Acordei com o barulho de passos no corredor estreito. O abrigo cheirava a desinfetante barato misturado com café requentado, e o colchão fino onde eu dormia parecia sempre menor do que meu corpo precisava. Ainda assim, era melhor do que o frio do chão e o céu aberto que me acompanharam nas primeiras semanas aqui.
Levantei devagar, coloquei os óculos de armação fina, aqueles que me faziam parecer invisível, como o nosso amigão azul, e ajeitei a blusa surrada que eu tinha encontrado no depósito de roupas do abrigo. A garota no espelho rachado do banheiro não era Rebecca da Silva, filha de uma linhagem antiga. Era Marina Costa, apenas mais uma humana sem passado.
Mas sempre uma ninugém.
Na cozinha, uma das voluntárias me entregou uma caneca de café.
— Dormiu bem, Marina?
Assenti com um sorriso discreto.
— O suficiente.
Era estranho como todos acreditavam facilmente na mentira que eu repetia. Talvez porque eu mesma já tivesse começado a acreditar.
Depois do café, caminhei até a biblioteca