculo se contraiu em sua mandíbula, e por um momento ele pareceu lutar contra as próprias palavras.
— E desde quando o alfa se importa com onde eu ando? — a frase escapou antes que eu pudesse contê-la.
O silêncio que se seguiu foi quase sufocante. Os olhos âmbar me atravessaram como lâminas, e eu juro que por um instante vi algo neles… não era raiva, tampouco desprezo. Era outra coisa. Uma faísca que ele tentou esconder, mas que queimou forte o suficiente para acelerar meu coração.
Ele deu um passo à frente, e eu, instintivamente, dei um para trás.
A forma como meu nome soou em sua boca fez meu corpo estremecer. Nunca tinha ouvido ele pronunciá-lo daquele jeito, baixo, arrastado, quase como se fosse um segredo.
— Eu não vou me calar só porque você é o alfa — retruquei, a voz trêmula, mas firme. — Passou a noite inteira fingindo que eu não existo. Pois bem… finja agora também. E me deixa...
Os olhos dele se estreitaram, e por um instante pensei que ele fosse me ordenar silêncio, como faria com qualquer outro. Mas não. Ele apenas me observou. Como se buscasse algo que nem ele mesmo compreendia.
— Você não entende… — murmurou, quase para si mesmo.
— Então me faça entender.
O silêncio voltou. Só o vento corria entre nós, trazendo o cheiro da terra úmida e da madeira queimada da fogueira que ainda ardia ao longe.
Danilo avançou mais um passo. Estava tão perto que pude sentir o calor que emanava de seu corpo, tão grande e imponente que me fez sentir pequena demais diante dele. Sua respiração se misturou à minha, e por um instante acreditei que…
Mas não. Ele desviou o rosto, como se lutasse contra algo.
Meu coração se partiu com a frieza da ordem, mas eu não recuei.
Ele fechou os olhos por um instante, os punhos cerrados ao lado do corpo.
E então se virou, desaparecendo na escuridão da varanda, me deixando sozinha com o peso das palavras que ele não quis completar.
Eu sabia que havia algo ali. Algo escondido por trás de sua dureza. E esse algo era forte o bastante para me prender, mesmo quando ele tentava me afastar.